Debatendo o legado do governo de Nyusi

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Estamos há cerca de cinco meses do fim do ciclo de dez anos de governação Nyusi. Na gíria desportiva, diria que o presidente está prestes a pendurar as suas botas ou chuteiras e criar condições para que em Janeiro entregue as pastas ao seu sucessor que será ou Daniel Chapo, da Frelimo, Ossufo Momade, da Renamo, Lutero Simango, do MDM, ou Venâncio Mondlane, candidato independente.

O debate que se levanta, relacionado com o momento, é que legado deixa o homem do planalto de Mueda para o país. Como seria de esperar, é, sempre, uma discussão acesa e com opiniões divergentes, num exercício que nunca foi consensual.

É que cada cidadão tem, na cabeça, o seu Estado da Nação, baseado na avaliação do grau de satisfação das suas próprias expectativas. Se cumpriu ou não cumpriu o que prometeu para o seu bairro, aldeia, localidade, distrito ou província, e em que medida. O que foi feito e o que não foi feito e em que medida é que foi realizado.

Avaliam se a energia eléctrica foi instalada ou não na aldeia. Se o sistema de abastecimento de água prometido à sua comunidade foi montado ou não. Se a escola e o centro sanitário de que se falou tanto na campanha eleitoral foram construídos ou não.

Nesse exercício em que são analisadas questões micros e macros sobre a governação do país, há os que defendem que durante os últimos dez anos não fez nada de substancial. Que, pelo contrário, o país regrediu consideravelmente e, por conseguinte, a qualidade de vida dos moçambicanos deteriorou-se.

A tese é sustentada pelos índices de pobreza que dispararam, nos últimos dez anos, com as estatísticas a apontarem para um aumento de 87 por cento ou seja 65 por cento da população do país é pobre.

Na área da segurança, a guerra transferiu-se do centro para o norte do país. Cabo Delgado está abraço com o terrorismo desde 2017 e o governo Nyusi não tem solução para acabar com o fenómeno, que já provocou mais de um milhão de deslocados e mil mortos, e para os raptos nas cidades de Maputo e Matola, que se intensificaram nos últimos anos.

Essa linha de pensamento defende que a economia está de rastos e o país, com o problema de liquidez que se caracteriza pelos atrasos no pagamento de salários aos funcionários públicos, o endividamento do país até ao cabelo (stock da dívida pública moçambicana a crescer este ano para o equivalente a 97,5 por cento do PIB, segundo o FMI, de uma dívida de 14,5 mil milhões de Euros)) e o custo de vida insuportável. É uma opinião a respeitar.

Para os outros, o seu Estado da Nação é aquele que é desenhado com base na imagem transmitida pelas sucessivas greves dos médicos, profissionais da saúde, professores e ameaças de paralisação por parte dos juízes e procuradores, imagem essa que sugere um país que não está a atravessar bons momentos.

Mas há os que entendem que o Estado da Nação que nos é oferecida pelo governo Nyusi podia ser melhor se não tivéssemos tido a Covid-19, que afectou o tecido empresarial, os desastres naturais como depressões tropicais e ciclones Idai, Fred e outros, que destruíram infra-estruturas públicas e privadas, para além de outros factores.

O presidente Filipe Nyusi tem o seu próprio Estado da Nação que partilhou com os moçambicanos no pódio da Assembleia da República. O documento, com dezenas de páginas, apresenta cinco áreas que contém os principais legados da sua governação.

Refiro-me à paz e reconciliação, relativo ao fim da guerra no centro, desarmamento, desmobilização e reintegração das  forças residuais da Renamo; conquistas diplomáticas, relativa à eleição de Moçambique como membro não efectivo do Conselho de Segurança da ONU, prevenção de desastres naturais, infra-estruturas e exploração de hidrocarbonetos, com primeiras exportações de gás natural do Rovuma.

Para quem não vive em Moçambique e não tem o contacto com a realidade moçambicana, olhando para o informe do Chefe de Estado, escrito como está, que é mais relatório de actividades do que outra coisa, pode pensar que Moçambique respira uma boa saúde, o que não corresponde à verdade.

Há que reconhecer que durante os dez anos de governação, o presidente Nyusi e a sua equipa fizeram o que fizeram, mas, infelizmente, a qualidade de vida dos moçambicanos não melhorou. Pelo contrário, piorou. Os serviços básicos oferecidos ao cidadão são de fraca qualidade. Em alguns casos, o Estado rompeu alguns contratos sociais.

Quando polícias e militares não têm salários em dia, o que é perigoso, significa que o país não está bem. Isso não é normal. Quando a educação continua com os crónicos problemas de distribuição do livro e de crianças sem carteiras e outras a estudarem debaixo de árvores, quer dizer que durante os últimos dez anos não houve intervenções estruturantes nesta e noutras áreas, como a saúde.

Quando continuamos a ter uma rede viária rebentada, incluindo a Estrada Nacional número 1, que liga o sul, o centro e o norte, dificultando o escoamento da produção em algumas regiões do país, quer dizer que estamos mal. Quando a corrupção passa a ser uma forma de ser e estar, é preocupante.

Quando a agricultura, que consume dez por cento do Orçamento Geral de Estado, não consegue alimentar os cerca de 30 milhões de moçambicanos, apesar de o país possuir 36 milhões de hectares aráveis, água e mão de obra barata, significa que o governo falhou na estratégia  de desenvolvimento do sector.

Quando as oportunidades giram à volta de um punhado de pessoas significa que a promessa a este respeito ficou por cumprir. Por isso, se é me permitido opinar, sem nenhum exagero, baseando-me em todos estes e outros aspectos, o meu Estado da Nação é mau!

Promo������o

Facebook Comments

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *