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Alexandre Chiure
Eu e meu amigo de infância decidimos tirar uma manhã para uma conversa descontraída sobre o País. Tem sido hábito fazermos isso, pelo menos uma vez por mês. Mas faz tempo que quebrámos esse ritmo. Por isso, havia muito que comentar.
Às vezes, a conversa começa e termina bem, com risos às gargalhadas e um bate aqui. Mas momentos há em que fechamos com porra aqui e porra acolá. É que o meu amigo é muito teimoso e gosta que as suas ideias ou opiniões sejam aquelas que vingam.
Mas, mesmo assim, adoro bater papo com ele. É uma pessoa honesta, séria e, acima de tudo, um verdadeiro nacionalista preocupado com o bem-estar do país. É muito atento. Analisa tudo até ao pormenor. O que admiro dele é que é muito corajoso, crítico e chama as coisas pelos seus próprios nomes. Pessoas assim não são bem vistas em alguns círculos políticos do país. Aqui privilegiam-se os lambe-botas.
Noutras ocasiões, sou eu que inauguro a sessão. Desta vez, não. O meu amigo quis que fosse ele a dar o pontapé de saída. Faz sentido. É preciso, de vez em quando, fazer diferente para ter resultados diferentes, segundo Daniel Chapo.
O meu brada elegeu um assunto sensível, que envolve o Presidente da República, como o primeiro tema para o nosso debate: O aluguer de um avião que custa 11 mil dólares por hora, aproximadamente 700 mil meticais, para uma viagem a Eswatini, aqui ao lado.
Deixei que fosse ele, mesmo, a falar do princípio até ao fim. Antes de abrir a boca, passou a mão direita pela cara. Torceu o nariz como quem não sabe por onde começar e questionou: que história é essa de um país pobre como o nosso se dar ao luxo de alugar uma aeronave daquelas quando não consegue sequer oferecer transporte condigno aos seus cidadãos?
Fiquei embaraçado com a colocação do meu amigo. De propósito, não comentei. Ele insistiu dizendo que Chapo está a contrariar o seu discurso da tomada de posse em que defendia a necessidade de austeridade, a começar do governo que ia formar que seria compacto. Mais uma vez fiquei calado.
Eu preferi comentar o caso de moçambicanos que foram enganados. Prometeram-lhes emprego na China e, para a sua surpresa, foram parar em Laos. Trabalham feitos escravos numa mina de carvão e em condições deploráveis, com salários miseráveis. Os maus tratos foram denunciados através de vídeos amadores tornados públicos pela TV Sucesso e a história passou a ser de domínio público.
Já se passam cerca de duas semanas depois que foi divulgada e o governo de Moçambique ainda não se pronunciou, a título oficial. A única vez em que se falou sobre o assunto foi à saída do Conselho de Ministros. Contra todas as expectativas, o porta-voz veio a público dizer que o seu governo não sabia nada daquilo, o que não pode ser verdade porque o assunto foi largamente divulgado na televisão.
Significa que não foi abordado, nem na sessão da semana passada, nem desta, o que é, no mínimo, espantoso. Inocêncio Impissa só falou do caso porque alguém o colocou em forma de pergunta. É triste os moçambicanos serem maltratados e o governo, pura e simplesmente, ficar calado.
O Conselho de Ministros não foi capaz, sequer, de sair com um comunicado a expressar preocupação e, nem que fosse para nos enganar, prometer investigar a situação para, por via disso, concluirmos que o governo está em cima dos acontecimentos e que se preocupa com os moçambicanos, estejam onde estiverem. Não foi nada disso o que aconteceu. A opção foi de ficar calado.
O governo é sempre aquele não sabe de nada. Quando é para reagir, o faz tardiamente e, vezes sem conta, para desfazer-se da pressão exercida pela sociedade para que diga qualquer coisa. Às vezes é antecipado por governos de outros países que aparecem a condenar coisas que acontecem no nosso próprio país.
Há dias, a ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação foi questionada sobre se o seu governo ia ou não submeter um processo contra o brasileiro que se fez passar por adido comercial consular de Moçambique no Brasil. O fulano foi detido na Colômbia, julgado e condenado, no ano passado, no seu país, a uma pena de 12 anos de prisão.
A governante, que parecia não saber o que dizer ao jornalista, respondeu, pura e simplesmente, que este é um assunto interno do Brasil e que, por isso, o seu governo não pode fazer nada. Uma declaração muito infeliz.
O brasileiro Marcos Roberto de Almeida, narcotraficante brasileiro, usou e abusou o nome de Moçambique. Apresentou-se, publicamente, diante da polícia do seu país, como funcionário do Consulado Geral de Moçambique em Minas Gerais, no período de Julho de 2018 a Julho de 2019, o que era completamente falso, e o executivo moçambicano diz que é um assunto doméstico brasileiro. Incrível.
O caso não é de interesse exclusivo dos brasileiros, como a nossa ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação deu a entender. Nós, moçambicanos, somos, também, parte dos ofendidos, como o é o Estado brasileiro.
O criminoso usou uma falsa identidade. Identificou-se como diplomata moçambicano. Praticou crimes de narcotráfico sob capa de trabalhador do Consulado Geral de Moçambique. Só isso é muito grave. O suficiente para as nossas autoridades reagirem ou exigirem a reposição da imagem do país que ficou beliscada.
A indiferença e a passividade com que os governos deste país lidam com casos que envolvem a imagem do país ou moçambicanos faz com que não sejamos respeitados pelos outros. Não faz sentido, por exemplo, que estrangeiros venham para aqui fazer e desfazer a seu bel-prazer e nada lhes acontecer.
É inadmissível que os moçambicanos sejam maltratados e humilhados na sua própria terra, submetendo-lhes a condições de trabalho desumanos e o governo não fazer nada em sua defesa.
Infelizmente esta é a forma de ser e estar dos governos deste País, com a excepção do de Samora Machel que não admitia abusos. Respeitava e fazia respeitar os moçambicanos dentro e fora do país. Havia, inclusive, medo de os tocar, temendo a reacção daquele que foi o primeiro PR de Moçambique independente.
O meu amigo ouviu-me atentamente a explanar-me e, por fim, concordou, plenamente, comigo. Não quis acrescentar nada julgando que tudo estava dito. Já era tarde. Não deu para prolongar com a conversa. Ficamos de fazer, em breve, uma nova sentada para continuarmos a olhar o País.

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