Alexandre Chiure
Em Outubro, iremos às urnas escolher entre os quatro concorrentes às presidenciais aquele que nos governará nos próximos cinco anos num ambiente de desconfianças, incertezas e falta de credibilidade por parte dos órgãos eleitorais devido aos anteriores processos eleitorais pouco transparentes e à sua conotação com a fraude eleitoral.
Os moçambicanos ainda não se esqueceram do que aconteceu nas sétimas eleições autárquicas de 2023. Em alguns municípios tivemos falsos vencedores e falsos vencidos.
Noutros, houve candidatos ou partidos políticos que ganharam na secretaria depois de perderem nas urnas. No fim do dia, não foi respeitada a vontade dos eleitores.
Depois de tudo que aconteceu, para o nosso desagrado, a pergunta que se faz é: será que é desta vez a CNE vai nos oferecer eleições verdadeiramente livres, justas e transparentes em que ganha quem ganha e perde quem perde, sem lugar à manipulação dos resultados? Como tornar o processo eleitoral limpo e aceite por todos?
O ponto é que a máquina que geriu as eleições autárquicas do ano passado é a mesma deste ano, nomeadamente a composição da Comissão Nacional de Eleições, do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral e das comissões distritais de eleições. Os juizes-conselheiros do CC foram reconduzidos e está tudo na mesma.
Esta situação tira sono a alguns eleitores. Alguns falam em não votar com o argumento de que votar ou não é mesma coisa, o que está errado. Como eleitores temos que fazer a nossa parte fazendo as nossas escolhas.
É verdade que nada nos garante que, desta vez, as coisas serão diferentes nestas eleições, o que levanta algumas incógnitas e alimenta incertezas quanto ao que poderão vir a ser.
Não temos como dizer que desta vez não haverá fraude porque nada foi feito para evitar que ocorra no sufrágio de 9 de Outubro como introduzir o sistema de votação electrónica, despartidarização de órgãos eleitorais e do Conselho Constitucional e o uso de plataforma de gestão eleitorais que permita acompanhar o apuramento de onde esteja, quer seja dentro, como fora do país.
O que se pode fazer na nossa realidade é que haja rigor no controlo, desde a votação, passando pelo apuramento dos resultados nas mesas e nas fases subsequentes até à proclamação e validação dos resultados. Significa que os representantes dos partidos políticos na CNE, STAE e CC devem assumir o seu papel de zelar pelo processo e garantir que não haja manipulação dos resultados.
Aos partidos extraparlamentares concorrentes nas eleições legislativas e provinciais cabe a responsabilidade de colocar seu pessoal nas mesas para controlar o processo e evitar que haja enchimento de urnas. Tal facto passa por garantir logística por parte dos parte dos partidos políticos. Esse exercício pode reduzir o impacto da fraude eleitoral para o mínimo.
O pacote eleitoral, revisto pela Assembleia da República, está longe de constituir um instrumento para desencorajar a fraude eleitoral em absoluto. É verdade que traz algumas coisas que directa ou indirectamente contribui para impor disciplina no processo.
Permite, por exemplo, que os jornalistas participem em todos os processos de apuramento dos resultados, desde a contagem dos votos nas mesas, passado pelo apuramento distrital e provincial até ao nacional, o que é bom.
Além disso, penaliza os presidentes das assembleias de voto que se recusarem a assinar as actas no fim do apuramento dos resultados a nível das mesas. Mas não é tudo. É preciso cerrar fileiras.
No processo de revisão do pacote eleitoral, foram esvaziados os poderes dos tribunais judiciais de distrito relativos ao julgamento de recursos sobre contenciosos eleitorais. Quer dizer que quase tudo é decidido no Conselho Constitucional.
Quase que mataram a primeira estância de recurso, mas os juízes já disseram que irão obedecer ao que está escrito na Constituição da República no julgamento dos contenciosos eleitorais.
Na prática é mais fácil os políticos manipularem o CC, sendo um órgão partidarizado, do que os tribunais judiciais de distrito, que primem pela independência e imparcialidade, sendo eles órgãos de soberania.
A partidarização dos órgãos eleitorais é o pano de fundo da questão. Enquanto a CNE continuar a não ser independente, como acontece na África do Sul, estaremos a pedir demais que este órgão tome decisões com isenção e que não alvo de manipulação.
Não há como deixarem de tomar decisões políticas, algumas das quais em prejuizo da democracia, quando se trata de defender os interesses da Frelimo, Renamo e MDM representados nesses órgãos, como por exemplo o afastamento da CAD, coligação que suportava Venâncio Mondlane.
Infelizmente, quer a Comissão Nacional de Eleições, quer o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, quer ainda o Conselho Constitucional são órgãos políticos e não técnicos.
O que se pretendia com este modelo de partidarização era garantir a confiança, credibilidade e transparência dos órgãos eleitorais. Coube, nessa altura, o direito de indicar seus representantes os partidos com bancadas na Assembleia da República.
Mas já passam 30 anos e não faz sentido manter as coisas como elas estão. Para começar, apesar da presença de olheiros dos partidos políticos, os processos eleitorais moçambicanos não têm sido credíveis e muito menos transparentes. A fraude é o pão de cada dia.
Significa que este sistema já não serve os interesses do país e até dos próprios partidos políticos. Chegou a hora de apostar numa CNE e STAE independentes que nos possam assegurar que tenhamos verdadeiramente eleições livres, justas e transparentes.
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