Meio século de silêncio: Um país carente de um debate inclusivo e sem tabus

EDITORIAL
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Cinco décadas após a alvorada da independência, Moçambique cruza a marca dos 50 anos com o peso de sua própria história. Em tempo de balanço, de confrontar as promessas com os resultados, de olhar para trás não com nostalgia, mas com lucidez. Porém, quando se esperava que a memória colectiva se erguesse em coro, o que se ouve é o eco das mesmas vozes de sempre, os que conduziram o país a uma realidade de que não nos orgulha e nem faz jus a utopia de libertar a terra e o homem, também agora se arvoram em seus principais avaliadores.

É um curioso paradoxo: os que conduziram o barco, mesmo quando este quase naufragou, são hoje os únicos a escrever o diário de bordo. Com a bandeira da celebração erguida bem alto, a política nacional se veste de solenidade e discursos ensaiados. Multiplicam-se conferências, debates e colóquios, muitos deles promovidos por instituições estatais e o partido no poder, que se colocam no centro das atenções com um ar de donos da história. Fala-se de unidade nacional, de conquistas, de resiliência, mas pouco ou nada se ouve sobre os fracassos, os desvios e as oportunidades perdidas. E, sobretudo, não se ouve quem nunca teve voz, despida de movimentos e em condições de avaliar o país sem tabus, sem manto do politicamente correcto.

A independência não é propriedade de um partido, nem de um grupo, nem de uma geração específica. A luta foi colectiva, mesmo quando não foi igual. O sangue derramado não carregava cor partidária. No entanto, meio século depois, a reflexão que devia ser nacional se estreita no espaço do poder. Falta abertura, falta escuta, falta coragem para permitir que o país se veja no espelho inteiro, com todas as suas rugas, cicatrizes e também os seus sorrisos.

Os que erraram, e todos erramos, têm o direito de falar, mas não o monopólio da palavra. O que não se pode admitir é que sejam os mesmos protagonistas das omissões, das decisões falhadas, dos pactos de silêncio, a ditar os rumos da revisão histórica. Uma sociedade só se fortalece quando o passado é debatido de forma ampla, inclusiva, quando o campo da crítica se torna terreno fértil para o replantar da esperança.

A juventude, os camponeses, as mulheres de vilas longínquas desse belo moçambique, os que resistem sem microfones e sem cargos, precisam de ser convocados para este balanço. Não como convidados de ocasião, mas como autores plenos da narrativa nacional. Os 50 anos deviam ser ocasião para repensar a cidadania, devolver o país a quem lhe sustenta todos os dias com trabalho, fé e perseverança.

A celebração da independência sem escuta profunda é apenas ritual. O verdadeiro tributo à liberdade conquistada é o debate livre, inclusivo e desarmado de vaidades. Porque o futuro, se quisermos mesmo ter um, não pode continuar a ser escrito com a caligrafia de poucos, os mesmos poucos que nos conduziram até aqui e reivindica auto-balanço, precisa, sim, de um balanço sem tabus, nem partidos.

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