Justiça eleitoral na óptica do CC

OPINIÃO

Alexandre Chiure

É público que o Presidente da República eleito é Daniel Chapo. O Conselho Constitucional, após pouco mais de dois meses de espera, confirmou o que era óbvio: a vitória da Frelimo e do seu candidato e o Venâncio Mondlane e o Podemos, remetidos em segundo lugar.

Por isso, o dossier sobre as eleições fechou. A este nível, não há mais nada a fazer. Não há manifestação de espécie alguma que possa alterar o xadrez. Decisão tomada, decisão cumprida, mas está aceso o debate quanto à justiça eleitoral se foi feita ou não.

Um colega de um canal de televisão privado colocou-me esta questão num programa em directo em que analisava o acórdão do CC. Ele quis saber se terá sido respeitada ou não a vontade do povo, uma pergunta que era de esperar tendo em conta a expectativa das pessoas.

Remeti a resposta à reacção do público face ao conteúdo do acórdão. Argumentei que esse era o melhor termómetro para concluirmos se a decisão tomada corresponde ou não ao que se esperava. Se estamos ou não perante um justo vencedor destas eleições e se a legalidade está salvaguardada ou não.

O que vimos nas ruas, a seguir à leitura do documento pela presidente do órgão, Lúcia Ribeiro, foi agitação em grande escala, em quase todo o país, com particular incidência em Maputo, Matola, Nacala, Nampula e alguns distritos da Zambézia.

Uma reacção que se traduziu na vandalização e saque de bens públicos e privados, alegando que não querem mais ser governados pela Frelimo alegando que durante 49 anos não fez nada e que a sua escolha, nas urnas, recaiu sobre Venâncio Mondlane.

Em suma, eu disse-lhe que a resposta à sua pergunta estava nas ruas. O colega, que não ficou satisfeito com isso, insistiu para que eu dissesse, taxativamente, sim ou não. O que ele não entendeu é que não há condições objectivas para uma resposta dessas.

Primeiro, o que é que se entende por justiça eleitoral? Será que, neste caso de eleições de 9 de Outubro, significa, somente, proclamar Venâncio Mondlane e Podemos como vencedores e nunca o outro candidato e partido, como, por  exemplo, Daniel Chapo e Frelimo? Por outras palavras porque é que só seria justiça eleitoral se o vencedor fosse VM e não Daniel Chapo e Frelimo?

Para os membros e simpatizantes do partido no poder, a justiça eleitoral foi feita ao proclamar-se Chapo e Frelimo como os que ganharam as eleições. Mas para os apoiantes do Podemos, justiça eleitoral significa Venâncio Mondlane no poder.

Estes estão a vandalizar e saquear bens públicos e privados, até centros de saúde, esquadras, escolas, bancos e outros importantes na vida dos próprios manifestantes, alegando que estão insatisfeitos porque não foi feita a justiça eleitoral.

É curioso que entre os que estão nas ruas a manifestarem-se há crianças, pessoas com idade eleitoral, mas que não se recensearam e outros que apesar de registados, não votaram. Mas, no fim do dia, todos acham-se com a legitimidade de falar ou reivindicar a justiça eleitoral que todos nós desejamos.

Depois é o Conselho Constitucional que faz “enchidos” e, em alguns casos, remendos ao dossier eleitoral remetido àquela casa pela CNE, infestado de irregularidades. Removeu votos da Frelimo para o Podemos, Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique sem nenhuma base legal e acha ter sido feita a justiça eleitoral.

Se tivermos em conta os resultados divulgados nos finais de Outubro pela CNE, o partido no poder perdeu, nesse exercício, 24 assentos no parlamento a favor da oposição e não parece preocupado com isso. O Podemos ficou com 12, dois dos quais eleitos, pela primeira vez, em Gaza, a Renamo com 8 e MDM (4).

Não ficou claro que critérios usou o CC para retirar votos da Frelimo e distribui-los pelos três partidos da oposição. A que editais ou apuramento se referem. Ao das mesas, intermédio, provincial ou ao nacional? Como é que esses votos foram parar nas mãos da Frelimo?

No âmbito de verificação do expediente da CNE, quer o CC, quer o Ministério Público, este através do seu parecer, reconheceram que houve disparidades no número de votos expressos nas urnas nas entre as eleições presidenciais, legislativas e para as assembleias provinciais. Ficou, igualmente, provado que houve, em alguns casos, o empolamento de dados. Que a CNE não fez devidamente o seu trabalho.

Apesar destes problemas todos. De reunidas as provas de que houve fraude eleitoral, a apresentação, ao CC, de actas e editais falsificados por parte de alguns partidos políticos, com resultados diferentes uns dos outros para a mesma mesa, incluindo da CNE, o CC diz, como sempre, que os ilícitos eleitorais não influenciaram significativamente nos resultados eleitorais. Afinal em que circunstâncias pode influenciar?

O que o meu colega da televisão não sabe é que por estas e outras razões, derivadas da falta de transparência no processo eleitoral e de credibilidade por parte dos órgãos eleitorais e do próprio Conselho Constitucional, dificilmente se pode responder, com “sim” ou “não”, se justiça eleitoral foi feita ou não.

O CC reescreveu a história sobre as eleições de 9 de Outubro. Tentou rearrumar os dados, mas não se pode falar da perfeição do processo. Deu no que deu e pronto.

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