“As manifestações têm objectivos obscuros, mas nunca devemos ignorar o custo de vida e a falta de oportunidades” – Joel Numaio

DESTAQUE POLÍTICA
  • Em entrevista, diz que Comité Central não deve hesitar em reestruturar o partido
  • “Partidos radicais da Europa e América estão a estender seus tentáculos em Moçambique”
  • “…Mas nunca devemos ignorar o custo de vida, a falta de oportunidades… como causas…”
  • “A Frelimo precisa de um secretário-geral com forte presença social e postura de liderança”

A Frelimo estará reunida, esta sexta-feira, 14 de Fevereiro de 2024, na Escola Central da Matola, na II Sessão Extraordinária do Comité Central, classificada como de “sentença” do seu futuro, através da escolha do secretário-geral e membros do secretariado, cuja disputa e jogo de interesse é descrita como estando a alimentar os corredores, com grupos já identificados à procura de cerrar o seu domínio. A respeito desta magna sessão, o Evidências abordou Joel Nhumaio, bisneto do imperador de Gaza, Ngungunhane, que também é quadro sénior da Frelimo, que em 2023, foi o director da campanha nas eleições autárquicas no distrito municipal de Kamavota. Nhumaio, actualmente na Assembleia Municipal de Maputo, afirma que o Comité Central não deve hesitar em tomar decisões históricas capazes de rejuvenescer e reestruturar os órgãos do partido a todos os níveis em resposta às exigências e ajustamentos do presente e do futuro. Nas entrelinhas, analisa as manifestações, destacando a mudança em curso a nível global, com a emergência de partidos da extrema-direita, com tendência a um discurso radical, na Europa e América que tem estado a estender os seus tentáculos para África, incluindo Moçambique

Evidências

As brigadas centrais estiveram, semana passada, nas províncias para, entre vários assuntos, dialogar com as populações sobre a necessidade do diálogo e para não aderir às manifestações. Ilustre Joel Nhumaio, acha oportuna esta visita?

– Para mim, não há dúvidas de que a visita das brigadas centrais às províncias é oportuna por vários motivos: primeiro, Moçambique tem um novo Presidente da República. O país vive momentos jamais imaginados de violência, destruição, saque, perseguição, mortes, até de mentira, ódio e mais recentemente, de tentativas de desordem em relação às decisões tomadas e anunciadas pelo Presidente da República. Mas também, todos sabemos que o meu partido vai a uma reunião muito importante para a saúde, coesão, reencontro e realinhamento de políticas, estratégias e posições na cena política nacional. Portanto, este ambiente todo, e toda esta realidade, deve ser comunicada aos membros do partido a partir das bases, deve ser explicada à população e buscar aconselhamentos sobre as soluções dos problemas que afligem o povo.

Na sua qualidade de membro sénior da FRELIMO, como é que olha para estas manifestações que surgem um pouco por todo o País?

– O mundo está em mudança e há várias correntes de pensamento ou regimes políticos que estão a ressurgir. Estamos a falar dos partidos extremistas e radicais da Europa e América, que estão a investir para estender os seus tentáculos em África, incluindo Moçambique. Mas também, Maquiavel já nos ensinou que os fins justificam os meios. Isto é, estas manifestações violentas deixaram de ser normais porque têm objectivos obscuros.

Mas nunca devemos ignorar o custo de vida, a falta de oportunidades e de políticas que respondam às necessidades da população, principalmente os jovens, como principais causas deste fenómeno.

As estatísticas referem que em Moçambique, a população jovem é a maioria, onde 500 mil jovens por ano completam 18 anos. A partir desta realidade, é possível compreender o nível de atenção que se deve ter com esta camada etária.

Há pessoas que culpam Venâncio Mondlane, organizações da sociedade civil e alguns membros da Frelimo descontentes que querem forçar o presidente Chapo a negociar com ele? Concorda?

– Venâncio Mondlane é um actor político e tem seguidores, olhando para os resultados adquiridos nas últimas eleições, foi o segundo candidato presidencial mais votado. A partir desta posição, mostra a necessidade e importância de se estabelecer uma plataforma de diálogo entre o presidente da Repúblico e o segundo candidato mais votado. Para mim, qualquer estratégia que pode culminar com a paz e estabilidade no país não deve ser descartada, porque se trata de um bem maior para o nosso país.

“Venâncio Mondlane tem a responsabilidade de contribuir para a harmonia social”

Mas há vozes dentro da Frelimo que não vêem Venâncio Mondlane como peça-chave para a estabilidade do país neste momento?

– Eu não acredito que um cidadão moçambicano que vive neste território, que acompanha os movimentos todos os dias da instabilidade, ainda pode vir com esse tipo de pensamento. Digo isso porque o nosso Presidente da República em todos seus discursos, para quem acompanha, tem deixado bem claro que é um homem da paz, reconciliação e da inclusão. É por isso, que, na sua tomada de posse vincou que haveria de dialogar, para além dos partidos com assento no parlamento, também com os seus companheiros na corrida presidencial. O Venâncio Mondlane, por ter sido o segundo candidato mais votado, automaticamente, é membro do Conselho do Estado. Isto é, ele tem uma opinião sobre a vida do país e dos moçambicanos, por isso tem a responsabilidade de contribuir para a harmonia, estabilidade e a paz no país.

Olhando para os pronunciamentos de Venâncio Mondlane, penso que também está preocupado com o bem-estar dos moçambicanos. Numa das suas recentes intervenções, declarou que estaria disponível, caso seja solicitado, afinal, ele é um filho desta pátria.

Neste exacto momento, aconselho os meus irmãos (povo) a preservar todas as conquistas alcançadas porque, no final do dia, quem vai precisar daquilo que estamos a destruir somos nós mesmos.

É triste ver os estabelecimentos comerciais de nossos irmãos a encerrarem as portas por causa das ameaças e saques. Estabelecimentos que, em algum momento, empregavam os nossos irmãos e garantiam o sustento de milhares de famílias.

Acha que a polícia tem medo ou o Estado rendeu-se a Venâncio e aos manifestantes?

Podemos afirmar que sim, assim como também não. A PRM obedece a um comando, cuja chefia está em reestruturação, mas, com isso, não quero dizer que a polícia deve deixar a população desprotegida, mas também é preciso que a população respeite os polícias porque, no fim dia, somos da mesma família. Por isso quero aconselhar os polícias para, antes do uso da força, pautarem-se pelo diálogo e isto, de certo modo, poderá contribuir para uma convivência sã e harmoniosa, entre as partes.

Daniel Chapo nomeou e empossou semana passada, pessoas que lhe vão aconselhar na presidência da República. Eram aqueles nomes que esperava?

– Devo dizer que a nação moçambicana foi iniciada pelos melhores filhos que ousaram lutar pela liberdade e afirmação da dignidade do povo moçambicano, os quais, hoje, passaram o testemunho geracional da passagem do poder aos jovens, liderados pelo Presidente Chapo. Esta é uma grande lição que os nossos pais e mães nos deram e, agora, cabe a nós, também trilhar do caminho da renovação.

Olhando para o discurso inaugural de Daniel Chapo, acha que o xadrez formado é acertado?

– É importante sabermos que todo o indivíduo fora de campo, intitula-se um bom jogador, mas, dentro das quatro linhas, a realidade é outra. Portanto, num Estado de direito democrático, toda a opinião é válida.

Daniel Chapo é um treinador, logicamente, é livre de formar uma equipa que lhe garanta alcançar os resultados a curto, médio e longo prazo, esperados pelos moçambicanos. É importante dar tempo e voto de confiança a este elenco recém-formado. O que importa para o povo é a resolução dos problemas e mais nada.

Na minha humilde opinião, as nomeações não deveriam ter só como base, o nível académico porque temos muitas pessoas sem uma licenciatura que têm um forte capital social e político, incluindo experiência de liderança e gestão. Estas pessoas, penso que deveriam, igualmente, ser dadas uma oportunidade para demonstrar as suas habilidades, porque, na verdade, ser um licenciado não significa ter capacidades e sensibilidade de viver, dialogar e trazer soluções para os problemas do povo.

“A Frelimo precisa de um secretário-geral com uma forte presença social e postura de liderança”

É já nesta sexta-feira, 14 de Fevereiro que a FRELIMO irá ao seu conclave. Qual é a sua expectativa?

– É maior, tratando-se de um momento de festa e de reconciliação. A FRELIMO habituou a nós, os militantes, e aos moçambicanos em geral, a trazer grandes decisões. Toda vida política, económica e social, incluindo regional, continental e mundial, passará à lupa dos 350 membros do Comité Central.

A eleição de Daniel Chapo como Presidente do partido é quase um dado adquirido, apesar de haver vozes, incluindo dentro da Frelimo, que dizem ser inconstitucional. Concorda?

– É justo, aliás, é tradição na nossa sexagenária Frelimo que os presidentes da República assumam também o cargo de presidente do partido. Para mim, Nhumaio, o mais importante nesta transição da liderança geracional é o facto de permitir que o Presidente da República agregue, concilie e ajuste as suas acções governativas com as partidárias sem interferências. Além disso, propicie um clima de paz, união, reconciliação e estabilidade dentro do partido.

O grande momento será a eleição do secretário-geral, e, pelo menos na praça pública, já há nomes. Acha que é momento da Frelimo ter uma mulher a dirigir o executivo do partido?

Primeiro, devo sublinhar que a Frelimo é um partido maduro, organizado e que sabe se ajustar em função dos desafios e realidade de cada etapa histórica. Mas também há directrizes que regulam e orientam a eleição do secretário-geral.

Mas, também, a avaliar pela experiência que tenho do meu partido como dirigente a nível das bases, e da minha participação, nas internas para a candidato a edil de Maputo, e depois para o cargo de primeiro secretário da cidade, penso que esta sessão promete grandes decisões e surpresas.

Em termos de perfil, tem alguma preferência?

– Olhando para a situação actual do país, com a democracia em crescimento e consolidação, com a aparição de mais partidos políticos e com os jovens mais progressistas, a Frelimo precisa de um secretário-geral político, com uma forte presença social e postura de liderança.

O secretário-geral da Frelimo deve ser um verdadeiro líder, aglutinador de todos estratos de membros, mobilizador das massas, que conheça a organização e funcionamento do partido a todos os níveis.

Qual é que deverá ser a prioridade do futuro SG?

Para mim, deverá ser a de resgatar os valores e princípios do partido, procurar saber sobre a vida e a saúde dos membros do partido a vários níveis e em todas organizações sociais, nomeadamente OJM, OMM e ACLLN, dos grupos de choques, assim como, daqueles que directa ou indirectamente apoiam e sustentam a vitalidade da nossa FRELIMO.

Este secretário-geral que neste fim-de-semana será eleito, vai assumir funções num contexto desafiador e de resgate da confiança do povo e dos membros do partido que, por vários motivos, alguns já mencionei acima, sentem-se usados, isolados e humilhados pela nossa direcção. Está sessão tem tudo para ser histórica, como também o governo do presidente Chapo pretende fazer história, através da mudança, renovação e esperança na vida dos moçambicanos.

E permita-me citar o Presidente da República, quando diz que “tudo aquilo que provoca divisionismo no seio dos membros do partido deve ser eliminado, como, por exemplo, a arrogância, o orgulho, a intolerância, a imposição de candidaturas e intimidação, o nepotismo, o lambe-botismo, o amiguismo, a familiaridade, o regionalismo, o tribalismo etc”.

Segundo as palavras do Presidente da República, o qual vai assumir a liderança máxima do nosso partido neste fim-de-semana: nesta nova era, todos devemos fazer diferente para ter resultados diferentes, o que passa, necessariamente, por valorizar os sacrifícios dos que têm contribuído para as vitórias do nosso partido.

Tem alguma recomendação para o Comité Central?

– Tratando-se duma sessão magna que se realiza num contexto que todos conhecemos, penso que o Comité Central deveria pautar-se por uma escolha responsável, em cumprimento de um dever Estatutário que consiste na imparcialidade, independência, transparência, idoneidade, maturidade valores, estes que sempre nortearam a FRELIMO.

E porque, a partir desta sessão, teremos um presidente do partido e ao mesmo tempo da República jovem, penso que o Comité Central deveria aproveitar esta ocasião para sugerir, igualmente, o rejuvenescimento e a reestruturação de todos os órgãos do partido para estar dentro das exigências e estratégias de resposta aos desafios do presente e do futuro.

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