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Faz dois anos desde a denúncia de fraude da empresa China Jiangxi International e nada foi feito
- Empreiteiro chinês concorreu com duas entidades, forjou garantias bancárias e declarou equipamentos que estavam no Quénia
Passam, já, mais de dois anos desde que a Federação Moçambicana de Empreiteiros (FME) denunciou à Procuradoria-Geral da República e ao Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) suspeitas documentadas e acompanhadas de provas de fraude na adjudicação da empreitada da pavimentação das estradas do Município da Matola, nos troços Khongolote-Molumbela; Matlemele-Nwamatibjana e Intaka-Boquisso à empresa chinesa denominada China Jiangxi Internacional Economic And Technical Cooperation (CJIC) pelo Ministério dos Transportes e Comunicações, no âmbito do projecto de mobilidade urbana na Área Metropolitana de Maputo, financiada pelo Banco Mundial num valor de mais de 682 milhões de dólares americanos, sem que esta possua alvará que lhe habilita a executar as referidas obras no País, entre outras irregularidades, incluindo o uso de documentos falsos para operar sem registo, forja de garantias bancárias e declarações falsas sobre posse de equipamentos que sequer estavam no País. No entanto, até hoje, a PGR tem sido letárgica na investigação, permitindo que a empresa prevaricadora actue ao arrepio da Lei.
Evidências
A China Jiangxi International Economic and Technical Cooperation, Co.Ltd, com sede na Avenida Fenghezhong, n.° 1198, Distrito de Honggutam, Nanchang, na República Popular da China, continua a trabalhar em Moçambique, sem estar qualificado para o efeito. Apesar de denúncias feitas pela Federação Moçambicana de Empreiteiros e outros concorrentes denunciando fraude no concurso que culminou com a sua adjudicação para a construção das estradas Khongolote- Molumbela; Matlemele-Nwamatibjana e Intaka-Boquisso
Apesar de ter recebido reiteradas denúncias e documentos bastantes que sustentam fortes suspeitas de cometimento de crimes de corrupção no referido processo de adjudicação, a Procuradoria-Geral da República continua letárgica na investigação das irregularidades relatadas e condições em que ocorreu o concurso.
Volvidos mais de dois anos, o máximo que a Procuradoria-Geral da República fez, aparentemente, foi notificar, no princípio deste ano, o Ministério de Transportes e Logística para dar o seu parecer a respeito do polémico processo de adjudicação à China Jiangxi Internacional Economic And Technical Cooperation (CJIC).
Em resposta datada de 14 de Fevereiro passado, o Ministério dos Transportes disse que o processo de contratação da CJIC foi regular e não está inquinado de nenhum vício, o que mostra o apadrinhamento institucional que vem sendo denunciado, com fortes suspeitas de práticas de corrupção.
O caso está nas mãos do procurador-geral adjunto, Agostinho Rututo, que a 20 de Fevereiro do ano em curso solicitou a Federação Moçambicana dos Empreiteiros, para apresentar a sua contra-alegação, ao que esta não se fez de rogado, juntando aos seus argumentos, anexos com provas contundentes das irregularidades.
Ministério dos Transportes violou prazo de reclamação sem justificação ou base para o efeito
Segundo o documento interceptado pelo Evidências, a FME entende que ao dar somente dois dias após o anúncio do concurso, o Ministério dos Transportes violou deliberadamente o Prazo para Apresentação das Reclamações, com o intuito de favorecer a CJCI e prejudicar os demais concorrentes. É que resulta claro e cristalino no n.° 2 do artigo 275 do Decreto n° 5/2016 de 8 de Março, que aprova o Regulamento de Contratação de Empreitadas e Obras Publicas, que “As reclamações devem ser apresentadas por escrito no prazo de cinco (5) dias úteis a contar da data da sua notificação, sem pagamento de nenhuma taxa”.
“A princípio, a violação deste prazo podia ser entendida como um mero erro por parte do Ministério, contudo, dado o número de irregularidades neste processo, percebe-se que a redução do prazo tinha como objectivo único impossibilitar que os concorrentes pudessem apresentar as reclamações”, lê-se no documento interceptado pelo Evidências.
Segundo a FME, a tentativa de impossibilitar que os concorrentes apresentassem as suas reclamações ficou ainda mais evidente quando, ao se fazerem presentes ao Ministério para a sua consulta do processo, os membros do Júri os proibiram, em clara violação do n.° 3 do artigo 275 do Decreto n° 5/2016 de 8 de Março, que estabelece que ‘No decurso dos prazos para a reclamação, os concorrentes têm consulta livre do processo administrativo do concurso”.
Contudo, aos concorrentes neste processo, devidamente credenciado para o efeito, não lhes foi permitida consulta livre ao procedimento administrativo do concurso, limitando-os na leitura do Relatório de Avaliação e proibindo a verificação dos documentos de qualificação.
No quadro da acção inspectiva do processo, a FME teve posteriormente os documentos do concurso tendo constatado que, afinal, a relutância em permitir que os documentos fossem consultados foi por tácito reconhecimento de que foram ignoradas várias irregularidades referentes à adjudicação da obra à empresa China Jiangxi International Economic and Technical Cooperation, Co. Ltd.
CJCI nem sequer estava qualificada para executar obras em Moçambique
Durante a verificação dos requisitos de qualificação económico-fiscal, constatou-se que, afinal, a empresa China Jiangxi International Economic and Technical Cooperation, Co. Ltd, não está registada em Moçambique e para forjar legitimidade, submeteu o seu próprio alvará registado na China e da sua sucursal China Jiangxi Cooperation For International Economic And Techinical Cooperation Mozambique, Limitada, sem que, para o efeito, as mesmas estejam a concorrer em regime de consórcio.
O Alvará da empresa China Jiangxi International Economic and Technical Cooperation, Co. Ltd, foi emitido na China pelo Ministério de Habilitações e Desenvolvimento Urbano e Rural da China, e possui o n.° D13060515, e foi emitido a 31 de Janeiro de 2021, com validade até 31 de Dezembro de 2021, sendo o mesmo de nível 2 e 3, sem no entanto existir qualquer prova de equivalência ao Alvará mínimo de 7ª classe exigido para o concurso.
Já o alvará da China Jiangxi Cooperation For International Economic And Techinical Cooperation (Mozambique) – nunca chegou a ser visto nem na China, e a empresa, essa não fazia parte do concurso, pelo facto de as duas não terem concorrido em regime de consórcio.
Como tal, verificou-se inexistência de documento válido emitido pelo Instituto Nacional de
Estatística que comprove que a empresa presta informação regular, facto que consta do Relatório de Avaliação emitido pelo Júri, mas mesmo perante tal irregularidade, sugeriu a adjudicação do concurso a esta empresa.
CJCI fez falsas declarações sobre disponibilidade de equipamentos
Os documentos do concurso exigem a confirmação e disponibilidade de equipamentos essenciais à execução da Obra, com as respectivas provas de posse. A empresa CJCI declarou que os equipamentos constantes na sua lista são próprios e não alugados, contudo, os títulos de propriedade dos referidos equipamentos encontram-se em nome de outras empresas, sendo elas a China Jiangxi Cooperation For International Economic And Techinical Cooperation (Quénia), Limitada e a China Jiangxi Cooperation For International Economic And Techinical Cooperation (Mozambique), Limitada.
Durante a consulta dos documentos, constatou-se que grande parte dos documentos apresentados se referiam a duas empresas, ou seja, apesar de ser a empresa da China a concorrer, sempre que solicitada esta apresentava Alvará; Declaração de não falência; Certidão commercial; Estatutos; Certidão de quitação fiscal e Certidão de INSS da empresa moçambicana.
Diante das reclamações feitas pelos participantes do concurso, o Ministério dos Transportes e Comunicações, na altura, emitiu um despacho mantendo a sua decisão e esclarecendo que a empresa que participara do concurso era a CJCI chinesa e não a CJCI moçambicana.
“Para efeitos, o concorrente em causa é a China Jiangxi International Economic and Technical Cooperation, Co. Ltd, tendo sido os documentos equivalentes desta empresa levados em causa para a análise da proposta de acordo com o nrs. 1 e 2 do artigo 31 do decreto 79/2022 de 30 de Dezembro (…) Na tomada de decisão pelo júri do concurso, foram desconsiderados totalmente os documentos apresentados pela empresa moçambicana (China Jiangxi Cooperation For International Economic And Techinical Cooperation (Mozambique), Limitada), por se entender que a mesma não faz parte do concurso e, apesar de na proposta constarem as duas, foi assumido não se tratar de um consórcio. Somente foram considerados documentos da China Jiangxi International Economic and Technical Cooperation, Co. Ltd”, fez fé.
Contudo, para a surpresa da FME e dos concorrentes, tomou-se conhecimento de que a empresa que tem emitido as facturas dos trabalhos realizados nas obras, assim como tem recebido os pagamentos é a empresa China Jiangxi Cooperation For International Economic And Techinical Cooperation (Mozambique), Limitada, ou seja, aquela que o ministério disse não ter intervenção nenhuma no processo.
Para a FME, não há dúvidas que desde logo o Ministério dos Transportes e Comunicações agiu como defensor dos interesses destas empresas durante o processo de adjudicação, ignorando todas as preocupações levantadas, o que está a ser interpretado como sinais claros de corrupção envolvendo membros do Ministério dos Transportes e Comunicações na adjudicação de obras a empresas que não possuam requisitos de qualificação, e junto disso, branqueamento de capitais.
Bancos emitiram garantias falsas a favor de uma empresa sem existência legal em Moçambique
No âmbito do concurso público, a empresa CJCI apresentou uma Declaração de Capacidade Financeira do banco Standard Bank, onde esta instituição bancária afirma que esta empresa é sua cliente há 16 anos. O Millennium BIM apresentou igualmente uma Garantia Bancária Provisória a favor da CJCI.
A questão que não quer calar é: visto que a empresa China Jiangxi International Economic and Technical Cooperation, Co. Ltd, é uma empresa de nacionalidade chinesa, como é possível que esta tenha conseguido obter uma garantia bancária do Millennium BIM sem estar registada em Moçambique?
Acredita-se que a CJCI tenha ludibriado os bancos, solicitando uma Garantia Bancária Provisória e a Declaração de Capacidade Financeira usando os dados da empresa moçambicana.
Outra violação grave neste processo foi o facto de o Ministério do Transportes ter levado mais de 20 dias para responder às reclamações apresentadas pelos concorrentes lesados, quando a Lei estipula apenas 10 dias.
Os concorrentes não entendem como a CJCI foi aprovada estando documentado que esta não preencheu todos os requisitos do concurso, o que revela um tratamento especial por parte de lobbistas do Ministério dos transportes, quando a Lei determina que “o Concorrente estrangeiro deve atender às normas gerais fixadas no presente regulamento, em legislação específica e nos Documentos de Concurso, mediante apresentação de documentos equivalentes aos exigidos a concorrentes nacionais”.
Na sua resposta às reclamações, o Ministério dos Trsnportes desvalorizou o facto de a empresa ter apresentado menos documentos que os concorrentes nacionais. Igualmente, tentou defender que a empresa apresentou requisitos de qualificação económica, contudo, no acto da consulta ao procedimento administrativo, os membros do júri não foram capazes de apresentar.
O Ministério dos Transportes confirmou o facto de a entidade ter declarado como próprios bens que pertencem a outras empresas, alegando que a Jiangxi International Economic and Technical Cooperation, Co. Ltd, se propôs a mobilizar tais equipamentos em falta por via de uma declaração que não faz anexo à decisão da reclamação, assumindo por isso como sendo inexistente.
Por conta destas e outras irregularidades, com provas fornecidas, a FME insta o Ministério Público a abrir um processo-crime contra o Ministério dos Transportes e o CJCI, para averiguar as irregularidades cometidas durante este processo, e em que termos a empresa China Jiangxi Cooperation For International Economic And Technical Cooperation (Mozambique), Limitada, está a receber valores decorrentes de uma obra que está a ser executada por outra empresa, de Ref n° 352/MOV/PCU/2023 referente aos Concursos Públicos de n.° 13/W/MMAUMP/22, 14/W/MMAUMP/22 e 15/W/MMAUMP/22, relativos às Empreitadas de Construção de
Estradas Intaka – Boquisso, Mathemele Khongolote – N1 (Molumbela), respectivamente.

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