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Moçambique chega aos seus 50 anos de independência em marcha incerta, tropeçando entre esperanças adiadas e promessas que se desgastaram com o tempo. O país vive um momento delicado, cercado por incertezas económicas, tensões sociais e fragilidade institucional. Mas mesmo em meio a esse nevoeiro, há decisões que acendem pequenas luzes no caminho, e merecem ser notadas.
Num cenário global em que os preços dos combustíveis disparam e arrastam consigo o custo de vida, a decisão do Governo de reduzir os custos do combustível no mercado interno ganha contornos quase excepcionais. Não se trata de um simples gesto técnico. É uma medida com alcance profundo, que quebra com o conformismo e desafia lógicas antigas, muitas delas sustentadas por estruturas opacas e interesses organizados que, durante anos, pesaram sobre os ombros da população.
Ao reduzir esses custos mexendo na estrutura de custos num contexto em que na fonte o combustível bruto está a aumentar, Daniel Chapo não apenas contrariou a corrente internacional, como tocou num nervo sensível da economia nacional: o circuito viciado que alimentava cartéis, encarecia a vida e servia poucos. É uma decisão que evidencia que é possível mexer nas entranhas do sistema e desmanchar zonas de conforto em nome do bem comum. Em defesa, diga-se, das massas.
A nossa economia, já de si enfraquecida por crises cíclicas e choques externos, não podia continuar a pagar mais do que deve. Combustível caro significa alimentos mais caros, transportes pesados, serviços sufocados, pequenas economias colapsadas. Baixá-lo é também aliviar o custo de vida, especialmente de quem carrega o peso da sobrevivência no dia-a-dia. É um sinal de liderança que começa por onde mais dói e mais importa.
Mas sinais correctos não vêm apenas da economia. No último domingo (22), Chapo fez algo ainda mais raro: abriu-se à comunicação social, falou com clareza, respondeu a perguntas, permitiu o contraditório. Num país onde o silêncio do poder se tornou regra, e a política vive muitas vezes de monólogos blindados, este gesto carrega uma força simbólica. Há mais de uma década que Moçambique não via um líder a reconhecer, com naturalidade, que prestar contas ao povo é parte do ofício de governar, e não uma concessão ocasional.
Falar ao povo, ouvir perguntas desconfortáveis, acolher o jornalismo como pilar da democracia, tudo isso pode parecer básico, mas é revolucionário num ambiente político marcado pelo distanciamento, pela desconfiança e pela opacidade. Nesse gesto de escuta, há um aceno promissor para uma nova cultura política que o país precisa de urgentemente cultivar.
E há ainda o simbolismo da hora, ou seja, agora. Celebrar os 50 anos de independência com sinais de que é possível corrigir rotas, rever contratos, repensar decisões, mesmo aquelas que por muito tempo pareceram intocáveis. O Governo, ao admitir falhas e confrontar desperdícios históricos como se vê na vontade rever contratos públicos, abre espaço para um modelo de Estado mais responsável, mais racional, mais honesto com o seu povo.
Não se trata de idolatria, mas de reconhecer gestos que indicam a direcção certa. Em meio à crise, qualquer movimento que afirme coragem política e compromisso com o bem comum deve ser valorizado. Moçambique não pode mais viver de intenções. Precisa de decisões concretas, de gestos que enfrentem interesses instalados, de vozes que dêem a cara ao povo.
Reconhecer mérito não é fechar os olhos aos problemas ainda profundos que persistem. É, ao contrário, afirmar que há caminhos a serem trilhados, e que vale a pena segui-los quando apontam para mais transparência, mais justiça económica e mais democracia.
Se a independência é, aos 50 anos, um espelho de maturidade, então este é o tempo de deixar de andar em círculos. Moçambique deve continuar e ampliar, este tipo de escolha corajosa, clara, popular no sentido mais nobre da palavra. Porque é nesta direcção que, enfim, se começa a construir um país digno do povo que o sustenta.

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