Que dizer sobre os 50 anos da independência?

OPINIÃO
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Alexandre Chiure

O meu país completa, a 25 de Junho deste ano, 50 anos da independência nacional do jugo colonial português. Não sei se devo ficar satisfeito com aquilo que é hoje Moçambique ou, pura e simplesmente, preocupado com o estágio em que estamos.

Não sei, senhor, se há motivos para os moçambicanos festejarem a efeméride que não sejam o facto de estarem em vida e a testemunhar que o país regrediu. Aos 50 anos, os outros países passaram a pertencer ao grupo dos mais desenvolvidos. Nós continuamos a debater-nos com problemas básicos.

A administração pública, incluindo os tribunais, assegurada, no passado, por funcionários com apenas a quarta classe do antigo sistema de educação, oferecia serviços com melhor qualidade. Hoje, as instituições públicas têm milhares de quadros, de licenciados a Phd, mas os serviços que prestam são de péssima qualidade.

Em 1975, herdámos do colono todo o tipo de indústria, ligeira e pesada, a exemplo de indústrias metalo-mecânicas. Hoje, não temos nenhuma. As suas instalações foram transformadas em igrejas e armazéns. Tínhamos unidades industriais dos ramos alimentar, calçado e vestuário, embalagens e conserva.

Já tivemos, no país, diversas fábricas. Éramos produtores de calçado, cintos e pastas de qualidade, fogões, vagões vendidos aos Caminhos-de-Ferro de Moçambique e a alguns países vizinhos como Malawi, Zimbabwe os outros. Tínhamos a Fasol, de óleo alimentar, Fosforeira de Moçambique, de fósforos, Lusalite, de chapas de cobertura, grandes fábricas de processamento de castanha de caju que empregavam centenas de pessoas e tantas outras indústrias. Cinquenta anos depois, não existe uma única em funcionamento para contar a história. Tudo foi escangalhado.

O distrito de Chókwè, na província de Gaza, com um regadio de pouco mais de 200 quilómetros, produzia arroz em quantidade grande e abastecia a zona sul sem engenheiros agrónomos. Estudantes de diversas escolas e, mesmo, o presidente Samora Machel, chegaram a participar na ceifa do cereal. Hoje, estamos cheios deles, incluindo extensionistas, e não se produz quase nada.

Alguém vai tentar desmentir esta realidade através de estatísticas oficiais. Vai dizer que o país cresceu, sim, ao longo dos 50 anos da independência. Que os números disponíveis provam isso. Tudo bem. Realmente, olhando para os gráficos, chegaremos a essa conclusão. De que o Moçambique de ontem é diferente do de hoje.

Houve, na verdade, um grande salto em termos de rede escolar e sanitária. Temos mais escolas primárias, secundárias, pré-universitárias, universidades, postos, centros de saúde e hospitais. Ninguém nega isso. Estamos todos juntos nessa.

É óbvio que, comparativamente à era colonial, temos mais enfermeiros e médicos. O número de moçambicanos formados supera de longe o dos que tinham formação superior na altura da independência. Isso está claro. O mesmo pode dizer-se quanto aos professores e aos efectivos escolares. Os ponteiros dispararam.

Mas se há o entendimento de que houve assinaláveis progressos, por exemplo, na educação, porque é que os dirigentes deste país continuam a mandar os seus filhos estudar em colégios ou universidades privadas, europeias e não só?

Se a saúde ganhou robustez, com mais médicos e enfermeiros após a independência, porque é que os governantes e as suas famílias, quando doentes, procuram assistência médica em clínicas privadas ou no estrangeiro, nomeadamente na África do Sul, Portugal, Índia e noutros países e não nos hospitais públicos?

Isso só significa que os próprios governantes, que tentam nos convencer, com os números, de que Moçambique de hoje é melhor em relação ao de há 50 anos, não confiam na qualidade do ensino oferecido pelas escolas públicas. Quando eles recorrem a outras alternativas para cuidarem da sua saúde quer dizer que não encontram o conforto que desejam em termos de qualidade dos serviço nos hospitais públicos.

Que unidades hospitalares temos na verdade? As instalações e o pessoal de saúde estão lá. Os objectivos políticos foram alcançados com a sua abertura, mas são unidades sanitárias sem equipamento para o diagnóstico e tratamento dos doentes, materiais cirúrgicos e medicamentos nas farmácias públicas.

Hospitais que não têm os serviços de Raio X ou porque as máquinas estão avariadas ou porque nunca existiram, isto para não falar de equipamento para tratamentos especializados, a exemplo de radioterapia, em alguns hospitais do país. Começa, ultimamente, a faltar comida para os doentes internados nas diferentes enfermarias.

Quanto à educação, se formos a olhar para as escolas públicas existentes, iremos verificar que parte significativa delas não reúne condições nenhumas para o seu funcionamento. Se fossem privadas, o próprio governo não autorizaria a sua abertura ao público: Estamos a falar de infra-estruturas degradadas, casas de banho rebentas e sem água. Crianças a estudarem sentadas no chão por falta de carteiras, num país produtor e exportador de madeira.

Em última análise, as estatísticas que o governo nos apresenta sobre os 50 anos da independência nacional são bonitas, mas, no terreno, só há lamentações. Falta quase tudo para que o moçambicano tenha uma vida de qualidade.

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