Share this
- Recebeu de forma indevida cerca de 850 mil meticais sem se fazer ao trabalho
- Com compadrio de camaradas, alega-se que as suas ausências são devidamente justificadas
- “Você já fez esta pergunta aos outros partidos com os mesmos casos?” – G. Francisco
- Verónica Macamo e Amélia Muendane tinham suspendido temporariamente o mandato
- Após terminar período permitido por Lei, voltaram para o parlamento por algum tempo
O actual primeiro secretário provincial da Frelimo em Nampula, Gilberto Francisco, está desde Março passado a auferir salário de deputado na Assebleia da República sem nunca lá colocar os pés. Eleito naquele mês como primeiro secretário, Francisco devia, como mandam as regras do seu próprio partido, ter renunciado ao cargo de deputado, o que não aconteceu. Para garantir o seu ordenado, em conluio com os seus camaradas, as suas ausências em plenária, na bancada e nas comissões, são reportadas como sendo por motivos devidamente justificados. Contactado pelo Evidências, Francisco não desmentiu o facto de estar a receber um salário sem estar a trabalhar há mais de três meses. Num tom arrogante questionou ao repórter se tinha feito as mesmas perguntas aos membros de outros partidos que estão na mesma situação.
Evidências
Nos termos dos estatutos e directiva do partido Frelimo, os membros da Frelimo eleitos para cargos executivos dentro da Frelimo não devem, simultaneamente, exercer função pública no Estado. Nesses casos, o membro é obrigado a renunciar a um dos cargos para se dedicar exclusivamente ao outro.
Foi assim, em Abril de 2024, quando Alberto Niquice, após a sua eleição como primeiro secretário do Comité da Frelimo na Cidade de Maputo, renunciou ao seu cargo de deputado da Assembleia da República de Moçambique.
No entanto, a directiva partidária parece não ser aplicável a todos. Gilberto Francisco, eleito em Março passado como primeiro secretário do partido Frelimo em Nampula, não renunciou ao seu mandato e continua a receber mensalmente um chorudo ordenado, mesmo sem nunca colocar os pés na Assembleia da Repúblicas.
Gilberto Francisco, que substitui Luciano de Castro, foi eleito a 24 de Março do ano em curso, numa eleição bastante disputada, a qual exigiu três voltas até que se chegasse ao vencedor. A disputa contou com a participação de Emiliano Maliquela, Osvaldo João Algumassa, Chale Ossufo, Rodrigues Ussene e Rui Jorge.
“Na verdade, nesta eleição quem ganhou não foi Gilberto, mas sim a FRELIMO na província de Nampula. Ao olhar para esta sala, vejo muitas inspirações nos camaradas que já ocuparam a função de primeiros-secretários provinciais e grandes dirigentes do nosso partido e do Estado, especialmente o camarada Luciano André de Castro. Ele sempre destacou que o resultado de hoje é fruto do trabalho de cada um de nós, especialmente dos primeiros-secretários distritais”, afirmou na altura Francisco, após ser eleito primeiro Secretário da FRELIMO em Nampula.
Desde que foi eleito, segundo apurou o Evidências, nunca colocou os pés no parlamento, mas o seu ordenado como deputado cai mensalmente sem nenhum tipo de corte, o que acontece ao arrepio da Lei.
Desde a entrada em vigor da Tabela Salarial Única, o salário de um deputado sem nenhum cargo é de cerca de 197 637 mil Meticais, mais um subsídio de representação de 30% do seu salário, o que equivale a 59,291 Meticais, totalizando 256 928 Meticais. Além do salário, tem direito a um subsídio de renda de casa de 24 545 Meticais e este subsídio aumenta em função do cargo ou função.
Dito isto, desde Março a esta parte, se tivermos em conta que auferiu ilegalmente ordenados durante três meses, Gilberto Francisco recebeu de forma indevida cerca de 850 mil meticais sem se fazer ao trabalho.
Evidências consultou quase todas as resoluções da primeira comissão, de que faz parte, pelo menos no papel, tendo constado que o seu nome consta das mesmas, mas sem assinatura, alegando-se sempre que a sua ausência nas sessões plenárias, de bancada e da comissão de trabalho, é por motivos devidamente justificados, o que mostra claramente que ainda consta da folha de pagamentos de salário do parlamento sem nunca ter colocado os pés.
Gilberto Francisco é do mesmo círculo eleitoral da actual presidente da Assembleia da República, Margarida Talapa, o que tem estado a alimentar teorias conspiratórias sobre uma alegada protecção, num ciclo de troca de favores políticos mutuamente. É por essa razão que, por exemplo, faltas recorrentes daquele primeiro secretário têm sido tratadas como sendo devidamente justificadas, mas sem bastante fundamentação.
Uma constelação de deputados que mantém mandato sem trabalhar
Segundo apurámos, para além de Gilberto Francisco, há muitos outros quadros dirigentes superiores da Frelimo que auferem dinheiro no Estado ilegalmente, acumulando cargos executivos no partido e na função publica ou órgãos de soberania.
Tal como ele, vários outros deputados apesar de terem tomado posse não pisaam o parlamento. Os casos mais sonantes são de Celso Correia, ex-Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural e membro da Comissão Política; Verónica Macamo, antiga Presidente da Assembleia da República e Ministra, e Amélia Muendane, antiga Presidente da Autoridade Tributária e actual PCA dos Aeroportos de Moçambique.
Diferente de Gilberto Grancisco, o trio, que esteve na mó de cima durante o mandato de Filipe Nyusi, não assume um cargo executivo no partido, mas por razões diferenciadas e até desconhecidas não tem tomado os seus lugares no parlamento. Enquanto no caso de Celso Correia e Verónica Macamo não se conhece qualquer razão profissional, no caso de Amélia Muendane é por causa da incompatibilidade com o cargo de PCA, no âmbito da Lei de Probidade Pública.
Logo após tomar posse, Celso Correia vem se ausentando das sessões de forma recorrente alegando questões de saúde, enquanto Amélia Muendane e Verónica Macamo solicitaram a suspensão temporária de mandato, e porque a suspensão temporária tem duração de três meses, aproveitando-se do interregno das sessões plenárias, voltaram agora, acautelando que não irão dar nas vistas neste regresso rápido. Estão, em teoria, nas províncias a trabalhar, mas, de fontes parlamentares, Evidências apurou que é apenas estratégia para permitir que sejam novamente elegíveis para a suspensão temporária do mandato.
“Você já fez esta pergunta aos outros partidos com os mesmos casos?”
Evidências entrou em contacto com o actual primeiro secretário da Frelimo em Nampula, Gilberto Francisco, o qual não desmintiu o facto de estar a receber salário sem trabalhar e nem quis entrar em detalhes sobre as razões de não ter até agora renunciado ao mandato, apesar das directivas do seu partido assim orientarem.
“Você já fez esta pergunta aos outros partidos com os mesmos casos, ou só está a ver porque nós somos da Frelimo?”, indagou Francisco, para depois rematar que “não é o caso meu só. Isso não pode ser agenda para um jornal. Um dia, com mais vagar, vou responder, agora estou reunido”.
Questionado se tinha previsão de quando é que teria realmente disponibilidade, respondeu que “estava a trabalhar. Não posso parar para fazer uma entrevista por um assunto que não é necessário. Essa não é uma notícia para o público, é uma notícia para si e para a pessoa que o mandou (..) Respondo no dia em que eu estiver disponível.”.

Facebook Comments