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Alexandre Chiure
A Procuradoria-Geral da República decidiu organizar uma conferência nacional para debater a corrupção no país com a participação de membros do Governo, especialistas e membros da sociedade civil. Discutir o óbvio. Diagnosticar o que todos já sabemos. Foi mais um seminário entre tantos a abordarem o assunto. Os discursos ou intervenções apresentados juntaram-se a tantos outros feitos em ocasiões anteriores que não lograram sequer beliscar ou, no mínimo, espantar a corrupção.
Moçambique está, desde 2023 a esta parte, na posição número 146, com 25 pontos, no índice de percepção da corrupção, de um total de 180 países avaliados em parte porque os que deviam assumir a vanguarda na luta contra o mal ficaram a assistir ao barco a passar. Uma das figuras que se destacaram pela sua frontalidade na conferência foi o antigo PGR, Augusto Paulino. Disse que se Moçambique fosse uma empresa, poderíamos colocar um letreiro com a inscrição “encerrado para o balanço por 30 dias”.
Trouxe uma narrativa que não é novidade para ninguém. Que filhos de gestores públicos, a vários níveis, esbanjam avultadas somas de dinheiro em restaurantes, com amigos de ocasião. Fulanos que nunca trabalharam e nem tencionam o fazer. Isso é de domínio público.
Não é, igualmente, surpresa para ninguém que esses mesmos jovens circulam em viaturas de alta cilindrada. Segundo o juiz Paulino, ostentam o luxo, numa zombaria de jovens da sua idade, com formação académica e credenciados, que passam a vida a distribuir currículos vitae sem sucesso.
Tudo o que disse é pura verdade. As coisas que narrou não são de hoje. Têm barbas brancas. Vêm desde os seus tempos de governação na PGR. Ele falou com experiência própria. A pergunta que não quer calar é: o que é que o Juiz Augusto Paulino fez, como Procurador-Geral da República, para acabar com a corrupção em Moçambique?
Que eu saiba, nada aconteceu, tanto com os filhinhos de papá, como com os seus próprios país. A sociedade de hoje, cúmplice, é aquela que, diferentemente dos tempos do presidente Samora Machel, em que alguém podia ter problemas por possuir um saco de arroz em casa, não questiona nada. Transmite falsos valores aos mais novos. As crianças crescem a saber que para se estar bem no país é preciso entrar em esquemas de corrupção seguro de que nada lhes vai acontecer dada a impunidade que se verifica no país. Como bem disse Augusto Paulino, quando os grandes se corrompem, os pequenos seguem-lhes.
Foi nos tempos do procurador Augusto Paulino que se ergueram mansões em alguns bairros de expansão da Matola e não só, pertencentes a alguns servidores públicos, cujos rendimentos não correspondem aos bens que possuem. Contrariamente ao que se podia esperar, a Procuradoria-Geral da República sob a sua direcção não mexeu nenhuma palha. Não há histórico de investigação de casos similares para saber qual é a origem dos fundos com que construíram as luxuosas casas.
Nos seus tempos, de nada vimos arranha-céus a serem construídos no país, sobretudo em algumas zonas da cidade de Maputo, com fortes suspeitas de branqueamento de capitais. O que parecia chamar atenção às autoridades para a investigação, o facto foi visto com normalidade por parte da PGR de Augusto Paulino.
Ninguém se deu ao luxo de averiguar o que quer que seja. Houve, igualmente, um boom de parques de venda de viaturas em segunda mão, espalhados por tudo o que é canto da cidade de Maputo e arredores. As minhas suspeitas confirmaram-se em 2024. Alguns dos parques, de repente, foram mandados encerrar pelas autoridades judiciárias na sequência da investigação de casos de lavagem de dinheiro desencadeada na capital do país.
Moçambique viu-se forçado a ir atrás do prejuizo depois de entrar na lista cinzenta do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI), a 22 de Outubro de 2022, como um país com alto risco de ocorrência de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. Antes, estava tudo tranquilo. O país passou a ser visto como aquele que apresenta deficiências estratégicas nas estruturas de combate à lavagem de dinheiro e, por isso, não confiável a nível internacional, em particular pelos investidores estrangeiros.
Só para ver que quando o governo está interessado numa coisa, faz. Se necessário, move terras e céus para atingir os objectivos pretendidos. Encerrou parques de venda de viaturas. Mandou prender 40 pessoas, entre moçambicanos e estrangeiros, em Maputo, Matola, Nampula e Nacala e 15 empresas constituídas arguidas. Em 2024, a comissão constituída para trabalhar no resgate da reputação do país anunciou que já tinham sido cumpridas 26 acções do plano de GAFI e requereu que fosse removido da lista.
Para dizer, no fundo, que, com todo o respeito que tenho por ele, o Juiz Augusto Paulino não tem a legitimidade de criticar o estágio da corrupção em que o país se encontra, pois, quando podia, nada fez para acabar com o fenómeno. Preferiu assistir ao barco a passar. Quando Procurador-Geral da República, teve instrumentos legais e o poder nas mãos para fazer o que fosse necessário no combate à corrupção, ao enriquecimento ilícito de funcionários ou gestores públicos e ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. O melhor era ter ficado calado e mais nada.
Outra coisa: Não é de seminários ou conferências que Moçambique precisa combater a corrupção, pois ela sempre sobreviveu a discursos políticos de ocasião. Nós já sabemos quais são os contornos da corrupção e os prejuízos que causa à economia nacional. É de acções que queremos. De estratégias. Da mão dura do Governo. Numa casa onde não há ordem e responsabilização, não há disciplina. Vamos trabalhar!



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