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- Moçambique contrata consultora norte-americana para plano de reestruturação da dívida
O Governo reagiu à crescente crise de sustentabilidade da dívida pública com a contratação da consultora norte-americana Alvarez & Marçal. A medida, aprovada por ajuste directo através da Resolução 34/2025 de 22 de Outubro, visa garantir assistência técnica especializada na elaboração do novo plano de reestruturação da dívida e na formulação da Estratégia da Dívida Pública para o período de 2026 a 2029.
Luisa Muhambe
A escolha recaiu sobre a Alvarez & Marçal, uma empresa com sede em Nova Iorque e reconhecida internacionalmente pelo seu histórico na recuperação de instituições financeiras e empresariais complexas, incluindo a sua participação em casos de grande repercussão global como o do Lehman Brothers.
A contratação surge como uma resposta directa à trajectória preocupante do endividamento nacional, que exige uma consolidação fiscal urgente a curto e médio prazo.
A decisão do Executivo foi precedida por um alerta claro e contundente do governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela. Após a reunião bimestral do Comité de Política Monetária, Zandamela sublinhou que o endividamento do Estado não pode continuar a crescer, frisando que a expansão da dívida interna não pode ser infinita e que o seu crescimento descontrolado poderá atingir níveis de insustentabilidade e causar problemas à economia nacional.
“A dívida não pode crescer. Eu sei, tenho a certeza, que o Governo está a fazer tudo o que é possível para conter esta dívida a níveis razoáveis, para que não crie problemas à economia. Porque se continuar a crescer, ao ponto de atingir níveis preocupantes de insustentabilidade, poderá causar problemas”, declarou Zandamela após a reunião bimestral do Comité de Política Monetária.
Os dados financeiros actuais confirmam essa preocupação. A dívida pública total atingia o valor recorde de 14,4 mil milhões de dólares até 30 de Junho. No plano interno, a pressão é igualmente grave: a dívida interna é actualmente estimada em 454,4 mil milhões de meticais (6,1 mil milhões de dólares), representando um aumento de 38,8 mil milhões de meticais face a Dezembro de 2024.
A intervenção da consultora norte-americana visa, portanto, ajudar o Governo a desenhar um plano que equilibre as contas, sem, contudo, descurar o investimento necessário à dinamização económica.
O secretário de Estado do Tesouro e Orçamento defendeu, a 26 de Setembro, que o esforço de consolidação não pode “descurar a necessidade de criar condições do ponto de vista da alocação de recursos para investimento, para permitir que a economia continue a crescer,” afirmou.
Orçamento recorde de 2026: Mais despesa, menos investimento
O desafio da dívida é agravado pela projecção orçamental para 2026. A proposta do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) 2026, aprovada pelo Conselho de Ministros, prevê um aumento de 4,5% na despesa pública, elevando o montante total para um novo recorde orçamental de 535,6 mil milhões de meticais (8,7 mil milhões de dólares).
Esta projecção de despesa, que representa 32,3% do Produto Interno Bruto (PIB), contrasta com a previsão de receitas de apenas 421,9 mil milhões de meticais (6,8 mil milhões de dólares), o equivalente a 25,5% do PIB. Essa diferença realça a contínua dependência do financiamento externo.
A análise da alocação de recursos demonstra a rigidez estrutural das contas públicas: A maior fatia, cerca de 70% do orçamento, será canalizada para o funcionamento do Estado, impulsionada principalmente pelo aumento da massa salarial, atingindo 370,2 mil milhões de meticais (6 mil milhões de dólares). Apenas 20% do orçamento será destinado a investimentos públicos, um montante de 107,5 mil milhões de meticais (1,7 mil milhões de dólares). Embora este seja um valor recorde em termos absolutos, a sua proporção face à despesa total continua limitada perante as necessidades do País. Já para serviço da dívida (Operações Financeiras), prevê-se uma ligeira redução, passando de 62,7 mil milhões de meticais em 2025 para 57,8 mil milhões de meticais em 2026.
Apesar dos esforços de controlo da folha salarial e estabilização dos encargos da dívida, o Ministério das Finanças alerta para as pressões persistentes sobre o orçamento, destacando que os encargos com pessoal absorveram 52% da despesa no segundo trimestre de 2025, e que os encargos com a dívida cresceram 25% em termos homólogos. O Executivo prevê um défice fiscal superior a 6% do PIB para 2026, o que reforça a urgência de um rigor fiscal acrescido e da definição clara de prioridades orçamentais.



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