Não há dúvidas que os mais pobres são os primeiros a serem crucificados por aqui. As instituições orientadas pelo Estado desalinham-se, em momentos de crise, do discurso do Governo quando este fala de solidariedade, unidade, integração e outros apelos altruístas. É que, às escondidas, as orientações são de cumprimentos de metas não se importando com os meios para justificar fins alcançáveis só nos números.
Não é por lapso que aquando do disparo do custo de vida devido ao abandono dos parceiros do Orçamento do Estado, medida precipitada pelas dívidas odiosas, os primeiros serviços a sofrerem reajustes foram do Estado. Os combustíveis e pão tiveram um corte relâmpago de subsídios do Governo, enquanto a luz e água ficavam mais caros e “inovações” alfandegárias introduzidas foram a face mais visível da procura obsessiva pelo dinheiro para cobrir a despesa pública, um défice assumido, mas que foram evocados argumentos da conjuntura internacional. Que conjuntura internacional? Era apenas pânico central de uma administração que estava sedenta em cobrir a sua despesa!
O mesmo veio verificar-se com a Covid-19. Milhares de pessoas perderam emprego, mas as instituições do Estado agarraram-se em paradigmas diametralmente opostos e logicamente antagónicos, ao congelar o salário mínimo, enquanto o custo de vida aumentava, sem dó nem piedade, os dirigentes, acolitados por partidos políticos, servem aos interesses estomacais. Alinha-se a esta postura, o Banco Central, que, destorcendo sua vocação de regulador, introduziu uns caros 500 milhões às empresas em nome de ajuda com uma taxa igual ou superior aos empréstimos comuns na banca comercial. Até hoje não se entende como uma linha de apoio pode ser igual ou mais cara que um empréstimo; há que se entender a lógica do Xerife!
E agora das alfândegas nos chegam informações de que as doações são tributadas. Ou seja, quem quer dar ajuda aos necessitados tem que dar uma gorjeta formal ao Governo. Será isto extensão de corrupção, dolo, negligência ou simples desconhecimento do pessoal alfandegário de que produtos que não são para fins comerciais estão isentos desse roubo? Está no código tributário deles. Quanto mais para os nossos irmãos que já experimentaram todo o tipo de sofrimento! Não se pode pensar que isto é por chantagem às ONG, seria o cúmulo de baixaria das instituições que intervêm nesses processos.
É que em meio às necessidades pontuais, em que muitas empresas, Governos e singulares atendem o chamamento para abrandar o sofrimento gerado pelo terrorismo a milhares de famílias em Cabo Delgado, tentam doar bens e serviços para estes, não faz sentido a falta de um auxílio flexível por parte das autoridades.
Não faz sentido ainda o argumento de que para se verem isentos de direitos aduaneiros devem canalizar os produtos directamente ao INGD. O Governo precisa acarinhar a boa vontade dos doadores e não impor credibilidade às suas instituições, mas conquistar através de uma gestão transparente e responsável.
E, às vezes, a falta dessa entrega de produtos ao INGD não tem que ver com confiança, mas talvez por simples facto de que as instituições que estão a doar o fazem por motivações de marketing, ou para disfarçar a face mais nociva do capitalismo. É certo que o Estado, em crise e sem recursos, não pode abrir mão dessas iniciativas em nome de formalismos com fim único de extorquir.
E, porque estas instituições sabem que estão erradas, estas orientações de que devem encaminhar produtos ao INGD são verbais e não formalizadas.
Seja qual foi o argumento do INGD, neste acordo absurdo com AT, nada justifica que se tributa a migalha que se doa e o tributo repercute no mais carente, em um momento de necessidades. Deveria pesar a consciência de quem dirige aquele órgão tributar a tragédia, sofrimento, afinal, trata-se de uma contradição causada por uma interpretação mais formalista e estéril. Estamos num momento de emergência em Cabo Delgado, em que todos os estéreis formalismos, em respeito à gravidade da situação, devem flexibilizar todas as acções que prestigiam a solidariedade humana e as instituições devem favorecer a união e a integração social. Não a tributação das doações!
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