A urgência abafada pelo ensaio ditatorial

EDITORIAL

Não está a ganhar corro a ideia de um terceiro mandato. Parece um alarido atribuído a lunáticos, que não granjeia o mínimo de atenção. Os propagandistas do “Novo Homem”, tradução literal de New Man, tentaram forçar o debate antes do Comité Central, mas infelizmente, o povo que já assistiu toda a sorte de desgraças ignorou, acreditando ser ideia de uns maníacos habituados a meterem-se em tudo para mostrar trabalho ao chefe do Planalto.

Do rescaldo do Comité Central, dissemos em primeira mão neste jornal que houve quem tentou lançar o debate no comité central, o que gelou os membros daquele órgão que, indiferentes, perdoaram a camarada e fingiram que nada foi dito.

Foi um silêncio gritante que devia ter clarificado aos ilustres propagandistas, não tem espaço para passar, até porque não depende somente de Filipe Nyusi e sua ala, mas, sim, do crivo dos camaradas e no fim último dos deputados da Assembleia da República, quais representantes de todos nós, que teriam que anuir uma revisão Ad hoc da nossa Lei Mãe. É tanta fadiga que já não se finge a indiferença ao desnorte do Índico, optando-se por confiar o tempo, ao tempo. E as más interpretações, vão confundindo o silêncio com o consentimento. Não é!

A proposta volta a ganhar forças numa altura em que o Presidente da República tem à sua disposição toda a experiência do seu novo amigo, Paul Kagame, conhecido por não medir esforços para mandar editar o texto da Constituição para ganhar mais algum tempo no poder, enquanto persegue adversários políticos.

Mas por que é preciso apurar a percepção pública, enquanto se colhe estratégias do controlo das massas junto da experiente de Ruanda, com um governo com tendência ditatorial. Trata-se de um aprendizado acompanhado de ofertas. Como tal, mais cães de guerra foram soltos para propagar o ensaio, que não deriva necessariamente de ambição, mas da busca desesperada da imunidade, devido aos fantasmas de Londres.

Em última instância, a pretensa ideia de revisão constitucional não passa de uma estratégia de distracção, claramente com um claro objectivo de desvio de foco, não só sobre a “intimação” de Londres, mas também sobre o que é efectivamente pontual, que é a crise em Cabo Delgado.

A existência dessas narrativas, que coincidem com o ensaio prático de se ser cúmplice de regimes ditatórias, é em si um retrato que evidencia uma busca desesperada de salvaguarda de um futuro que se mostra tempestuoso, um contraste quando no presente se nega qualquer ameaça que venha dos velhos amigos libaneses.

Formalmente, o debate devia ser Cabo Delgado e não esses assuntos extemporâneos que são estrategicamente colocados para confundir-nos o foco, e serem usados, no futuro, os mesmos desafios de hoje, para viabilizar as ambições políticas de amanhã. E é a resposta de hoje que irá determinar a implementação dessas ambições amanhã.

É que, apesar de pontualidade que o assunto exige, o avanço para uma reposta à altura dos desafios de Cabo Delgado é lento. Falhamos na garantia de segurança e falhamos na resposta às vítimas do terrorismo. Da ajuda e experiência ruandesa tudo que parece ter avançado é a entrega extralegal dos procurados pelo regime de Kigali.

Os anúncios de canalização de fundos que vão sendo feitos para responder à crise humanitária no norte do país, apesar de serem volumosos em números, não abrandam os relatos de falta de alimentação. As iniciativas que ornam os discursos do executivo perdem-se na exposição, ficando apenas evidente o abandono nos centros do acolhimento de deslocados que perderam esperança num governo (In)capaz de criar condições para garantir segurança dos seus, uma questão de vontade, precipitando-se, por vezes, num discurso do retorno às casas destruídas. Aliás, já tinha até avançado os valores para reconstrução de Palma, falava-se de algo como sete bilhões de meticais. E tudo ficou ali, na tal Task Force, quando a vila continuava devastada.

Enquanto se reclama fome e condições mínimas para se reiniciar a vida, a urgência vai ser alongada pela ambiguidade naquilo que efectivamos queremos em Cabo Delgado. E confundimos por isso a SADC. Hoje, já não se sabe qual é o assunto pontual no país. Terceiro mandato? Crise humanitária? DDR? Terrorismo?

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