- Candidato único para SG da ACLIN foi o menos votado
- Samora Machel Jr. esteve em frente de Fernando Faustino, mas não apresentou candidatura para SG
- Ensaios internos tentam evitar que o controlo dos órgãos do partido caia em mãos erradas
O secretário-geral (SG) da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLLN), Fernando Faustino, candidato único e reeleito na semana passada para o terceiro mandato, não lidera, afinal, a preferência no órgão que dirige. Os resultados da votação dos membros do Secretariado do Comité Nacional, que antecedeu a eleição do SG, não deixam de ser surpreendentes. Na lista dos homens, Samora Machel Jr, com 100 por cento dos votos, suplantou Faustino, que quedou-se em segundo lugar, seguido de João Américo Mpfumo, sugerindo que a imposição de uma candidatura única buscava evitar que o órgão fosse dirigido por pessoas que não sejam de ala de Filipe Nyusi. Nas mulheres, a votação colocou Maria da Luz Guebuza com 100 por cento dos votos, Graça Machel com 98%, enquanto Teresa Veloso e Nyeleti Mondlane aparecem logo a seguir.
Nelson Mucandze
Embora o grupo que detém o poder no partido tudo faz para moldar o partido em função dos seus interesses, os resultados das últimas eleições dos membros do Conselho Nacional da ACLIN são um indicador curioso que revela o quão as famílias Machel e Guebuza continuam sendo preferência no seio dos combatentes, o que de certa forma é ameaça a ala Nyusi, que tem ambições que não colhem consenso dentro da cinquentenária Frelimo.
Apesar de ter sido o único candidato à sua própria sucessão, os resultados da votação que antecedeu a eleição do secretário-geral, no final da VI Conferência Nacional, mostram que Samora Machel Júnior em masculinos teve mais preferência de eleitores em relação a Fernando Faustino.
Nos homens, esteve em frente Samora Machel Jr, com 100 por cento dos votos, e Faustino vinha em segundo lugar com pouco mais de 90%, seguido por João Américo Mpfumo. Já nas mulheres, Maria da Luz Guebuza, antiga primeira-dama e esposa de Armando Guebuza, conseguiu 100 por cento dos votos, seguida de Graça Machel, com 98, e Teresa Veloso/ Nyeleti Mondlane coladas logo a seguir.
Com os números a mostrarem uma tendência que não alinha com a ala Nyusi, rasgando o discurso de “não basta você se querer, nós temos que te querer”, Fernando Faustino só escapou na ACLIN porque Samora Machel Júnior não se candidatou, tendo aquele veterano tido como próximo a Nyusi, seguido como único candidato a sua própria sucessão, acabando por ser eleito para um terceiro mandato.
A estratégia de avançar com candidaturas únicas, que tem sido imposta pela ala Nyusi, é vista como uma forma de evitar que o poder nos órgãos sociais do partido caía em mãos “erradas” e embarace a estratégia de um provável terceiro mandato.
Samora Machel Jr. é o único que já desafiou Nyusi publicamente
A popularidade de Samora Machel Jr, tratado por Samito nos círculos mais próximos, não deixa de ser surpreendente, sobretudo depois de ter confrontado publicamente o presidente da Frelimo, Filipe Nyusi, tendo inclusive enfrentado uma acusação no Comité de Verificação, que, no entanto, acabou sendo arquivada quando tudo indicava que seria expulso do partido ou pudesse enfrentar uma punição severa.
Não é o único da família que em público já lançou críticas ao Executivo da Frelimo. Graça Machel tem lançado críticas frontais ao executivo do Presidente da Frelimo, mas neste momento, embora não seja de muita exposição, Samito é tido como sendo um opositor da ala Nyusi e provável candidato à sucessão.
Samito já chegou a acusar Nyusi e o secretário-geral do partido, Roque Silva, de desrespeitar normas do partido, tendo sugerido, inclusive, um processo disciplinar contra os dois líderes da Frelimo.
“Deve ser instaurado um processo disciplinar ao camarada presidente [Filipe Nyusi] e ao secretário-geral [Roque Silva] por desrespeito aos mais elementares valores da Frelimo”, disse em resposta a uma nota de culpa do Comité de Verificação, dirigida por Raimundo Diomba.
Outra grande surpresa é a popularidade de Maria da Luz Guebuza entre os camaradas. A família Guebzua, em guerra declarada com ala Nyusi, acusando este último de perseguição e tentativa de assassinato.
“O regime de Filipe Jacinto Nyusi, desde que entrou no poder a primeira coisa que aconteceu nas nossas vidas foi a morte da minha irmã [Valentina Guebuza, morta a tiro pelo próprio marido, Zófimo Muiuane, a 14 de Dezembro de 2014, em Maputo], a segunda foi a tentativa de envenenamento, mas que falhou, e a terceira coisa foi: eu fui preso”, disse Ndambi Guebuza, denunciando uma tentativa de envenenamento da família, com fosfato num pudim servido como sobremesa numa refeição dos Guebuza.
Ainda falando em sua defesa, no julgamento das dívidas ocultas, onde é acusado de ter recebido um suborno de 33 milhões de dólares, o filho de antigo Chefe do Estado, Armando Guebuza, prosseguiu que “depois temos, também, a situação do Dr. [Alexandre] Chivale [advogado], em que houve tentativa de assassinato. Então, tudo isso é para atingir o meu pai [Armando Guebuza], meritíssimo. Querem atingir a nossa família a todo custo”.
As imposições para candidaturas únicas consolidam o poder de Nyusi, ao mesmo tempo que evitam que o poder caia em seus opositores internos, num ano que se realiza o Congresso do Partido, onde se espera que seja indicado o sucessor de Filipe Nyusi, o que até aqui se mostrou pouco provável de acontecer.
O ensaio da continuidade
Foi a repetição do que aconteceu em Março, quando Mariazinha Niquice, SG da OMM, concorreu sozinha à sua própria sucessão, acabando por ganhar com números coreanos, ou seja, 100 por cento. Esta situação gera alguma estranheza dentro do próprio partido Frelimo, que denuncia cada vez mais um afunilamento do espaço de debate e da democracia interna.
“Parece que estamos num ano de candidaturas únicas. A OMM foi candidatura única, a ACLIN é candidatura única, a OJM até tentaram alargar a idade para continuarem. Nas províncias também temos assistido a febre de candidaturas únicas, e cuidado também chegarmos ao Congresso com candidaturas únicas e de renovação. É complicado. Temos de dar espaço aos outros para se expressarem. Tem havido uma concertação estranha que coloca em causa a própria democracia interna. Assim, daremos razão a quem diz que o nosso líder pisca para um lado e vira para o outro”, denunciou um dos membros do partido, desconfiando que a ala Nyusi esteja a arquitectar um plano para continuar a controlar o partido a partir da liderança dos órgãos sociais.
Segundo as nossas fontes, o controlo e intimidação começa desde a base ao topo e o trabalho é feito de tal forma que dificilmente quem não está alinhado se sinta confortável para avançar.
Refira-se que participaram 144 membros, incluindo presidentes honorários e convidados, sendo a destacar as presenças de Celso Correia, ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, e Carlos Mesquita, ministro das Obras Públicas e Habitação, que fazem parte do núcleo duro de Filipe Nyusi e sobre quem gravita a estratégia de sucessão.
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