Há planos para adiar leitura da sentença do caso das dívidas ocultas para depois do Congresso da Frelimo

DESTAQUE POLÍTICA
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  • Ala Nyusi tenta fugir de dossier fracturante
  • A ideia é evitar chegar ao XII Congresso com feridas, num julgamento político

O juiz do caso das dívidas ocultas em Moçambique marcou para 01 de Agosto do presente ano a leitura da sentença que decidirá o futuro dos 19 arguidos implicados no escândalo de mais de 2.2 mil milhões de dólares, que levou um dos países mais pobres do mundo a uma crise profunda. No entanto, decorre neste momento um trabalho de bastidores, liderado pela ala de Filipe Nyusi, que neste momento detém o poder no partido Frelimo, visando o adiamento da data para depois do Congresso do partido, que terá lugar em Setembro próximo.

Reginaldo Tchambule

Com o filho do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, e parte dos seus antigos colaboradores mais próximos na Presidência da República e na secreta entre os arguidos do caso das dívidas ocultas, a Frelimo tenta evitar chegar ao XII Congresso com feridas frescas recém-abertas, num julgamento que desde o início é tido como sendo político.

Há concertações, neste momento, dentro da ala que detém o poder e que montou o julgamento das dívidas ocultas à medida, para evitar que Filipe Nyusi e o partido Frelimo, que receberam parte dos subornos, fossem levados ao tribunal, para arrastar a sentença para depois do Congresso.

A relação entre o actual Presidente da República, Filipe Nyusi, e Armando Guebuza está cada vez mais deteriorada e, recentemente, o filho deste último, Armando Ndambi Guebuza, voltou a referir-se a uma suposta perseguição movida por FN a seu pai, tendo reiterado que é um julgamento visa atingir a sua família a “todo o custo”, e que “eles (a ala de Nyusi) mudaram o Código Penal para mantê-lo preso”.

Na ocasião, enumerou episódios que, no seu entender, justificam a dita perseguição. Falou do assassinato da sua irmã, Valentina Guebuza, da suposta tentativa de envenenamento da sua família com um pudim, da sua detenção até desaguar na tentativa de assassinato do seu advogado Alexandre Chivale.

Sendo certa a condenação de quase todos os arguidos com conexão a AG, a ala de Filipe Nyusi tenta a todo custo evitar que a sentença seja lida antes do Congresso, para chegar a aquele que é o mais importante encontro do partido com as cartas abertas e impedir que a reunião seja marcada por uma agenda fracturante.

Esta não é a primeira vez que a ala de Filipe Nyusi evita um dossier fracturante nas vésperas de um evento bastante importante do partido. Em 2019, após FN ter sido confrontado por Samora Machel Júnior com uma carta em que encorajava a sua demissão e o acusava de ser estar a desvirtuar os valores do partido, a Frelimo adiou sucessivamente realização do Comité Central, que só aconteceu em Dezembro daquele ano.

A conduta de SMJ chegou a ser investigada pelo Comité de Verificação, mas o assunto foi depois arquivado e desde lá já não se fala do assunto, apesar de a relação entre FN e a família Machel estar longe de estar normalizada.

No caso das dívidas ocultas, as detenções que viriam a levar ao julgamento, que até agora incide sobre peixe miúdo, desde o início foram vistas como tendo motivações políticas, primeiro para tentar evitar a extradição de Manuel Chang para os Estados Unidos da América e depois para lutas políticas internas no partido Frelimo, incluindo as eleições gerais, antes da situação sair fora do controlo.

Tribunal já dentro do esquema

Recentemente, à margem das audições de arresto de bens em curso, o próprio juiz do caso, Efigénio Baptista, muitas vezes acusado de estar a favorecer Filipe Nyusi, acabou dando a entender a possibilidade de adiar a leitura da sentença, alegando sobrecarga de trabalho relacionado com despachos em torno deste processo.

Igualmente, o juiz apontou que decisões às diferentes petições submetidas pelo Ministério Público e os advogados dos réus devem ser tomadas antes de elaborar a sentença, até porque precisará ler e decidir sobre vários requerimentos submetidos, bem como as cerca de 30 mil páginas que compõem o processo, sendo que parte do material foi juntado ao processo durante os sete meses do julgamento.

O juiz não indicou uma provável data em caso de adiamento, mas prometeu dar o máximo para que a sentença possa sair o mais rápido possível para que os réus possam conhecer o seu destino.

Nalguns corredores dentro da Frelimo, este novo posicionamento do juiz é encarado como sendo parte desta estratégia da ala Filipe Nyusi para que o Congresso não se transforme em mais um campo de batalha. Neste momento, o grupo de FN, que detém o poder, procura legitimidade para continuar no controlo, numa altura em que não é posta de lado a possibilidade de um terceiro mandato, ou a eleição de um fantoche.

Contrariamente a uma primeira indicação, o XII Congresso do partido já não vai discutir sobre a sucessão de FN, mas vai eleger os membros do Comité Central, órgão deliberativo mais importante da Frelimo, no período entre congressos, a quem caberá escolher o próximo candidato do partido, provavelmente no próximo ano.

Vai daí que, neste momento, o grupo de Filipe Nyusi está a fazer de tudo para colocar na liderança dos órgãos sociais do partido pessoas leais a si a todos os níveis, para garantir o controlo do próximo Comité Central. Neste momento, a ala dominante controla a Organização da Mulher Moçambicana (OMM) e a Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLIN).

No próximo mês, vai ser a vez de eleições na Organização da Juventude Moçambicana (OJM), numa altura em que estão a ser ensaiados vários cenários, dentre os quais o alargamento da idade dos membros, dos actuais 35 para 45 anos, para manter a lealdade actual ou renovar o braço juvenil do partido com jovens também leais. Esta segunda opção parece a que está mais perto de vincar. Recentemente, o secretário-geral insurgiu-se contra a idade dos membros, deixando assim escapar a estratégia. Roque Silva é apontado como próximo de Filipe Nyusi e parte fundamental no “martelanço” em curso a todos os níveis para a ala Maconde continuar no poder.

Neste momento, decorrem ao nível das províncias e distritos do país eleições dos secretários da OJM a nível local, que serão fundamentais para a continuidade da ala Nyusi no poder. Há mais de uma semana, jovens da OJM tomaram a sede do Comité Distrital de Moatize, na província de Tete, na sequência da destituição da secretária-geral da OJM naquele ponto do país que havia sido eleita em Dezembro.

No último Sábado, a polícia teve que recorrer à gás lacrimogéneo para dispersar os membros que se amotinaram e protestaram de fronte a uma escola onde estava a decorrer a eleição do novo secretário da organização em Moatize. Acredita-se que a jovem destituída em menos de quatro meses após a eleição era da ala Guebuza e podia baralhar a estratégia da ala que pretende continuar a controlar o partido.

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