Momed Valá diz que falta de vias de acesso e deficiente transporte dificultam competitividade

DESTAQUE SOCIEDADE
  • Milho produzido no país chega a ser mais caro que o sul-africano
  • “Precisamos de melhorar algumas condições que não tem nada a ver com a produção”
  • “O trigo vai subir, mas temos que ser resilientes”

Foi lançada no dia 20 de Abril a Campanha de Comercialização Agrícola, à escala nacional, que resulta da safra 2021-2022. Segundo dados tornados públicos pelo Executivo, o país prevê comercializar cerca de 17 milhões de toneladas de produtos diversos, com destaque para os cereais, tubérculos e leguminosas. Entretanto, apesar dos resultados animadores, o mercado nacional, sobretudo o de cereais, continua fortemente influenciado pelos factores externos, enquanto a nível interno se ressoa um discurso que sugere a produção de cereais em grande escala. Numa entrevista exclusiva ao Evidências, o director-geral do Instituto de Cereais de Moçambique (ICM), Momed Valá, alerta que o trigo vai subir, mas anota que diferente de Maputo e outras cidades, grande parte da população não se vai ressentir, pois vive de produtos originais que tira da sua machamba. Nas entrelinhas, defende que o país não se pode dar por satisfeito por ser meramente exportador de matérias-primas para indústrias de outros países. Acompanhe, a seguir, os excertos mais importantes.

Duarte Sitoe

Evidências – Nos últimos meses tem soado alarmes sobre uma possível escassez de cereais e outros produtos a nível nacional. Qual é o nível de stock que o país dispõe?

Momed Valá – Em termos de stock, nesta altura, o que se pode dizer é que nós estamos a começar as colheitas. Testemunhei, recentemente, em Milange e vi muitos produtores já a venderem a sua produção, obviamente que é a primeira época do milho já seco, mas estima-se que do ano passado para cá estamos à vontade, com cerca de 300 e 400 mil toneladas de milho do ano passado para ser comercializado. É a quantidade que está a suportar a capacidade do milho da indústria neste período, enquanto não sai o milho desta campanha agrícola. A única preocupação é o preço que tende a diminuir. Os preços não são animadores em Janeiro e Fevereiro, que é o período que sobe para entre os 18 e 22 meticais o quilo, mas manteve-se constante na ordem dos 12 meticais em média.

A economia moçambicana já começou a se ressentir dos efeitos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Até que ponto este conflito pode impactar o mercado nacional de cereais?

Depende! Para isso temos que falar de produto a produto. No caso do milho, quero dizer que não vai impactar porque no mercado internacional já está a subir um pouco. Sabemos de antemão que a Ucrânia era um dos grandes produtores de milho a nível mundial, equiparado aos Estados Unidos de América, Brasil e de alguma forma a China. Sem essa produção a oferta vai baixar, obviamente, o que significa que economicamente o preço vai subir um pouco, mas no caso específico de Moçambique a oferta do milho não vai abalar o mercado nacional nos últimos anos. O Governo, através do Instituto Nacional de Cereais e de outras instituições do Ministério da Agricultura, os governos descentralizados até ao nível do distrito, tem sido emanado para controlar um pouco o espectro e a salvaguarda da segurança alimentar da nossa população.

“O trigo vai subir, mas temos que ser resilientes”

E olhando para o caso do trigo?

Olhando para o caso do trigo, obviamente que os preços vão subir, não só em Moçambique como na região, por força do conflito entre a Ucrânia e Rússia, mas não é um impacto severo,  porque normalmente, naqueles dois países, em Abril e Maio é a altura em que estão a colher a sementeira do trigo. É a campanha deles, o gelo já derreteu e eles começam a lançar a semente para colheita de Setembro.

Portanto, até lá não há produção desde ano. Para suplantar as necessidades no mundo ainda está a ser comercializada a produção que foi feita no ano passado. Mas sempre há duas premissas que são: optimizar e maximizar o lucro, por isso, algumas vezes nestas oportunidades os produtores acabam especulando, os mercados funcionam um pouco com essa lógica. Infelizmente é assim, mas vamos controlando, e Moçambique não é excepção.

Em Novembro, o preço estava entre 1800 e 1850 meticais o saco de 50 quilogramas e sem tendências de subidas bruscas. Chegados a Janeiro já se começou a sentir uma tendência de subida para 1950 meticais, mas quando aparece a guerra começou-se a sentir a turbulência. Neste momento, o saco de trigo está acima de dois mil meticais, o que está a gerar algum barulho. É preciso se fazer uma análise muito aprofundada sobre este aspecto porque realmente há uma pequena subida ao nível de alguns panificadores, alguns vendem pão a 11 meticais e outros a 10 meticais. O trigo vai subir, mas temos que ser resilientes com pensamentos próprios de Moçambique.

Quais são as acções levadas a cabo pelo Governo para mitigar os possíveis impactos da subida do trigo a nível nacional?

– Grande parte da população vive de produtos originais que tira da sua machamba. O povo vive daquilo que produz e não está na utopia do trigo. Essa questão do trigo é de Maputo e algumas cidades. Moçambique não é Maputo e Matola. Como dizia o presidente Samora Machel, Moçambique é de Maputo a Rovuma e de Rovuma ao Maputo.

Pode ser mais específico?

– Hoje, temos 30% da população que vive nas cidades e os restantes 70% vivem no meio rural. Não é correcto andar aqui com grandes preocupações, eu como pequeno gestor não posso estar a olhar de forma restrita um pensamento para um povo e não posso pensar para o povo que vive de mandioca, deve haver um equilíbrio na gestão.

O mercado nacional é facilmente influenciado pelos factores externos enquanto se assiste a discursos que sugerem crescimento da produção de cereais. Qual é a explicação para este fenómeno?

A explicação pode não ser a correcta, mas é consentânea, é que quando falamos de pobreza há aqueles que são pobres porque nasceram e não tiveram oportunidades de não ser pobres, mas há aqueles que foram empobrecidos, ou seja, a pobreza não fazia parte do dicionário deles, no entanto foram empobrecidos pelo tipo de vivência e convivência. É o caso de Moçambique, foi empobrecido, porque não é possível um país com grandes recursos ser pobre.

É penoso nós não termos um movimento muito forte nos últimos 100 anos de Moçambique, porque a revolução iniciou em 1880 e até 1984 contava-se as indústrias ao nível do país,  e continuamos aqui. Desde o ano passado há uma iniciativa presidencial visando industrializar o país, mas isso não acontece do dia para a noite. Enquanto tiveres pouca indústria não és competitivo e não tens vantagens comparativas económicas.

Penso que a industrialização é um passo certo na hora certa, e é irreversível. Moçambique tem de caminhar. Nós não podemos ficar satisfeitos por ser meros exportadores de matérias primas para indústrias dos outros países. O slogan produza e consuma Moçambique continua muito longe daquilo que é a vida do dia a dia de Moçambique, então isso precisa ser revertido, obviamente que a revolução na indústria precisa de algum investimento e em alguns casos muito forte, mas em outros é paradigma de pensamento.

“Temos que fazer a nutrição da economia”

Ao afirmar que em alguns é paradigma de pensamento, quer dizer que temos que abandonar a teoria e abraçar a prática?

Já estamos a fazer, mas temos que fazer aquilo que tem sido denominado pelas pessoas que andam em nutrição, ou seja, saber fazer o cocktail. Não podes comer muita mandioca sem caril, porque aí podes encher a barriga, mas não ficas nutrido e podes continuar doente. É preciso criar o ambiente de nutrição. Temos que fazer a nutrição da economia. O produtor tem terra, no Incomáti e no Limpopo tem água. Aquele que está no Licungo não sabe se tem água para fazer pequena irrigação, caso haja temperaturas altas. A produção vai surgir e os clamores dos produtores vão continuar, pois metade da produção apodrece, logo nasce o geoprocessamento, a pequena agro-indústria e tudo mais.

Obviamente que disse que é preciso investimento, mas hoje tens a Agência do Norte e a do vale do Zambeze, Limpopo é uma zona franca para produzir tomate. O que falta é consciência que é o maior desafio para nós.

O mundo reconhece o nosso potencial no que diz respeito a matérias-primas para alimentar as grandes indústrias. Olhando para o caso de Moçambique, como podemos impulsionar a industrialização?

– Bancos existem, temos microfinanças e há pessoas com muito dinheiro em Moçambique. Há famílias que têm um irmão que é rico, mas há um irmão que é pobre, é estranho que o irmão não consiga investir no próprio irmão. O mais importante é que tem de haver uma redistribuição de investimentos, infelizmente continua a haver análises que nos levam a dizer que a agricultura é um risco, mas tenho que dizer que estar vivo também é um risco, por isso há pessoas que pagam seguro de vida. Com isso quero dizer que é preciso ir buscar apoio, e o Governo já criou um movimento.

O mais importante é a atitude que tem de renascer. Este é um Governo que emana que todo o sistema financeiro deve ser inclusivo e não exclusivo, isto é, todos devemos ter acesso na mesma hora e com a mesma frequência a determinado valor que precisamos para fazer o investimento. Agora pode estar a falhar o facto de não termos muito manancial financeiro para o efeito, as instituições bancárias têm dinheiro, mas as condições de acesso a esse dinheiro é outra página do povo, mas vamos lendo página a página para irmos ultrapassando e conhecendo a história do livro. Acredito perfeitamente que há todo um clamor. O Inquérito Agrícola Integrado demonstrou que menos de três por cento de produtores em Moçambique têm acesso ao crédito financeiro.

“É preciso que se produza sabendo que o mercado é exigente”

Como o Governo, através do Instituto Nacional de Cereais de Moçambique, tem dado incentivos para os importadores de cereais?

– Nós incentivamos da seguinte maneira: primeiro, neste incentivo, a abordagem principal é a abordagem de cadeia de valor. Todos nós devemos assumir que a cadeia de valor é algo que deve ser nossa bíblia doravante e já de alguns anos para cá é a nossa bíblia de funcionamento estratégico. E a cadeia de valor tem uma premissa importante, é que todos que sejam autores desta cadeia de valor podem ganhar de forma recíproca.

O produtor tem que ganhar, e uma das expressões na cadeia de valor é que o produtor não tem de ser especialista de ir ao mercado comercializar e ele deve ter especialidade de produzir e ocupar mais o espaço que tem para gerar a riqueza para a família dele.

Há muitos exemplos, mas o mais importante é o reiterar que estamos a dar passos e que daqui a alguns anos temos que aumentar a escala, e a escala aumenta com o incremento da produtividade. Temos que aumentar a natureza comparativa e sobretudo competitiva, melhorando um pouco a qualidade dos produtos, não é fácil fazer contratos com os grandes supermercados porque exigem padrões internacionais e qualquer produto que não tenha aquele padrão não pode entrar. É preciso que se produza sabendo que o mercado é exigente até a esse padrão.

Nos últimos anos, Moçambique tem registado algumas melhorias na produção de milho e culturas leguminosas. Entretanto, mesmo com esses avanços, ainda estamos longe de abastecer por completo o mercado nacional. Com as acções levadas a cabo pelo Governo, podemos dizer que estão criadas condições para produção nacional abastecer o mercado (nacional) nos próximos anos?

Temos condições. Há um aspecto que parece um pouco exagerado quando falamos de planos. O Ministério da Indústria e Comércio subjuga-se a um plano operativo da comercialização agrícola, mas por outro lado este plano é um pouco endógeno ao sistema do comércio e indústria extensiva a vários componentes da agricultura. Contudo, é racional pensar que temos outro plano, aliás são muitos planos, mas cada um tem objectivos com características diferentes.

Temos o programa OPICA, que é um programa integrado de comercialização, não está a olhar onde é que se produziu e qual é o mercado, este programa mostra quais são as estradas que ainda temos que atacar. Já olha outras coisas no domínio das infra-estruturas, não obstante termos dado um salto significativo nos últimos 10, 15 anos, mas acredito que existem algumas coisas que temos que acertar por hipóteses que conseguimos resolver. Fazer a rota Xai-Xai – Chicualacuala levavas oito horas de tempo, e pior no período chuvoso, mas hoje, com estrada reabilitada, em menos de três horas chegas ao destino sem sobressaltos.

Este é um programa integrado que olha o para mercado e outros factores que influenciam todo o processo do comércio e comercialização, mas tenho a certeza que estamos a avançar e precisamos de uma velocidade um pouco maior, mas tudo requer investimento. Se tivéssemos na plenitude a estrada de Caia para Inchope e Inchope para Rio Save em melhores condições, nenhum indivíduo cobrava 140 mil meticais para trazer 10 toneladas de milho para Maputo. Só para não escamotear isso, o milho chega a algumas fábricas na Matola a 18 meticais e este é caro. Tiras o milho de Nelspruit a dez meticais e chega a porta da fábrica a 11 meticais, mas quando tiras o milho de alto Molocué para cá são 18 meticais, isso significa que não estás a ser competitivo. Ao longo do tempo precisamos de melhorar algumas condições que não têm nada a ver com a produção.

Num passado recente disse que o Governo estava a perder muito dinheiro por causa do comércio transfronteiriço não controlado e os produtores eram os mais prejudicados, visto que muitas vezes vendem a sua produção ao desbarato. Quais são as medidas que foram levadas a cabo para minimizar este fenómeno?

Conjuntamente ao nível de uma fronteira Milange e Machipanda, Mulanje que é do outro lado Malawi, Calongue em Tete, há um controlo mais aplicado. Não posso desmentir que não exista alguma persistência na plurivocidade de algumas fronteiras, mas não é por falta de controlo, mas sim alguma administração que deve ser mais rigorosa, porque sempre há aquele que tenta vender para maximizar o lucro, quer optimizar o seu lucro e quando não pagam algum imposto ganham mais, porque fugiram ao fisco, as sociedades têm sempre larápios aqueles que vivem a custa do alheio.

É o que acontece nas fronteiras, e as nossas autoridades tem controlado, embora tivesse demorado muito tempo, mas politicamente, há cerca de uma semana, assinamos uma engenharia deste controlo com a contraparte malawiana e nós a ICM com a nossa contraparte para controlar quantidades e os preços dos produtos que saírem de lá para cá. Desde Outubro, o milho de Moçambique não sai para Malawi, ou seja, o milho deles é que está a vir para Moçambique porque temos mais ascendente no mercado de milho e estamos a pagar melhor.

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