Dentro da crise entre subsídios e adiamentos

OPINIÃO

Luca Bussotti

A palavra “crise” foi oficialmente pronunciada pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, em ocasião da tomada de posse dos novos membros do governo. Trata-se de uma afirmação provavelmente óbvia, mas que deve despertar a atenção de todos os Moçambicanos, uma vez que o próprio executivo reconhece a gravidade da situação.

A crise actual é certamente filha da crise global internacional, originada primeiro pela pandemia da Covid-19, e agora pelas consequências da guerra russo-ucraniana. Circunstâncias excepcionais, se diria, e em parte é verdade, mas também existem países, no mundo, que conseguiram enfrentar de forma menos dramática esta dupla crise. Ao ouvir o Presidente da República, Moçambique irá implementar acções para limitar os efeitos negativos da crise, principalmente no âmbito dos transportes, um sector-chave para a vida da população moçambicana. O sector, convém recordá-lo aqui, que despoletou as últimas manifestações de massa em Maputo-Matola, em 2008 e 2010, por causas das quais o governo iniciou a implementar medidas direcionadas a subsidiar os transportadores semi-colectivos, vulgo “chapa”. Hoje, a situação se parece muito com aquela condição de desconforto popular que os executivos liderados por Guebuza não conseguiram interpretar nem prevenir, tendo de enfrentar uma onda popular mediante repressão e, a seguir, os ditos subsídios. Em paralelo, a inflação se aproxima a valores esquecidos há muito tempo em Moçambique, o que vai acabar retirando o poder de compra da maioria dos Moçambicanos, além de desajustar as contas públicas, com consequências extremamente negativas no orçamento do Estado já aprovado e no Plano Económico e Social. Isto acontece apesar de o Banco Central ter mantido uma política monetária restritiva (que pelo menos manteve estável o metical face às principais medas estrangeiras), e não fará desistir o Presidente da República do retorno aos subsídios aos transportadores semi-colectivos.

Quer o Banco Central, quer o executivo, não parecem ter muitas outras opções neste momento complicado. Entretanto, as crises, no capitalismo, são cíclicas, como economistas clássicos têm ensinado há muito tempo, e elas são destinadas a voltar, pontualmente e com gravidade, cada vez maior. Cabe aos estados fazer face a elas com medidas estruturais.

O que neste momento falta em Moçambique são justamente tais medidas; aliás, os vários executivos que se sucederam ao longo do tempo apostaram num certo tipo de medidas estruturais, concentradas nos grandes investimentos externos, em todos os principais sectores produtivos. Porém, os resultados, até hoje, são modestos, para não dizer nulos.

No sector primário – que hoje, com a crise ucraniana, voltou a adquirir um papel relevante – a grande aposta foi em programas como o ProSavana, ou as plantações de eucaliptos no centro do país, em províncias como Zambézia, Sofala e Manica. O ProSavana faliu, devido às evidentes violações do direito à terra que contemplava desde o seu início, e foi fechado em razão da retirada do financiador do programa, o governo japonês. As plantações de eucaliptos também registaram problemas similares e, além de serem prejudiciais ao meio ambiente, elas tendem a expulsar os camponeses das suas terras, reduzindo a capacidade de produção de alimentos, em favor de monoculturas em que os camponeses se tornam trabalhadores subordinados e geralmente mal pagos. Sem resolver a questão do incremento de produção agrícola, Moçambique será constantemente sujeito às crises cíclicas que continuarão a assolar o mundo, e particularmente os países mais pobres.

Nos transportes, nada de significativo foi feito ao longo destes anos. Aliás, em certos âmbitos a situação até piorou: no transporte aéreo, a LAM está em condições de pré-falência, ao passo que no transporte terrestre de tipo urbano, o “chapa”, continua a imperar, sem que o sector público (governo e municípios) tenha desenvolvido um transporte digno deste nome e acessível para toda a população, salvo poucas excepções. Isto significa continuar a depender de um sector, o do transporte semi-colectivo, com enorme poder de contratação, até de chantagem, diante do governo, que já adiantou – por meio do seu mais alto representante – que irá subsidiar novamente os donos dos “chapas” para evitar novas subidas do preço do bilhete para o consumidor final. Mais uma vez trata-se de medidas conjunturais que irão agravar a situação das finanças públicas, com benefícios mal distribuídos pela população.

Finalmente, a grande aposta no sector energético – carvão e gás natural – está também a enfrentar problemas muito sérios. O carvão de Moatize passou da Vale à Vulcan, juntamente com a logística referente ao Corredor de Nacala, ao passo que o que ainda mais preocupa é a situação do gás em Cabo Delgado. Os contínuos ataques praticamente em todo o território de Cabo Delgado – mesmo no sul da província, nos últimos dias – além de provocar mais incertezas, vítimas e deslocados na população, estão baralhando todas as previsões económicas feitas, contando com os dividendos derivantes da produção e venda de gás. Com efeito, se a Total, em Afungi, suspendeu sine die o seu investimento (ganhando um tender de 29 mil milhões de dólares para exploração de gás muito longe das terras moçambicanas, no Qatar), o Bloco 4 – liderado pela ExxonMobile e a italiana ENI – também está a registar atrasos significativos, uma vez que a decisão final de investimento ainda não foi aprovada, devido – segundo relatou em Abril passado o responsável para a África desta multinacional americana, Walker Keinsteiner – à persistência das razões de causa maior levantadas pela Total, a que também o investimento da Exxon se vinculou.

Em suma, parece que Moçambique, devido, principalmente, aos ataques terroristas – de forma conjuntural –, mas ao modelo de desenvolvimento que as suas classes dirigentes quiseram implementar – de forma estrutural – esteja constantemente exposto às crises cíclicas internacionais, sem nunca enfrentar de forma definitiva os problemas complexos que sempre teve, a partir da sua dependência alimentar de mercados externos cada vez mais voláteis e incertos.

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