Ganhar eleições por demérito da oposição

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Os antigos movimentos de libertação, hoje partidos políticos, continuam a ser opção para a governação dos seus países. Tal acontece quer na África Austral, quer ao nível dos países africanos de língua oficial portuguesa, os PALOPs. Será porque governam bem ou não há uma oposição à altura de lhes fazer face? Acompanhem-me nesta pequena análise.

Em Moçambique temos a FRELIMO no poder há 47 anos, no Zimbabwe, a ZANU-FP (42 anos), na África do Sul, o Congresso Nacional Africano (a cerca de 30 anos), em Angola, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que governa há 47 anos, em São Tomé e Príncipe, o MLSTP-Partido Social Democrata (47 anos no poder) e outros.

Alguns desses partidos mantêm-se no poder com o voto das minorias eleitorais, ante elevadas taxas de abstenções que se têm registado nos pleitos eleitorais, facto que revela, em parte, o descrédito dos políticos perante o público, com promessas eleitorais não cumpridas.

Nas eleições moçambicanas de 2009, cerca de 55 por cento dos dez milhões de eleitores inscritos não votou. Em 2014, quase repetiu-se o cenário. A taxa de abstenção atingiu a casa de 51 por cento, num universo de 11 milhões de eleitores que eram esperados nas assembleias de voto.

Em 2005, no Zimbabwe, 3,3 milhões eleitores não exerceram o seu direito de voto. No mesmo país, em Março deste ano, para a escolha de representantes parlamentares e de governos locais, foram vistas pequenas filas logo na abertura das urnas. Os jovens zimbabweanos boicotaram o pleito.

Os países em causa têm, em comum, problemas de desemprego, cujas taxas têm estado a subir, a corrupção envolvendo gestores públicos e figuras de nomenclatura política e governamental. Enfrentam igualmente o elevado custo de vista e os governos não conseguem garantir serviços básicos de qualidade como saúde, educação, abastecimento de água e outros.

Quem é que podia imaginar que um dia um secretário geral do ANC, uma organização com grande prestígio internacional, podia envolver-se em cenas de corrupção? Ace Magashule, SG, está suspenso das suas funções desde Maio passado, acusado de 20 crimes de fraude, corrupção e lavagem de dinheiro, num projecto de 14,5 milhões de euros, correspondentes a 255 milhões de randes.

Como se isso não bastasse, o ex-Presidente da República sul-africano e do ANC, Jacob Zuma, está a enfrentar um processo-crime em que é acusado de suborno e alegada corrupção pública na compra de armas em 1999.

O outro escândalo de corrupção envolve o actual presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, o qual é acusado por um ex-agente da secreta do seu país de lavagem de dinheiro.

O caso está relacionado com o arrombamento da reserva animal pertencente a Ramaphosa, em Fevereiro de 2020, na província de Limpopo, onde foram roubados quatro milhões de dólares em numerário. Incidente que este não reportou à polícia.

Em Moçambique, o antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, está detido há dois anos na África do Sul, o filho do antigo Presidente da República, Ndambi Guebuza, o antigo conselheiro e secretária particular de Armando Guebuza e dois agentes seniores do SISE estão presos em Maputo em conexão com mesmo assunto, as dívidas ocultas.

Além da corrupção, há o problema do desemprego que apoquenta as populações, em particular as camadas jovens. Em Cabo Verde, a taxa de desemprego no seio dos jovens é de 28,37 por cento. Em Angola, de 30,5, correspondente a 4.7 milhões de angolanos com 15 anos em diante.

A África do Sul atingiu o recorde em termos de desemprego. No último trimestre de 2021 alcançou 35,3 por cento, o equivalente a 7,9 milhões de sul-africanos, sendo que as populações negras e mestiças são as mais afectadas de todo povo.

Se incluirmos, nas contas, os que não têm procurado activamente o emprego devido à falta de perspectiva a taxa pode subir para 44,4 por cento, o que é bastante alto. Esta situação tem levado à manifestação de xenofobia contra estrangeiros por parte de alguns sul-africanos, visando moçambicanos, zimbabweanos, nigerianos e outros.

Em São Tomé e Príncipe, o desemprego ronda os 15,90 por cento. A taxa é considerada uma das mais altas da África Central, superada pela de Gabão, com 20 por cento, e de Congo, com 16 por cento, segundo a FAO. A nível da juventude, a taxa é de 22,6 por cento.

Cá entre nós, o partido no poder prometeu três milhões de empregos para o quinquénio 2019-2024, mas, pelos vistos, está muito longe de cumprir. Um anúncio de vaga de um restaurante da capital do país para menos de 20 pessoas foi respondido por mais de mil jovens, facto que mostra a gravidade da situação.

Estes factores são responsáveis pelo desgaste de imagem por que passam os governos destes países, o que começa a se reflectir nos resultados eleitorais. Em 2017, o MPLA, em Angola, ganhou as eleições com menor número de assentos (150), de um total de 220, contra 191 de 2008.

Na África do Sul, pela primeira vez em quase 30 anos no poder, o ANC sofreu uma derrota histórica. Obteve resultados abaixo do patamar dos 50 por cento dos votos nas autarquias de 2020.

Se há estes problemas todos que jogam a desfavor dos seus objectivos políticos e criam um mal estar no seio do eleitorado, como é que os partidos libertadores conseguem manter-se no poder?

A resposta é simples: os países em causa não têm uma oposição forte. Partidos que podem ser vistos como alternativa para a governação. Em Moçambique, por exemplo, com a morte de Afonso Dhlakama e de Daviz Simango, líder do MDM, ficou cada vez mais enfraquecida.

O mesmo aconteceu no Zimbabwe, com a morte de Morgan Tsvangirai, do MDC, sucedido, na liderança da oposição, por Nelson Chamisa à frente da Coligação dos Cidadãos para a Mudança, mas não representa nenhuma ameaça a Emmerson Mnangagwa, presidente da ZANU-FP e da república.

Não há uma oposição com unhas e garras capaz de enfrentar os partidos libertadores. Uma oposição organizada e com um discurso bem estruturado, como acontece agora com o novo líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, a esperança da oposição angolana.

No geral, não há oposição que é oposição. A Renamo, por exemplo, já teve 112 deputados nas eleições de 94. Em 1999, conquistou 117 e não conseguiu manter os assentos. Hoje, tem apenas 60.

A UNITA, em Angola, teve 70, em 1992, e em 2008 baixou para 16. Hoje, possui 51 assentos. A Aliança Democrática, a segunda força política na África do Sul, baixou dois pontos percentuais ao registar 20,7 por cento. Mmusi Maimane, o seu líder, promete, ainda assim, que um dia haverá um pós-movimento de libertação no seu país.

No fundo, tudo isto quer dizer que, em alguns casos, os partidos libertadores ganham eleições não propriamente por mérito, mas por demérito da oposição porque, em condições normais, alguns deles já não estariam no poder.

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