Alexandre Chiure
Não é segredo para ninguém que as Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) estão em crise. O assunto não é de hoje. Os jornais, os canais de televisão e de rádio abriram, várias vezes, as suas primeiras páginas e os seus espaços noticiosos, respectivamente, com esta matéria, dado ao seu interesse público.
O governo, que detém quase 100 por cento do capital social, numa sociedade com os trabalhadores, tem estado a lidar com este dossier desde 2016. De lá a esta parte, defendeu muitas “teses” sobre como pensava atacar a crise, em particular no parlamento, com a exigência de uma rápida intervenção para salvar a empresa da falência.
Em Maio de 2017, o ministro de Economia e Finanças, Adriano Maleiane, disse aos deputados que os cancelamentos sistemáticos de voos, resultantes da redução da frota de aviões da LAM de sete para três tinham dias contados, o que seria fruto de uma parceria com uma companhia aérea estrangeira que não chegamos a conhecer.
Em Julho de 2018, o governo anunciou que ia acelerar a busca de um parceiro estratégico para viabilizar a actividade da empresa. Aí batemos palmas. Não era caso para menos. Estava aberto um espaço para sonhar e sonhamos acordados. Visualizamos o fim da crise. A sombra de algo que, afinal, estava bem distante de nós. Passado algum tempo, o assunto morreu vítima do silêncio.
Ainda em Julho, a LAM foi afectada por uma crise de combustível e em consequência disso 300 passageiros não puderam viajar num dia. Era o problema do acerto de contas entre a transportadora aérea e as gasolineiras. O caso das dívidas.
Reagindo a esta situação, o governo veio com uma nova tese, a de reestruturação da LAM, num processo que iria abranger empresas públicas. Nasceram novas esperanças. A crença de que a crise financeira estava perto do fim, o que não passou de um sonho.
Extinguiu-se o Conselho de Administração e, no seu lugar, criou-se a Direcção Geral da LAM. É reestruturação, mas só isso? Talvez porque não se jogou à medida da crise que ela sobreviveu.
Em Janeiro de 2020, o governo, através do IGEPE – Instituto de Gestão das Participações do Estado – apareceu com um novo discurso, o de contratação de uma consultoria para a reestruturação financeira da companhia de bandeira. Suponho que seja um processo longo e melindroso, e talvez não seja prudente exigir os resultados, passado um ano do lançamento da jornada. Vamos aguardar.
Enquanto o executivo não acerta no alvo, a crise está a fazer muitas vítimas. Gestores e figuras escolhidas na base de confiança política têm sido nomeados e demitidos sucessivamente dos cargos de direcção da LAM. Geralmente, começam competentes e terminam “incompetentes” aos olhos da sociedade e de quem lhes indicou. Vítimas de um câncro cuja cura não está ao seu alcance.
Um dia, António Pinto de Abreu, destacado do Banco de Moçambique para dirigir a companhia como PCA, desabafou, num encontro informal com jornalistas, dizendo que a LAM ou é gerida como empresa, obedecendo às regras apropriadas ou como um departamento de Estado.
Deixou a entender que havia algumas interferências na gestão da empresa. Nos seus esforços para tentar endireitar as coisas, mandou acabar com algumas rotas politicamente bem definidas, mas economicamente inviáveis: caso Maputo-Luanda.
O desabafo do ex-PCA da LAM remeteu-me a uma análise da situação das companhias aéreas da região Austral de África que estão, copiosamente, abraços com a crise financeira, incluindo a colossal SAA – linhas aéreas sul-africanas. Quando uma primeira dama de um país vizinho movimenta um Boeing inteiro para compras em Paris, França, pode se imaginar o que está a acontecer.
Quando um general faz atrasar um voo ao chegar tarde ao aeroporto e comprometer os horários de uma companhia aérea, dá para entender o que está por detrás da crise de algumas das companhias da SADC.
Quando alguns dirigentes e seus parentes viajam para vários destinos europeus sem pagar, mesmo nas rotas domésticas, está mais do que claro que há problemas sérios e de carácter interno por resolver.
O governo sul-africano optou, primeiro, pelas injecções financeiras na SAA para criar algumas almofadas e evitar a sua falência técnica. A última, libertada com muita relutância pelo ministro das Finanças da África do Sul, Tito Mboweni, foi em Abril no valor de 10.5 biliões de randes, investimento que não surtiu efeitos porque todo o resto continuou na mesma. O ambiente com que a empresa era gerida, com os grandes senhores do partido no poder a fazerem das suas.
Sem outra solução à vista, na semana passada, o governo de Ramaphosa abriu mão da SAA ao privatizar 51% do capital a favor da Takatsu, um grupo de aviação local, o Global Aviation, com sede na cidade de Sandton. Perdeu, assim, o controlo da transportadora, mas vai ganhar pela sua revitalização. Os novos donos vão investir 3,5 biliões de randes nos primeiros três anos para reavivar a firma, a maior do sector na região.
É uma experiência que vale a pena seguir. É que no lugar de perdermos tempo com atenuantes, o melhor mesmo é apostar forte na administração de um antibiótico para a cura da doença que se chama crise financeira. Entregar a gestão das LAM ao sector privado é capaz de ser a opção, sem alternativa à vista, para o fim do sofrimento.
Facebook Comments