Vamos descentralizar o país?

OPINIÃO

Afonso Almeida Brandão

Andam por aí umas teorias que afirmam que é “no interior que, em Moçambique, há “qualidade de vida”. E, com esta noção, os seus apregoadores entendem a qualidade do ar que se respira, proximidade dos locais frequentados no dia-a-dia, menor tensão no ritmo de vida, contactos familiares assíduos, relacionamento fácil, sociabilidade mais concreta, baixo custo de vida… Uma série de frases feitas que nem sempre correspondem à realidade.

Não impede que em congressos, colóquios e demais conferências se discorra repetidamente sobre esta “qualidade de vida”, considerando os oradores que só o fraco desenvolvimento económico impede que se viva em situação quase ideal. Embora alguns, um pouco mais lúcidos, acrescentem também a falta da natalidade capaz de assegurar o Futuro demográfico e até, melhor ainda, de inverter a acentuada tendência para o despovoamento (apesar das estatísticas afirmarem que Moçambique tem actualmente uma população de 30 milhões de habitantes). Terá mesmo?!…

Só que estes arautos da “qualidade de vida” em regiões “de baixa densidade” não parecem se dar conta que nem só de desenvolvimento vivem os cidadãos. E nem que tudo o que faz largamente falta “no interior” virá necessariamente por acréscimo desse desenvolvimento. Porque há condições de base de que Moçambique “do interior” continua tragicamente desprovido e que pouco interessam a autarcas e demais responsáveis. O que leva os que lá sempre viveram a sonharem com uma futura instalação no Centro-Norte Litoral. E os que lá se instalaram por razões de ordem profissional consideram a situação como provisória.

Este desapego endémico que mina o nosso País “do interior” tem sobretudo como origem a falta de Centros Hospitalares performantes, de estabelecimentos de Ensino de alto nível e de Infra-estruturas Culturais com ofertas de qualidade.

Em matéria de Medicina, os cidadãos “do interior” estão largamente dependentes dos numerosos Centros Hospitalares Públicos e das numerosíssimas Clínicas Privadas na Beira, Nampula, Pemba, Tete e, naturalmente, em Maputo. Pela simples razão que, “no interior”, os hospitais públicos ou das pequenas unidades clínicas de enfermagem, assim como as consultas privadas, não se encontram em condições de propor a indispensável variedade de especialidades, equipamentos e profissionais de saúde. Deixando mesmo em muitos casos o sentimento que só a impossibilidade de singrar nas “grandes capitais de distrito” levaram boa parte dos profissionais de saúde a instalar-se “no interior” ou mesmo a imigrarem de Moçambique para a vizinha África do Sul.

Na Educação, é também por mais evidente que os grandes estabelecimentos de Ensino Secundário, Politécnico e Universitário se situam largamente em Maputo e uma minoria na cidade da Beira. Que fora deles, o Ensino Superior “do interior” é geralmente considerado como fazendo parte, na melhor das hipóteses, de uma “segunda divisão” ou… “miragem”. E um número sensível de docentes que ensinam nestes estabelecimentos residem nos grandes centros das principais Capitais de Distrito e dignam deslocar-se apenas um ou dois dias por semana à localidade que lhes permite ganhar a vida. É doloroso (e triste!) encarar um “panorama” destes, convenhamos…

Um pouco com a excepção da Beira (e provavelmente de Nampula, sem grande certeza!), é verdade que a vida Cultural em Moçambique se passa sobretudo em Maputo e um pouco na Beira. Que o resto do País tem, na melhor das hipóteses, direito a uma vida cultural assumida antes do mais por actores de segunda ou de terceira importância. Tanto mais que, ”no interior”, cidades onde as salas de cinema, teatro ou concerto são inexistentes. Ou ainda onde há uma Livraria ou Loja de jornais, onde seja possível adquirir publicações que não façam parte do consumo mais ou menos “popularuchos” ou de uma simples Galeria de Arte para os nossos Artistas. Bem, nesse particular reconhecemos que agora temos a Fundação Fernando Couto, a Casa de Ferro, o Núcleo de Arte/Museu e o Espaço Galeria do BCI, na baixa de Maputo. E onde se possam comprar um CD ou DVD, assistir a uma inauguração de Pintura, de Escultura ou mesmo de Artesanato ou Fotografia, fora dos propostos como “complemento” de jornais ou revistas…

Desde logo, como conseguir atrair gente para “o interior” e convencê-la a instalar-se duradouramente, definitivamente, se no Moçambique da tal “qualidade de vida” esta é manifestamente de “baixa densidade” em termos médicos, académicos e culturais? Uma tristeza franciscana, em suma! Ainda se os Autarcas e demais responsáveis pelas regiões “do interior” tivessem realmente consciência disso e procurassem seriamente colmatar estas grandes deficiências, do mal ao menos!!… Mas não… Essa “gente” quer “é papas e descanso” e quer lá saber de chatices…

Ora, proliferam em Maputo instituições públicas e ONG´s ligadas à Saúde, ao Ensino e à Cultura. Uma proliferação megalómana, megalocéfala, que cria sérias dificuldades de coordenação e gestão, e não menos sérios problemas de custos. Os mais elementares princípios de uma Democracia equitativa e eficiente não deveriam aconselhar a transferir as instituições em demasia para “o interior”? Decisões deste tipo foram tomadas noutros países da África Austral e mesmo em alguns países membros da CPLP. Por que não em Moçambique? Será que a nossa actual ministra da Cultura «ainda não acordou» para esta Realidade?!…

É que isto até ajudaria Maputo, a Capital — onde tudo se concentra atabalhoadamente! — a ALIVIAR-SE de um preocupante congestionamento… Será que ninguém do Ministério da Cultura e de outros Organismos afins ainda não pensou nesta questão? Não acreditamos…

Caramba! — já dizia o meu velho Amigo Machado da Graça «que anda mais gente com responsabilidades “a dormir na forma”, do que “acordados” para AGIR no que devia ser prioritário…»

Efectivamente, assim é!

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