Uma semana depois de palavras polémicas, Eduardo Nihia cai fora do Comité Central com apenas um voto

DESTAQUE POLÍTICA
  • Os (falsos) Macuas serviram um prato que se come frio ao general
  • Dos 560 delegados, só teve um voto para o CC e oito para o Comité Provincial
  • Houve um festival de tombos de gigantes nas Conferências Provinciais
  • Sem chances a nível central, Caifadine foi concorrer na província e quase perdeu

 

Tiveram lugar, no último fim de semana, em todo o país, as Conferências Provinciais do partido Frelimo, que para além da eleição dos respectivos primeiros secretários, tinham também o objectivo de eleger os membros do Comité Provincial e do Comité Central. Foi precisamente nestas duas eleições em que houve grandes surpresas e banho de lágrimas com a queda de alguns membros sonantes, como é o caso do general Eduardo da Silva Nihia, que depois de ter atiçado a fúria dos macuas – a quem chamou de “falsos e sem direcção” – acabou penalizado nas urnas, não conseguindo, pela primeira vez, se eleger como membro do Comité Central e nem mesmo do Comité Provincial. Se a não eleição de um histórico da Frelimo na sua própria província já era um escândalo, os números de votos que obteve mostram que os macuas levam a sério o ditado que diz que “a vingança é um prato que se come frio”. Num universo de mais de 560 delegados, obteve apenas um voto nas eleições do Comité Central e oito votos para o Comité Provincial. Tal como Nihia, outros nomes sonantes como Raimundo Diomba, Vicente Joaquim, António Niquice, Pedro Cossa, Francisco Mabjaia, Basílio Muhate, Agostinho Vuma e Feliz Silvia não conseguiram se eleger ou reeleger para o Comité Central. Mas há também casos de camaradas que precisaram de repescagem para se manterem no órgão, como é o caso do actual secretário do Comité Central para Mobilização e Propaganda, Caifadine Manasse, que sem chances de passar a nível central decidiu ir concorrer na Zambézia e só escapou por um triz. 

Nelson Mucandze e Reginaldo Tchambule

Foi um final de semana de uma autêntica dança de cadeiras no partido Frelimo, com lágrimas e emoções à mistura. As Conferências Provinciais, que tiveram lugar em todas 11 províncias do país, ditaram grandes surpresas, sobretudo nas eleições dos membros do Comité Provincial e do Comité Central.

Ancoradas nas directivas que estabelecem 60 por cento de continuidade e 40 de renovação, e ainda uma quota para mulheres, as listas eram, regra geral, encabeçadas por membros influentes no partido, mas isso não era sinónimo de passagem automática, até porque, casos houve de camaradas que tiveram que se aplicar a fundo na mobilização dos delegados e mais uma vez há relatos de compras de votos.

Mesmo assim, Evidências conseguiu apurar uma extensa lista de membros seniores do partido Frelimo, alguns dos quais concorriam para a continuidade, que não conseguiram votos suficientes para se manterem no Comité Central.

Quem não foi eleito nas províncias está impedido de concorrer no Congresso

E de acordo com o número 3 do artigo 12 (Impedimentos) da Directiva sobre Eleições Internas para os Órgãos do Partido, “aos candidatos que tenham concorrido e não tenham sido eleitos nos órgãos inferiores é vedado candidatarem-se para os órgãos superiores”. Quer isto dizer que todos que não conseguiram se eleger nas conferências provinciais, não tem nenhuma chance de concorrerem no Congresso, a não ser que haja um milagre.

O caso mais sonante é do general Eduardo da Silva Nihia, que depois de ter “insultado” os macuas de Nampula, acusando-os de serem “falsos e sem direcção”, acabou sendo humilhado nas urnas, não tendo conseguido se reeleger como membro do Comité Central, pela primeira vez desde a independência.

Expoente máximo da Frelimo na província de Nampula, tendo sido cabeça de lista da Frelimo para a Assembleia da República, nas primeiras eleições multipartidárias, em 1994, Nihia acabou pagando muito caro o preço das suas palavras, que em muitos círculos foram interpretadas como sendo ofensivas à honra dos macuas.

“Os de Cabo Delgado perguntam a mim, Nihia, o que se passa em Nampula? Não tenho resposta. Quando vou a Niassa, Nihia, o que se passa em Nampula? Quando vou a Tete ou Manica, o que se passa em Nampula? Todas as províncias estão indignadas com a província de Nampula. Porque é que Inhambane não fica com a Renamo? Perguntam, vocês próprios sabem. Porque é que Manica, Chimoio, não fica com a Renamo? Porque é que Tete não fica com a Renamo? Porque é que Pemba não fica com a Renamo? A resposta, quero vos dar: os macuas são falsos. A resposta é esta: os macuas são falsos. Os macuas não têm direcção. Não tenho como, não posso esconder isso. Quando eu digo que tenho vergonha, é porque sou do grupo macua”, sublinhou Nihia, sem saber que estava a cavar a sua própria sepultura.

Numa conferência com 560 delegados, nas eleições dos membros do Comité Provincial obteve apenas um total de oito votos. Mesmo assim, houve uma mecânica para permitir que concorresse ao Comité Central.

Aí é onde foi dada a machadada final ao general Nihia, que obteve somente um voto dos 560 possíveis, o que pode representar o fim da picada para aquele, até aqui, respeitado general, que já não tem chance de chegar ao Comité Central e está em sérios risco de também não renovar como deputado da Assembleia da República.

Importa destacar que Mety Gondola, actual secretário de Estado em Nampula, que tem sido apontado como provável candidato a secretário-geral;  e Francisco Mucanheia, conselheiro do Chefe do Estado e bastante influente naquele círculo eleitoral, foram os mais votados na província de Nampula. Nas mulheres, o destaque vai para Felizarda Paulino, mensageira que deu o primeiro tiro do terceiro mandato para Nyusi, que foi eleita na tangente ao ocupar a última vaga da lista de três mulheres que entraram pela lista da continuidade.

Diomba, Vuma, Muhate, Niquice, Pedro Cossa e companhia foram abatidos

Na lista dos que não conseguiram entrar no Comité Central noutras províncias constam outros nomes sonantes, como é o caso de Raimundo Diomba, actual secretário do Comité de Verificação do Comité Central, que não conseguiu renovar e protagonizou um dos tombos mais sonantes ao nível da província de Maputo.

Outra grande surpresa tem como protagonista António Niquice, actual presidente da Comissão do Plano e Orçamento, que já foi secretário de Mobilização e Propaganda e porta-voz do partido, que não conseguiu convencer os delegados da Cidade de Maputo para continuar no Comité Central.

Ainda na cidade de Maputo, Francisco Mabjaia, antigo primeiro-secretário da cidade, que no auge do seu mandato teve a brilhante ideia de oferecer um tractor ao Presidente Nyusi, entretanto recusado, não conseguiu chegar ao Comité Central. O mesmo destino tiveram Vicente Joaquim, secretário de Estado da Cidade de Maputo; Pedro Cossa e Basílio Muhate, dois jovens delfins de Guebuza, antigos líderes da OJM, que já foram membros do Comité Central.

Na província de Gaza, sul do país, onde o pleito é descrito como tendo sido ordeiro, num ambiente de festa e sem muitas reclamações, Agostinho Vuma, presidente da Confederação das Associações Económicas (CTA) e deputado da Frelimo na Assembleia da República; e Feliz Silvia, porta-voz da bancada na Assembleia da República, simplesmente foram expurgados do Comité Central.

Em Inhambane, houve lágrimas na família Mussenhane, onde Eduardo Mussanhane (membro da assembleia provincial), sua esposa e o filho Carlos Eduardo Mussenhane (administrador de Mabote) não foram eleitos para o Comité Central. Mussanhane pai, que tem aspirações de se tornar governador da província, até chegou a festejar após ser anunciado como um dos eleitos, mas depois de uma recontagem dos votos descobriu-se que lhe haviam sido atribuídos votos a mais e acabou por cair.

Caifadine Manasse escapou por um triz

Numa rixa indisfarçável com o actual secretário-geral do Partido, Roque Silva, o actual porta-voz do partido e secretário do Comité Central para a área de Mobilização e Propaganda foi o grande sobrevivente da maratona eleitoral do último fim-de-semana.

Por causa do mal-estar com Roque Silva, que inclusive já chegou aos ouvidos de Filipe Nyusi, Caifadine Manasse viu que tinha chances de ser eleito ao Comité Central entrando de uma lista ao nível central, por isso preferiu recuar às bases, na província da Zambézia, onde este Domingo passou por um grande teste de popularidade, primeiro na eleição dos membros do Comité Provincial e depois para o Comité Central.

No primeiro teste passou sem problema, mas já na eleição dos membros do Comité Central por pouco ficava de fora. Segundo o Diário da Zambézia, quando era dada como certa a sua derrota “entornou” os votos da urna e pediu uma recontagem, mas mesmo assim entrou à rasca. Tal como ele, Pio Matos também entrou à rasca e ficou a queixar-se de alegada fraude.

Quem também foi abatido é Carlos Carneiro, antigo administrador de Quelimane, actualmente em serviço na Maganja da Costa, e foi candidato derrotado nas últimas eleições autárquicas. Teve as pernas amputadas ainda no distrito e ainda tentou forçar a sua eleição ao nível provincial, mas foi denunciado e o seu nome afastado da lista.

Refira-se que ao nível da Zambézia outro destaque vai para Hélder Injojo, actual primeiro vice-presidente da Assembleia da República, que foi o único eleito por consenso e aclamação, ou seja, com 100 por cento dos votos, o que reforça a sua posição ao nível do segundo maior círculo eleitoral do país.

A moda das candidaturas únicas e eleições à moda coreana

Tal como o Evidências já vinha denunciando nos últimos meses, as conferências provinciais que tiveram lugar em todo o país, no último fim-de-semana (Sábado e Domingo), confirmaram a tendência de candidaturas únicas à moda da Coreia do Norte, que têm sido impostas pela liderança do partido Frelimo.

Como tal, todos os 11 primeiros secretários provinciais, que concorreram à sua própria sucessão, foram reconduzidos aos cargos, regra geral, com 100% dos votos e nos casos em que haviam sido aprovadas mais de uma candidatura, os concorrentes foram convencidos a renunciar antes do início das eleições, o que já é interpretado nalguns círculos como sinónimo da morte da democracia interna no seio do partido.

Renovaram os seus mandatos como candidatos únicos e impostos pela liderança do partido: Razaque Manhique (Cidade de Maputo), Avelino Muchine (Província de Maputo), Daniel Matavele (Gaza), João Mudema (Inhambane), Luís Nhanzozo (Sofala), Tomás Chitlango (Manica), Paulino Lenço (Zambézia), Gonçalves Jemusse (Tete – que enfrenta um processo por suspeita corrupção), Luciano de Castro (Nampula), Artur Machopa (Niassa) e José Kalime (Cabo Delgado).

A tendência de candidaturas únicas, após outros membros serem forçados a renunciar, com a alegação de que “ainda não é a sua vez”, verificou-se desde a célula, passando pelo círculo, localidade, zona e distrito, é vista como uma estratégia do grupo actualmente no poder para reforçar a sua influência no Congresso. Com a vitória das candidaturas únicas, que também imperaram na eleição dos secretários gerais dos órgãos sociais, à excepção da OJM, tudo indica que Roque Silva e Filipe Nyusi serão reconduzidos como candidatos únicos à sua própria sucessão.

É a primeira vez na história da Frelimo que orientações superiores emanadas ao nível central se sobrepõem à democracia interna ao limitar a candidatura livre dos membros aos cargos de primeiros secretários do partido a vários níveis.

Alguns dos candidatos que foram obrigados a renunciar as suas intenções contavam com apoio das bases e das organizações sociais, mas nas reuniões de concertação, orientadas pelos chefes das brigadas, foram instruídos a retirar as suas candidaturas, sob alegação de que “ainda não é a sua vez…”, “… é preciso respeitar o processo” ou “… tens que deixar o mais velho avançar…”.

De resto, esta tendência de candidatos únicos, que concorre para a aniquilação da democracia interna, tem estado a se consolidar sobretudo desde que Roque Silva (pai da célebre frase “não basta você se querer, o partido tem que te querer) assumiu o cargo de secretário-geral e nas últimas eleições dos órgãos sociais do partido assistiu-se à ditadura das “candidaturas únicas” e de renovação.

Aliás, consta que terá sido Roque Silva a desenhar a estratégia para a sua própria sobrevivência e deu orientações e garantias aos primeiros secretários distritais e provinciais para matarem qualquer chance de qualquer membro poder se aventurar aos cargos do partido.

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