Generais da Renamo acusados de transformar DDR em “bolada”

DESTAQUE POLÍTICA
  • Há fortes indícios de corrupção no processo de reintegração dos guerrilheiros  
  • Incluem civis nas listas em troca de gado e dinheiro

 

Em finais de Julho de 2019 foi lançado, em Santungira, o processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) das Forças Residuais da Renamo. O enviado pessoal do Secretário-geral das Nações Unidas para Moçambique, Mirko Manzoni, revelou que o processo de DDR já havia abrangido 77% dos beneficiários, provenientes das províncias da região Centro e Norte do país. Porém, existem denúncias de corrupção no processo de inscrições, onde há civis que pagam valores monetários e outros a oferecerem gado bovino e caprino para que seus nomes constem da lista de beneficiários, sendo que alguns ainda não foram integrados. O Evidências ouviu relatos de pessoas que tiveram que pagar, mas não conseguiram entrar no processo e há outros que foram alistados no DDR com nomes falsos. É mais uma nódoa num processo que recentemente foi manchada pela falta de pagamentos de pensões aos benificiários que vão questionando a seriedade do processo.

Jossias Sixpence – Beira

Após um grupo de mulheres ter denunciado o incumprimento de promessas no âmbito do DDR, desta vez são os ex-guerreiros da Renamo, nas províncias de Manica e Tete, a falarem ao Evidências sobre várias irregularidades no que diz respeito ao processo do DDR.

As denúncias expõem a corrupção protagonizada por alguns generais da Renamo em algumas bases militares onde decorriam as inscrições de ex-guerreiros da Renamo. À semelhança de outras bases, houve, em Março de 2021, o processo de alistamento de ex-guerreiros na base de Nhamiwa, onde generais conhecidos como Gomes e Farnela, responsáveis pelas fichas de inscrição, indicavam a dedo quem eles queriam que fosse alistado no processo, sem se importarem com os demais guerreiros presentes no processo.

Segundo relata um grupo de ex-guerreiros que não foi abrangido até hoje, o processo decorria sem observância das normas ou critérios de enquadramento, visto que antes do processo os guerreiros já haviam sido solicitados para serem alistados e depois seriam desmobilizados. Estranhamente, os generais, além da lista conhecida, dispunham de outra no bolso.

“No mês de Março do ano passado (2021), fomos chamados para Base de Nhamiwa, na localidade de Chuala, no Posto Administrativo de Honde, em Manica, e lá vimos pessoas que nunca foram militares trazendo cabritos e bois, para deixar em uma casa vizinha e se dirigiam directamente aos generais Gomes e Farnela para terem acesso a ficha e de imediato serem considerados. E para além destes, outros traziam valores não revelados e também eram recebidos pelo instrutor Horácio Fone Sairiquira para terem direito às fichas, enquanto alguns de nós fomos informados para aguardar”, disse Panganane Orlando Tamissone.

Durante o processo, o antigo Secretário-Geral do partido, André Magibire, encontrava-se no centro de desmobilização de Nhamizinga e quando estes se dirigiam ao local foram impedidos de falar com ele.

Há nomes fantasmas entre os beneficiários

O antigo delegado da Renamo de Chiramba, no Posto Administrativo de Honde, Victor João Vicente, confirma que de facto há nomes de indivíduos que nunca foram guerrilheiros da Renamo e que foram espalhados em diversas bases onde decorria o processo do DDR para serem integrados.

Consta que para além destes, há indícios de que alguns membros de antigas Força Popular de Libertação de Moçambique (FPLM), que lutavam contra a Renamo, conseguiram ter seus nomes integrados como beneficiários do DDR por meios não claros.

A título ilustrativo, destaca-se África Caulamba Raimo, que ostentava o cargo militar de Major, que pela confiança do presidente da Renamo, Ossufo Momad, foi indicado a Delegado Político de Changara, na província de Tete, em substituição de Victor João Vicente. Não se sabe como, em que circunstâncias, foi integrado como beneficiário do DDR.

A mesma sorte sorriu a Carlitos Camuzonde, um carpinteiro residente de Mussianharo, na localidade de Chuala, que foi integrado em circunstâncias que não se conhece, uma vez que foi militar.

As nossas fontes contam que além de casos que configuram corrupção, os critérios de selecção não são claros, havendo casos de pessoas por terem se envolvido em conflitos foram confundidos com guerrilheiros da Renamo. É o caso de Alberto Bringala, membro da Renamo, porém nunca foi militar, mas veio ser enquadro no DDR porque, enquanto decorriam os ataques na zona centro, foi violentado pelos membros das Forças de Defesa e Segurança (FDS) e ficou gravemente ferido, tendo recorrido a uma das bases de Nhamiwa para ter o tratamento.

Consta igualmente, entre os beneficiários em processos não transparentes, o nome de Chapade Francisco Samuane, que também foi membro das FPLM, e actualmente recebe pensão simples como militar. Samuane é acusado de ter falsificado documentos para ter acesso à pensão do DDR em nome de Mariano Passane Raiva, patenteado no DDR como tenente-coronel.

“Nós lutamos desde a guerra dos 16 anos, mesmo nos recentes ataques na zona Centro, estávamos presentes, mas até hoje não soubemos como é que alguns que lutaram contra a Renamo fazem parte da nossa lista e nós não fazemos parte, conhecemos vários membros que faziam parte das fileiras das FPLM e outros até recebem como pensionistas, mas aqui no DDR também vão receber com nome diferente”, denunciou Panganane Orlando Tamissone, ex-guerrilheiro da Renamo e líder de um grupo de dezenas de ex-membros.

Nem todos que pagaram foram integrados

Indivíduos como Tomé Lucas, Camacho Draiva, Tendai Sixpence, Mirione entre vários outros assumiram que entregaram gado, mas nunca foram integrados, o que fez gerar um sentimento de burla.

“Fomos enganados, sacrificamos animais que garantem a nossa sobrevivência para termos acesso à integração no DDR, porque o dinheiro que cobraram não tínhamos e os que tiveram, pagaram. Aqueles que tiveram sorte já estão integrados e nós ainda estamos aguardando”, afirmou um dos integrantes do grupo ex-membros.

Anselmo Abílio Vicente, representante da Renamo no simpósio regional centro organizado pelo IMD, interpelado pelo Evidências diz que o processo do DDR é do domínio do delegado provincial da Renamo em Manica e prometeu voltar a contactar para se  pronunciar.  Já passaram duas semanas e não houve qualquer retorno do partido a nível da província de Manica.

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