Luca Bussotti
Corria o ano de 2009 quando as Nações Unidas estabeleceram que o dia 20 de Fevereiro de cada ano devia-se celebrar o Dia Internacional da Justiça Social.
Uma data que, na maioria dos casos, passa por despercebida, até completamente ignorada sobretudo naqueles países que mais a deveriam celebrar. Entre eles, Moçambique.
A expressão “justiça social” está geralmente ligada a duas grandes tradições de pensamento filosófico e político: a da esquerda, embasada em Rousseau e depois Marx, e a doutrina social da igreja católica. Duas concepções que durante muito tempo se cruzaram num terreno de competição, mas que hoje, depois da queda do Muro de Berlim, convergiram num pensamento e até em partidos políticos onde elas dialogam e se complementam.
Segundo se sabe quem cunhou primeiro esta expressão foi um padre italiano jesuíta, Luigi Tapparelli d’Azeglio, que viveu na primeira metade do século XIX. Um século que viu o surgimento do capitalismo na Europa e, de consequência, de análises sociais e até sociológicas, como testemunham as primeiras teorias científicas do social, elaboradas por pensadores positivistas, como Conte, Spencer e Durkheim. Entretanto, uma vez que a preocupação destes pensadores era a manutenção da ordem social, nenhum deles focou a sua atenção num conceito como o da “justiça”. Cabeu, portanto, a quem diariamente vivia em cidades cada vez mais industrializadas, desorganizadas e com evidentes conflitos sociais cunhar este termo e este conceito, que hoje representa a base do pensamento político progressista, seja ela moderado ou radical.
Assim, foi em 1840 que o jesuíta Tapparelli d’Azeglio escreveu, contra os contratualistas, o Ensaio teorético de direito natural apoiado no facto. Um texto que, juntamente com a produção bibliográfica da revista La Civilta Cattolica, que fundou em 1850 com padre Carlo Maria Curci, resultou fundamental para que o Papa Leão XIII escrevesse a Rerum Novarum, que até hoje representa a base da doutrina social da igreja católica.
No pensamento laico foi o italiano Rosmini, também de inspiração católica, a dar continuidade ao ideal de justiça social do padre Tapparelli d’Azeglio, com obras como A Constituição segundo a justiça social, ou o próprio John Stuart Mill, no clássico Utilitarianism.
Do lado do pensamento progressista foi provavelmente Rousseau a reflectir primeiro sobre os mecanismos que tinham provocado a injustiça social típica das sociedades contemporâneas. Rousseau é filho do iluminismo, e seu pensamento foi fundamental como base intelectual da revolução francesa. A sua frase “Os homens nascem iguais, mas em todo o mundo se encontram acorrentados” sintetiza a potência da sua ideia central: a do “falso” contrato social que os mais poderosos impuseram aos menos fortes e abastados, e que deve ser desfeito.
Esta ideia dialética da convivência social representou um ponto de reflexão importante para Karl Marx, que fez da justiça social e do conflito necessário entre classes antagônicas o ponto de referência da esquerda mais radical.
Hoje, a justiça social deveria encontrar um abrigo seguro em todas as sociedades de mundo: duas das principais tendências filosófico- políticas, assim como duas das mais importantes famílias políticas, as de inspiração socialista ou social-democrata, e as de inspiração cristã insistem sobre a necessidade de uma maior justiça social. Entretanto, as forças económicas de processos globais parecem desinteressadas nesta questão fundamental de boa convivência entre seres humanos, perseguindo o lucro e desconsiderando os impactos ambientais de actividades particularmente poluidoras.
O coeficiente de Gini, que mede a distância entre classes sociais, está em franco crescimento em todo o mundo, mesmo em países que no início da sua aventura política independente, como Moçambique, pautaram para uma maior justiça social entre os seus cidadãos.
Ter perdido qualquer referência ao conceito de justiça social que nesses dias deveria se celebrar representa o pior golpe para os que continuam como sendo não privilegiados, marginalizados e excluídos dos mecanismos de inserção nas sociedades contemporâneas. Não é por acaso que o líder provavelmente mais importante da esquerda internacional, o brasileiro Lula, insiste sobre um conceito claro e simples: que os brasileiros consigam, todos, três refeições por dia. Um programa político básico que, se calhar, podia constituir mesmo em Moçambique o objetivo central dos vários partidos do espectro político local, implementando ações coerentes e eficazes.

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