INATRO resgata o debate e regula: vidros fumados alteram características do veículo

POLÍTICA
  • FEMATRO considera que a Lei proposta pelo INATRO é precipitada
  • O documento está ainda em auscultação, mas foi já repudiado

O Instituto Nacional dos Transportes Rodoviários (INATRO) submeteu à apreciação pública a proposta de lei que permitirá sancionar os condutores de viaturas que tenham vidros demasiado escuros, seja por aplicação de películas ou de fábrica. A instituição converge com o posicionamento levantado nos últimos anos pela Polícia da República de Moçambique (PRM), que refere que vidros escuros facilitam o uso de veículos particulares para fins criminosos e dificultam as actividades inspectivas dos agentes de trânsito. O INATRO fundamenta seus argumentos com base no Código de Estrada aprovado pelo Decreto-lei n.1/2011, de 23 de Março, que estabelece que as características dos veículos e dos respectivos sistemas, componentes e acessórios não devem ser alterados. Castigo Nhamane, presidente da FEMATRO refere que a decisão de proibir a circulação de viaturas com vidros escurecidos é precipitada, pois não há condições para banir a entrada de viaturas que já venham de fábrica com os vidros escurecidos.      

Renato Cau

Os vidros escurecidos fazem parte dos componentes das viaturas e as películas afixadas nas aéreas envidraçadas dos veículos por razões estéticas ou por segurança são acessórios que proporcionam muito além de um estilo diferenciado. Proporcionam maior segurança ao condutor e passageiros, protegem contra a incidência de raios solares e garantem maior privacidade no interior para os que estão no interior da mesma. Mas não é assim que INATRO interpreta e resgata os velhos argumentos da Polícia da República de Moçambique (PRM), de que os vidros escurecidos ou simplesmente “fumados” dificultam a visibilidade do condutor e dos demais ocupantes do veículo, como também pode ofuscar os actos de fiscalização do trânsito pelas entidades competentes daí que a proposta deve ser aprovada para que haja regulação.

A inexistência de uma legislação específica que estabelece as condições para os vidros de segurança e critérios para aplicação de materiais nas áreas envidraçadas dos veículos tem causado inquietações, não só do cidadão comum, como também as entidades competentes pela fiscalização do trânsito, e para a instituição que tutela os transportes rodoviários a regulamentação desta matéria torna-se pertinente, pois, para além de responder a imposição legal ao abrigo do disposto, no n.º 1 do artigo 117 do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-lei, n.º 1/2011, de 23 de Março, vai ao encontro da problemática e desafios actuais de segurança pública.

Com esta iniciativa pretende-se estabelecer os requisitos para os vidros de segurança e critérios para aplicação de matérias plásticos/peliculas nas áreas envidraçadas dos veículos, como uma obrigação de implementação dos padrões harmonizados de veículos nos termos do Protocolo da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral sobre os Transportes, Comunicações e Meteorologia, do qual Moçambique é Estado-membro, ratificado pela Resolução n.º 18/98, de 12 de Maio, aprovado pelo Conselho de Ministros.

Regulamente não abrange veículos de titulares de órgãos de soberania

A proposta centra-se nos veículos que transitam nas vias de domínio público do Estado e nas vias de domínio privado quando abertas ao trânsito público, exceptuando os veículos protocolares dos titulares dos órgãos de soberania, de uso exclusivo das Forças de Defesa e Segurança (FDS), os utilizados em serviço de emergências médicas, de transporte de valores e os de uso agrícola, florestal e industrial.

Para os casos em que os vidros já venham instalados de fábrica na viatura, o proprietário deve garantir que o vidro tenha a marca e o símbolo indelével do fabricante do vidro colocados num local de fácil visualização, em conformidade com a legislação moçambicana, definido pelo Instituto Nacional de Normalização e Qualidade (INNOQ).

E é aí onde o presidente da FEMATRO diz não concordar com a entrada em vigor desta lei, pois, segundo avançou, qualquer lei desta natureza deve ser aprovada após ter sido feita a harmonização regional junto de outros países para que não haja choques entre leis domésticas com as internacionais.

“Se esta lei for aprovada, como a Polícia vai fazer quando os carros de países vizinhos entrarem aqui? Como vai controlar? Estamos neste momento a debater ainda sobre a proposta de lei com os nossos parceiros e com as Organizações da Sociedade Civil que é para termos uma versão final. Mas logo a prior, nós como FEMATRO não concordamos que esta lei seja aprovada porque vai criar muitos problemas aos moçambicanos”, avançou Nhamane.

Porém, concorda que não devia se escurecer o vidro dianteiro (para brisas) porque possibilita que sejam vistos e identificados os ocupantes da viatura. Seria como aprovar uma lei que vai criar cada vez mais problemas ao povo moçambicano, pois seriam aplicadas multas desconhecidas aos automobilistas que não têm culpa das especificações das suas viaturas.

E explicou que a lei em causa “não tem a ver só com os transportes dos passageiros, tem a ver só com todo tipo de carros em Moçambique. Seja turismo, chapa, de empresas ou qualquer tipo de viagem”.

O que é permitido?

De acordo com o disposto na proposta de lei a ser apreciada e aprovada, é permitida a aplicação de películas nas aéreas envidraçadas dos veículos, desde que se cumpram as condições de segurança ou transparência em 75% de luminosidade para o vidro pára-brisas, 70% de luminosidade para laterais dianteiros, 35% de luminosidade para os demais vidros, laterais traseiros e traseiro, indispensáveis à condução do veículo.

Mas, a circulação de veículos com afixação de películas nos vidros ficará condicionada à aprovação do veículo em inspecção extraordinária a realizar num centro de inspecção de veículos, e para os veículos que tenham películas afixadas nos vidros devem ter essa indicação expressa na ficha de inspecção, certificado de veículo ou livrete.

Um dos extractos do projecto de lei refere que o condutor que vai desrespeitar o decreto poderá ficar com os documentos da viatura retidos até que remova a pel’icula, salvo se estiver devidamente autorizado pelo INATRO para manter os “vidros fumados” no carro.

Importa referir que o assunto de proibição ou não dos vidros escurecidos nas viaturas em Moçambique já vem dividindo opiniões entre a Polícia da República de Moçambique (PRM) e a Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM). Em 2017, a PGR referenciou que o fundamento apresentado pela polícia não tem cabimento na Lei, pois no seu entender, o artigo 118 do Código de Estrada, o mesmo invocado pelo INATER para controlar o uso de vidros fumados, refere que “considera-se transformação de veículo, qualquer alteração das suas características construtivas ou funcionais (…) ” e “Só tem relevância aquelas alterações que modifiquem características construtivas ou funcionais do veículo, ou seja, aquelas que impliquem uma alteração na própria funcionalidade dos sistemas e que tenham impacto directo no seu funcionamento”.

No mesmo ano, a Ordem dos Advogados (OAM) terá rebatido invocando o n.º 1 do artigo 118 do código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 1/2011, de 23 de Março, e o n.º 1 do artigo 117, do mesmo código, para além do artigo 27 do Decreto n.º 39.987, de 22 de Dezembro de 1954, que aprova o Regulamento do Código da Estrada.

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