INCM promete central de risco para eliminar esquemas de fraude electrónica

DESTAQUE POLÍTICA
  • Em meio a crescimento de relatos de burlas por M-pesa
  • Há suspeita de fuga de informação entre funcionários do M-pesa e burladores
  • Vítima perdeu 30 mil meticais e Vodacom diz que o cliente tem que estar mais atento
  • SERNIC até consegue rastrear os números de burladores, mas o desfecho é duvidoso

No quadro do combate à fraude electrónica, o país vai contar, a partir de Dezembro próximo, com uma Central de Risco, tendo em vista acabar com esquemas de roubo de dinheiro, através de celular e detectar ainda outros meios tecnológicos que indivíduos de má-fé usam para lesar os clientes das empresas de telefonia móvel. Isso acontece numa altura em que crescem relatos de burlas entre utilizadores de carteira móvel, sobretudo a plataforma M-pesa. As vítimas chegam a desconfiar que os malfeitores agem em coordenação com funcionários das operadoras com acesso ao sistema, que fornecem os seus dados que, regra geral, são de acesso restrito.

Teresa Simango/Evidências

Está uma bela tarde. Juan Castelo, nome fictício, está a trabalhar, quando é interrompido por uma chamada. Do outro lado fala alguém que se identifica como funcionário do serviço M-pesa. Com voz convincente, comunica uma transferência por engano creditada na conta de Juan e dá instruções para se reverter a situação.

Não dá sequer tempo deste pensar, envia uma mensagem Pop Up similar às que o sistema manda, anunciando que o seu número recebera 45 mil meticais. Antes mesmo de terminar de ler o conteúdo, outra chama, desta vez para instruir como devolver o valor.

Aparentemente bem generoso, solicita somente a devolução de 30 mil meticais, ao que de pronto Juan Castelo atendeu. Enviou ao número fornecido 30 mil meticais e só mais tarde descobriu que acaba de cair numa cilada. E para a sua desgraça a operadora não só não protegeu seus dados, como também não assegura a devolução do seu valor.

Tal como Juan Castelo, milhares de moçambicanos caem todos os dias nos esquemas de burla por meios electrónicos e perdem milhares de meticais. No entanto, o INCM assegura que este cenário tem dias contados, pois, a partir de Dezembro, o país passará a contar com uma central de risco.

A informação foi avançada, semana finda, pelo director de Comunicações e Estatísticas do INCM, Massingue Apala, durante um seminário organizado pelo Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique, na província de Tete, que contou com a participação de representantes das empresas de telefonia móvel, académicos, empresários, entre outros convidados.

A informação chega numa altura em que se verifica um aumento de reclamações sobre a burla aos usuários da carteira móvel, sobretudo no sistema M-pesa, lesando, por vezes, os cidadãos em milhões de meticais.

Burlado no M-pesa e driblado no SERNIC

Helon Ferreira, agente M-pesa, diz que não tem sido fácil escapar das burlas e que os burladores já chegam no agente com conhecimento de informações/dados que só deveria ser do conhecimento da empresa Vodacom e do agente.

“A primeira burla que sofri foi quando um cliente chegou à minha banca e queria depositar 20 mil meticais. Como é habitual, realizei a operação e ele entregou-me várias notas de 20 meticais que deveriam ser equivalentes a 20 mil meticais, por ele estar apressado e dentro de uma viatura, não houve espaço de tempo para que eu conferisse o valor na presença dele e foi embora. Conferi o valor três vezes e me apercebi que havia sido burlado, pois o valor não correspondia aos 20 mil meticais como o cliente havia falado, mas sim oito mil meticais”, relata.

O agente conta que ficou em pânico, tendo corrido imediatamente para a Vodacom, onde explicou o sucedido, mas foi debalde. Até hoje não conseguiu recuperar o valor e nem sequer foi informado do desfecho do assunto.

“Pediram-me todos os dados, o BI, código de agente, número de telemóvel para ver se realmente tratava-se da minha conta, eles confirmaram que se tratou de uma burla, pois o cliente levantou o valor numa ATM próxima minutos depois de ter feito o depósito. Disseram que iam bloquear o número do cliente e até agora não tenho nenhuma informação e nem consegui reaver o valor, já se passou um mês”, desabafa.

Inconformado, submeteu o caso à polícia, onde depois de uma investigação, os agentes do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) conseguiram localizar o infractor, mas não recuperaram o dinheiro, e o caso foi encerrado de forma estranha, o que leva a vítima a suspeitar que os agentes podem ter sido subornados.

“O SERNIC localizou a pessoa, mas disseram que não poderiam devolver o valor porque o cliente diz que não tem. Disseram que deveria aguardar até ao final do mês, aguardei até ao final do mês e fui à esquadra, mas disseram que o caso foi encerrado e que deveria meter o caso no tribunal. Assim fui burlado, tanto na esquadra, quanto pelos burladores”, relata incrédulo.

Simulação de levantamento, com confirmação, mas depois o dinheiro some

Um outro agente relatou ao Evidências que outro esquema usado pelos burladores consiste em simular um levantamento no agente, que seguidas todas as formalidades recebe uma suposta mensagem de confirmação do sistema, mas estranhamente o valor depois desaparece.

“Um cliente chegou à minha banca e simulou um levantamento de cinco mil meticais, o cliente seguiu todo o procedimento e eu recebi a mensagem com a confirmação de que o cliente havia feito um levantamento no valor pretendido, mas a mensagem era falsa, porque depois de fazer alguns movimentos me apercebi que ali não tinha aquele saldo de levantamento”, relata.

A fonte conta que ligou para a Vodacom a informar o sucedido e a verdade caiu-lhe como uma bomba ao descobrir que, apesar de ter recebido a mensagem de confirmação, ao nível do sistema não estava registado o movimento daquele valor.

“Como eu já havia entregado o valor eles não podiam fazer nada, e disseram que eu deveria passar a prestar atenção para ver quando a SMS é verdadeira ou falsa. Até hoje não sei como ele conseguiu ter acesso aos meus dados para conseguir me mandar a mensagem”, sustenta.

Fuga de informação ou colaboração entre funcionários do M-pesa e burladores

Outra questão que preocupa aos utentes da carteira móvel, sobretudo M-pesa, que se destaca em termos de números de caso relatados por ser líder do mercado, tornando-se mais exposta, é o facto de haver uma aparente fuga de informação e/ou colaboração entre os burladores e agentes do M-pesa.

É que, segundo apurou o Evidências, os burladores acedem previamente às informações das suas vítimas, incluindo informações sobre os seus saldos, códigos e IDs.

“Acredito que na empresa exista uma fuga de informação, o burlador quando vem ao seu encontro já tem o seu código e o seu ID, eles levantam consoante esses dados. Eles já sabem qual o código certo, só precisam que você movimente a conta para aparecer a burla, acredito que a informação parte de lá, só nos é difícil saber quem tira a informação, porque quem tem acesso ao ID é a empresa e o agente”, desabafou a fonte.

Quem também não escapou a burla dos malfeitores foi um cidadão de 60 anos, que preferiu falar em anonimato e o identificamos neste artigo como Juan Castelo. Explicou a nossa equipe de reportagem que recebeu uma chamada e instruções de que deveria transferir o valor da conta M-pesa para o número que haveria de receber porque houve uma falha no sistema e recebeu por engano um valor na sua conta.

“Eu estava a trabalhar e recebi uma chamada de um senhor que disse que era funcionário da Vodacom, perguntou qual era o saldo da minha conta e disse que enviou um valor para minha conta por engano e pediu que eu devolvesse, mas antes haveria de enviar um outro valor para que eu devolvesse a diferença, depois disso recebi uma mensagem que dizia que recebi 45,780.00MT em nome de uma senhora e de seguida o senhor voltou a ligar e pediu que eu devolvesse 30 mil meticais, só depois de transferir o valor percebi que tudo não fazia sentido”, relatou.

A vítima conta que bastou um momento de distracção por causa do trabalho para perder 30 mil meticais numa só sentada e quando despertou já era tarde demais.

“Como estava a trabalhar não prestei atenção. Feito isso, dirigi-me à loja Vodacom para apresentar a situação, foi lá que percebi que não teria o valor de volta, pois tratava-se de uma burla. Eles orientaram a prestar mais atenção, pois eles não mandam sms de género e o número pelo qual eles contactam os clientes é 84111”, relatou a vítima, clamando maior protecção aos clientes por parte da operadora.

Vodacom – M-pesa promete se pronunciar e desmarca a cima da hora

Visando obter mais esclarecimentos em torno das suspeitas de colaboração entre os funcionários do M-pesa e os burladores, que facilita acções de burla aos clientes, para além de saber que medidas a operadora com maior carteira móvel, em termos de clientes, no país tem estado a fazer para proteger os clientes e seus dados, o Evidências contactou, semana finda, a Vodacom Moçambique através da sua assessoria de imprensa.

De pronto, a empresa respondeu positivamente, prometendo entrevista para esta segunda-feira, mas quando entramos em contacto fomos informados do adiamento da entrevista e que devíamos fazer as questões numa conferência de imprensa convocada para esta terça-feira.

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