“Estou aqui porque acredito que a mulher tem força, estou pelos oprimidos e aquelas pessoas que não são ouvidas”

DESTAQUE POLÍTICA
  • Eunice Andrade confessa que foi vítima de perseguição após o anúncio da candidatura
  • “Perdi 99,9% dos contratos e muitos deixaram de seguir-me nas redes sociais”
  • “Quero que as pessoas governem Maputo comigo”

Eunice Andrade tornou-se na primeira mulher a liderar uma lista para as eleições autárquicas ao nível da Cidade de Maputo. No próximo dia 11 de Outubro, Andrade, que dispensa qualquer tipo de apresentação na área de entretenimento e activismo social, vai ombrear com Venâncio Mondlane da Renamo, Razaque Manhique da Frelimo e Augusto Mbazo do MDM, pelo cargo que actualmente é desempenhado por Eneas Comiche. Numa extensa entrevista ao Evidências, a cabeça-de-lista da Nova Democracia mostrou-se destemida e falou dos seus planos para mudar o actual estágio da capital moçambicana. Se por um lado, através da sua candidatura Eunice Andrade pretende mostrar que todas mulheres têm capacidade de fazer algo pela nossa sociedade, bastando apenas crença e determinação, por outro, para além de denunciar que foi alvo de perseguição logo depois que foi anunciada como cabeça-de-lista do partido liderado por Salomão Muchanga, por sinal seu ídolo na arena política, vincou que está na corrida em representação dos oprimidos, sobretudo aqueles que não têm voz.

Teresa Simango

É a primeira mulher a liderar uma lista de eleições autárquicas ao nível do município de Maputo? De onde surgiu esta motivação pela política?

Em primeiro lugar, é um desafio muito grande, e podem até pensar que a Eunice caiu de paraquedas, mas eu sou activista social já há anos, e há vários anos que eu lido com questões políticas e fui lendo muito. Tudo que me fez seguir e assumir a política activa nesta fase foi o meu líder Salomão Muchanga, porque eu já caminhava com ele em várias actividades.

Quando ele era presidente do Parlamento Juvenil fui vendo e ouvindo jovens a falar e vendo uma nova sociedade. Eu sou muito observadora, sou munícipe desta cidade desde os meus cinco anos de idade, resolvi que este é o momento para eu mostrar que tenho voz pelas pessoas que não a tem, e nem coragem. Serei a voz deles e isso me motivou, sem dúvida, a entrar com muita garra, coragem e muita fé.

Quando foi que a Eunice entrou para a Nova Democracia?

-A Nova Democracia já existe há três anos. Antes não mostrei presença, mas sempre estive lá apoiando o meu líder e todos os militantes, por isso agora resolvemos mostrar que a Eunice tem uma cor partidária e uma cor com as cores da esperança, da juventude e das mulheres. Estou na ND desde a sua criação.

O nosso lema é inspirar as pessoas a sentirem que podem fazer a diferença”

Estamos num país em que as mulheres têm pouco espaço. Como é que a sua nomeação pode estimular mais mulheres a serem protagonistas nos próximos pleitos eleitorais?

Em primeiro lugar, estou feliz porque só pelo facto de ser anunciada cabeça-de-lista muitas mulheres sentiram-se empoderadas, representadas, e muitas disseram se a Eunice pode por que eu não posso? Não só mulheres como jovens, é mesmo para inspirar as pessoas e dizer que é possível, desde que haja foco e determinação. Mais do que ser uma candidata é poder abrir a mente da juventude, das mulheres e dizer que todas têm capacidade de fazer algo pela nossa sociedade, pelo nosso país.

Os munícipes não estão satisfeitos com o actual estágio da cidade de Maputo. O que o seu manifesto traz para resolver os crónicos problemas da cidade das acácias?

– A insatisfação é de todos. Sentimos isso a cada actividade de mobilização que temos feito nos mercados. Sou muito de terreno, base, ir ao campo, estar em contacto com as pessoas e ouvir delas. Disse logo no anúncio da nossa candidatura, quando foram anunciados os cabeças-de-lista, falei algo que é verdade, o meu manifesto são os munícipes da cidade de Maputo e antes de criarmos os nossos manifestos ouvimos dos nossos munícipes, ouvimos aquelas pessoas que estão todos os dias nas ruas, nas paragens, nos mercados. Somos um partido de inclusão e sem dúvidas o nosso manifesto é um manifesto de inclusão. Queremos trazer uma nova cultura de governação participativa para o município de Maputo, em que as portas estão sempre abertas e escancaradas. Quero que as pessoas se sintam em casa e sintam-se a governar Maputo. Quero que as pessoas governem Maputo comigo, mais do que isso, e poder trazer inclusão e troca de experiências entre as pessoas, um concurso de ideias empreendedoras, programas para jovens.

Tem adversários que dispensam qualquer tipo de apresentação na arena política, sendo uma caloura nessas andanças como pretende fintar o factor experiência?

Tenho 44 anos de idade e 30 anos de carreira. Estou na área da comunicação há 30 anos, tenho a minha popularidade, uso redes sociais e não estou aqui para driblar ninguém de forma injusta, vai ser com o trabalho. Para estar lá e fazer jus a minha popularidade é respeitando primeiro o adversário, respeitar-nos uns aos outros e no dia 11 de Outubro vamos ver como vai ser, mas estamos certos da vitória.

“Queremos trazer o informal organizado e os mercados mais atrativos”

Estamos num país em que o grosso das vezes ser membro de um partido da oposição é sinônimo de perseguição, Já foi vítima de alguma perseguição desde que foi anunciada cabeça-de-lista na Nova democracia?

– Já sofri perseguição sim, optei pelo silêncio e não foi uma coisa leve, foi pesada. A minha forma de ser e de estar é não bater de frente com ninguém. O que me aconteceu entreguei nas mãos de Deus e estou aqui porque confio nele. Quando falamos de algo as pessoas que criaram alguma situação sentem-se importantes e eu não dou importância, prefiro ficar assim indiferente.

O partido ND existe há três anos. Como é que olha para o nível de aceitação dos munícipes de Maputo?

– Nos nossos trabalhos temos feito mobilização e a cada dia que passa há cada vez mais mulheres e jovens a juntarem-se ao nosso partido. Brincava em uma das reuniões que a nossa sede tornou-se pequena para receber tantas pessoas, a cada reunião que temos há mais pessoas, mulheres e jovens, aliás, pessoas de todas as idades, que são ouvidas. Todos fazem parte da tomada de decisão, que seja o que for, o que o partido tenha, as pessoas que chegam hoje têm voz para dar opinião. O nosso manifesto não é da Eunice, é de todos aqueles que querem ver o município da cidade de Maputo, a mulher e que seja um cartão postal a nível de África, não é impossível.

O que se pode esperar da Eunice Andrade como Edil da cidade de Maputo?

– Vou apostar na inclusão, trazer uma cidade das acácias intercultural, trazer o programa de desporto saudável, hábitos saudáveis. Temos artérias da cidade que podemos caminhar, praticar exercício físico, olhar para os nossos jardins que pertencem ao nosso município e poder criar actividades em que as crianças, os pais se sintam à vontade de passar uma tarde no jardim. Queremos trazer o informal organizado e os mercados atrativos. Existem infraestruturas criadas nos mercados, mas as pessoas não vão para lá porque dizem que as pessoas não chegam. Mostramos que é possível estar lá e as pessoas chegarem lá, então é um trabalho. Não sou uma pessoa de colocar o salto alto e permanecer no escritório, por isso vou continuar a estar perto das pessoas que fazem o nosso município crescer a cada dia que passa.

“Muitas pessoas deixaram de me seguir nas redes sociais”

Olhando para o panorama político nacional, independentemente da cor partidária qual é o dirigente que te inspira?

 

– Vou falar de Salomão Muchanga não por ele ser presidente da Nova Democracia, não por ele ser o meu líder, vou falar de um ser humano com visão e ele não está para caminhar sozinho porque o verdadeiro líder não caminha só, ele te dá ferramentas para executares mais ele não te deixa, está sempre presente e a caminhar de mãos dadas. Acho que o que falha na liderança é isto, há muitos chefes e poucos líderes.

 

Os líderes eles têm que impulsionar, dar ferramentas e dar oportunidade às pessoas de mostrar a suas capacidades de usar aquelas ferramentas e poder seguir, então ele é o meu líder político, a pessoa que me inspiram para que eu possa dizer que estou firme com os pés assentes no chão e vou seguir em frente sempre.

 

Qual é o sentimento ao ser a única mulher a se candidatar para as eleições autárquicas na cidade de Maputo. Como está psicologicamente para lidar com isso?

 

– Não sou uma pessoa emocionada e nunca fui em toda a minha vida. Não sou pessoa de querer aparecer na televisão, eu já sou famosa, já fiz minha carreira e graças a Deus cumpri algumas etapas. Se calhar quebrei e fiz corta-mato, mas eu pensei e refleti, falei com o meu marido e no fim a decisão foi minha. Parei e pensei e disse eu Eunice já fiz por mim e neste momento a decisão não foi pensar em mim. Vejo nas redes sociais pessoas a dizer que quero dinheiro e fama.  Já sou famosa e não sou rica, vivo com o mínimo de dignidade para dar aos meus.

 

Não estou à procura de dinheiro de ninguém, estou ciente de que tem tigres, tubarões e leopardos. Estou aqui porque acredito que a mulher tem força, estou pelos oprimidos e daquelas pessoas que não são ouvidas, mas acima de tudo defino a minha decisão como coragem, ouço isso de tudo e de todos. Horas após eu ter sido anunciada como cabeça-de-lista recebi chuva de mensagens, ligações de várias pessoas, umas a amedrontarem e outras a aceitarem a minha coragem, então acho que tenho.

 

Seria este o momento de trazer mensagens de esperança e tirar as mulheres do anonimato?

 

– Sem dúvida, até já venho fazendo isso, mas o despertar que eu tenho agora e esta visão é que as mulheres também podem liderar, podem ocupar cargos de liderança, política, muita gente acha que precisa ser letrada para ser uma pessoa empoderada. Já temos mulheres fortes e empoderadas na nossa sociedade, temos mulheres que levantam outras mulheres, é algo que já está a ser falado, actividade que estão a ser feitas, mas nem todas fazem com aquela força de querer puxar. Alguns é só para aparecer para fazer bonito, mas eu estou neste momento em contacto com mulheres e eu ouço o dia a dia delas, sofrem até violência, mas não pararam. É sim o momento de levantar outras mulheres e não vou parar por aqui.

 

Quais foram as mudanças que marcaram a sua vida desde que decidiu abraçar uma cor partidária e se tornar cabeça de lista?

 

– Eu sou muito espontânea, tudo que penso que posso, eu faço. Uma simples publicação que fazia antes já não posso fazer, muitas pessoas vão às minhas redes sociais e deixam de seguir-me porque agora eu já tenho um rosto e este rosto é a Nova Democracia. Existem pessoas que vão às minhas redes sociais para criar várias opiniões, e até intrigas, mas ainda bem que nas nossas redes sociais podemos bloquear e apagar comentários.

 

Tudo que eu fazia antes agora tenho que pensar 10 vezes. Fiz uma publicação a apoiar o Doppaz porque ele é meu amigo, mas acordei bombardeada. Não fiz aquilo para ganhar likes e seguidores. As pessoas deixaram de ser humanas, deixaram de ter amizades só porque agora estão na política? Claro que não, eu mesmo sendo dirigente não vou deixar de usar as minhas redes sociais. Sou a brincalhona que anima as festas, danço não sei o que, mas infelizmente já não posso fazer porque não se sabe se alguém está a filmar e se vai ser usado para que fim.

 

Agora passo mais tempo dentro da minha casa do que fora, só saio se tiver que sair em actividades. Perdi 99,9% dos contratos. Sei que vou ter muitas pessoas no silêncio a fazer campanha por mim e não dar caras, tenho a classe artística e meus colegas da comunicação social, estarei a representar todos que fazem parte da minha história, do meu currículo, os munícipes e a cada casa que eu entrei sem pedir licença, eu quero o melhor para cada munícipe desta cidade.

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