Ainda é conforme os Estatutos

EDITORIAL

O debate sobre a sucessão na Frelimo incide, nos seus pontos de discórdia, sobre aspectos que não constam dos estatutos do Partido. E o que a administração da Frelimo ignora é que não é necessário que algo esteja legislado para que seja respeitada a forma com que um grupo ou uma sociedade vem, de forma habitual, lidar com um determinado problema.

 

Os militantes da Frelimo encaram, com toda legitimidade, o processo da sucessão olhando para aquilo que foi o processo da transição nas últimas duas administrações, que são de Joaquim Chissano para Armando Guebuza e deste para Filipe Nyusi. Cada um conduziu o processo da forma que achou que deveria, porém sem se descurar daquilo que eram as expectativas dos militantes e muito menos dos grupos dos interesses que na administração actual estão a ver suas aspirações marginalizadas. Aliás, a péssima gestão das expectativas vai configurar como uma das principais razões do fracasso do governo no consulado de Nyusi, basta olhar os casos de Cabo Delgado e da TSU.

 

Tradicionalmente, é na gestão da vontade colectiva e esforço de contornar conflitos evitáveis que a Frelimo decidiu que devia afastar o poder da região Sul, e para o efeito apostou no Norte. Os estatutos continuaram indiferentes sobre a escolha dos candidatos com base na região, mas mesmo com esse vazio estatuário ficou consensualizado que a subida do poder para o planalto materializa a vontade colectiva dos militantes da ideia de distribuição do poder por região. E as declarações de que a escolha do sucessor de Nyusi não serão com base na região devem ser apenas vistas como as politicamente correctas, afinal tem o conforto estatuário, mas estão longe de aplicável sob o risco de perpetuar a crise no partido. Um contexto que favorece apenas líderes medíocres, acostumados a dividir para gerir minorias e isolar os que representam ameaça.

 

Não é por lapso que a lista dos candidatos que pululam na imprensa seja na sua maioria do Sul. Os candidatos que estejam no Sul devem, a princípio, saber que estão no extremo errado e com potencial de criar mais conflitos que soluções. Afinal, existem no Centro pessoas capazes.

 

Outro aspecto que encontra um vazio dos estatutos, e por isso é manipulado, está relacionado com o tempo que os candidatos devem ser indicados. E a Frelimo deve olhar com seriedade este ponto e se necessário começar a equacionar sua inclusão nos estatutos, sob o risco de que os próximos também explorem o mesmo vazio dos estatutos.

 

Os pré-candidatos precisam de tempo para vender suas ideias, expor o que pensam do país, mostrar os seus planos de governação e mobilizar os membros do Comité Central nas 11 províncias para comprar essas propostas. A administração Nyusi está a roubar-lhes esse direito, a anular esse espaço de debate e avançar por um caminho não consensual, que no lugar de curar e unir acaba por aumentar as feridas abertas.

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