Um Comité Central de aflitos que pode surpreender até o próprio Nyusi

DESTAQUE POLÍTICA
  • Em meio ao silêncio do chefe, há candidatos que preferem consolidar a base de apoio
  • Samora Machel Jr. entre os primeiros a formalizar e ter um manifesto
  • Basílio Monteiro desce ao Lingamo e namora os presos “políticos” das Dívidas Ocultas
  • Nyusi, em silêncio, esquiva reunir-se com os inspirastes a candidatos e com os velhos. Há dois meses que Chissano tenta sentar com o Chefe
  • Celso Correia adopta estratégia do silêncio, enquanto os mensageiros fertilizam o terreno. Uma estratégia diferente do Pacheco

A Frelimo reúne-se nesta sexta-feira e sábado (5 e 6), no Município da Matola, província de Maputo, naquela que será a terceira Sessão Ordinária do Comité Central, o órgão mais importante daquela organização política no intervalo entre os congressos. A sessão é antecedida de reuniões dos órgãos sociais (OJM, OMM e ACLIN) e já chamado de Comité Central dos Aflitos devido ao clima de incerteza instalado, em que ninguém praticamente sabe o que realmente irá acontecer, incluindo o próprio Presidente do partido, que se tem recusado sistematicamente a “sentar” com os veteranos, incluindo o antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, que vem solicitando audiência sem sucesso há dois meses. Diante da incerteza, os pré-candidatos retraíram-se, abraçaram o silêncio e evitam aparições públicas, enquanto os lobistas que normalmente financiam a compra de votos e de consciência, para depois controlarem quem ganha, estão também em desespero com o dinheiro em “Modo Espera”. Ao que se sabe, por decisão da reserva moral do Partido poder-se-á controlar esquemas de venda e compra de votos. Enquanto isso, em surdina, alguns candidatos têm feito algumas acções, ainda que longe dos holofotes.

Evidências

Paira uma incógnita sobre o processo da sucessão na Frelimo. Apesar de serem avançados nos bastidores nomes que configuram aspiração do Chefe, não há, no momento, nenhum que se apresenta de forma expressa como o consensual, um cenário que vai abrindo espaço para especulação e proliferação de aspirantes a candidatos mesmo sem apoio do Chefe. Mas, o desalinhamento não é apenas na vertical, é também na horizontal.

Nyusi não está a tentar buscar nenhum consenso com os “velhos” do partido, é o que sugere o seu distanciamento a ponto de evitar reunir-se com pessoas como Alberto Chissano, Mariamo Matsine, para evitar discutir sucessão. Já se sabe da sua relação pouco íntima com família Guebuza e Machel, mas com Chissano, entre outros veteranos, é uma novidade. Facto que cria incerteza num momento que algumas vozes vêm pressionando para que mostre a “direcção do modo a alinharem-se (seguir orientação)” ou não.

Mas o silêncio não impede os “candidatos confessos”, ainda que remetidos ao silêncio e procurem andar longe dos holofotes, de prosseguir consolidar o apoio, mesmo com o silêncio do Chefe.

Basílio Monteiro, que figura entre os primeiros a criar um Gabinete de Preparação para ser pré-candidato, vem mostrando que não se incomoda com as incertezas que pairam sobre o processo da sucessão. Num momento em que não há direcção ou orientação a nível mais alto, ele vem preparando o seu chão e dedicou a última quinta-feira (28) para visitar os presos “políticos” das dívidas ocultas na Cadeia da Máxima Segurança. Monteiro, secretário do Conselho Nacional de Defesa e Segurança, deixou mensagem de solidariedade, que entre várias interpretações, sugere que está mais alinhado com Guebuza do que com Nyusi.

Lembre-se, o mandato de Nyusi pode ser resumido na perseguição à família Guebuza, e qualquer aproximação com estes últimos pode ser vista com hostilidade pelo número um, que procura desesperadamente fazer eleger um candidato longe da esfera de influência de Guebuza para não conhecer o sabor da vingança.

Entre os candidatos confessos consta o nome de José Pacheco, que tarde percebeu que a sua exagerada exposição foi usada pelos seus detractores que chegaram a manipular sua imagem nas redes sociais, que vinha legendada “candidato a presidente”.

Ele retrocedeu e preferiu consolidar a estratégia de buscar apoio na sombra, estratégia que nalgum momento foi interpretada como sinal de desistência. Na mesma lista, seguem nomes como Celso Correia, que, obstinado, prefere abraçar o silêncio, depois de esperar entrar na corrida com apoio do chefe, mas agora prefere sua distração para avançar em nome próprio. Há quem arrisca dizer que Correia é dos poucos que conhece a estratégia dos seus concorrentes, ao simular, na sua astúcia, apoio aos potenciais pré-candidatos em nome próprio e dos seus mensageiros.

Filho de Machel adianta-se, é o único candidato com manifesto

Samito, como é conhecido Samora Machel Jr., está um passo mais à frente, numa tentativa de romper com o silêncio, na “corrida de aflitos e cautelosos”, que acreditam que a candidatura mais legítima é aquela endossada pelos terceiros. Aqui os terceiros são os Chefes que, através da Comissão Politica, se recusam a discutir abertamente a sucessão.

Havendo, no momento, narrativas de um esforço de empurrar para o Comité Central a responsabilidade de escolher os pré-candidatos que deverão ser submetidos à votação, numa Sessão Extraordinária a realizar-se em Maio próximo, um prazo apertado para um partido que pretende submeter a candidatura do seu candidato a Presidente da República dentro do prazo (13 de Maio a 10 de Junho) com suporte de pelo menos 200 mil assinaturas (obrigatório 20 mil) num esforço de imprimir maior legitimidade. Não está aqui incluído o tempo para o candidato juntar a documentação. Tendo em conta o calendário, seria uma estratégia suicida, salvo haja prorrogação das datas para submissão das candidaturas.

A Comissão Política pode voltar a reunir-se entre terça e quarta-feira para aprovar, em definitivo, a agenda da terceira Sessão Ordinária do Comité Central. A margem desta reunião, decorreu esta segunda-feira (01) a reunião da OJM, e na quarta feira (03) irá decorrer a sessão da OMM, enquanto que a de ACLIN, que deverá anteceder o Comité Central, irá decorrer na quinta-feira (04). A reunião da ACLIN irá discutir a questão do perfil do candidato à sucessão de Nyusi, aliás, nos bastidores, consta que é a mais determinante para definir se a terceira sessão do Comité Central discute ou não a sucessão.

Samito é membro da ACLIN e tem influência neste órgão. Em 2022, na votação dos membros do Secretariado do Comité Nacional, esteve como preferido com 100% de votos. Na lista dos homens, Samora Machel Jr., com 100 por cento dos votos, suplantou Faustino, que se quedou em segundo lugar, seguido de João Américo Mpfumo, sugerindo que a imposição de uma candidatura única buscava evitar que o órgão fosse dirigido por pessoas que não sejam de ala de Filipe Nyusi. Nas mulheres, a votação colocou Maria da Luz Guebuza com 100 por cento dos votos, Graça Machel com 98%, enquanto Teresa Veloso e Nyeleti Mondlane aparecem logo a seguir.

Estes números podem ter influenciado para convencer o Samito, cujo apelido é único capital político publicamente conhecido, à concorrer mesmo com a indiferença e não aprovação de ala Chipande.

O escopo do manifesto

No manifesto de Samito, que o Evidencias teve acesso, lê-se que “a minha candidatura é fundamentada nos princípios da busca pela paz, pelo respeito à diversidade e à diferença, a promoção da inclusão e igualdade, dignidade humana e assegurar o crescimento económico de Moçambique para garantir um ambiente propício ao desenvolvimento económico e social, com especial atenção à criação de empregos para jovens e assistência aos mais necessitados. A minha candidatura é um misto de inquietações, mas também de esperança, visando dar respostas aos problemas e desejos dos moçambicanos”.

Samito mostra no documento estar ciente de que o país vive tempos de mudanças históricas: “(i) Mudança política (somos cada vez menos os que se lembram dos tempos em que lutávamos pela nossa independência política), (ii) mudança social (as novas gerações têm acesso a conhecimento e informação sobre o mundo que nós nem sonhávamos alcançar na idade deles) e (iii) mudança global (os novos paradigmas sobre energia e recursos, a redefinição dos equilíbrios geo-estratégicos globais). O nosso desafio não é apenas o de desenvolver Moçambique; é de levar Moçambique a encontrar o lugar a que tem direito no concerto das nações”.

Adiante, destaca que ao manifestar-se, perante os camaradas, “como pré-candidato”, o seu compromisso baseia-se em princípios fundamentais que refletem os valores mais nobres, como Partido Frelimo e como Povo.

Nos seus fundamentos, consta a Busca pela Paz, o respeito à diversidade e à diferença, o crescimento económico, a inclusão e assistência social, e a priorização dos Sectores Sociais (inclui aspectos de segurança). Todos estes capítulos detalhados num documento de seis páginas.

Ele defende que não há mudança sem esperança. “Combateremos a impunidade daqueles que não estão ao lado da Lei e do Povo, pois é um imperativo moral da classe política perante toda a Nação. E é também o caminho inevitável para que a cultura do mérito vingue sobre a cultura do privilégio.”

As reticências no manifesto

Muitas interpretações abrem-se com a decisão do Samito de forçar a discussão da sua candidatura em momentos incertos, uns a defender que ele busca, mesmo ciente do aparente fracasso (afinal só tem apelido), romper com o silêncio que norteia o processo da sucessão (à semelhança do Venâncio na Renamo) para depois negociar e outros a defender que num momento em que são jovens a liderar movimentos de mudança como se viu em Senegal, tem alguma esperança.

Do resto, o silêncio em volta dos pré-candidatos da Frelimo é o mais longo da história da Frelimo, afinal em 62 anos de existência, sempre elegeu seus candidatos com pelo menos 10 meses de antecedência. A sucessão de Armando Guebuza, por exemplo, começou a ser desenhada em 2013 e o seu sucessor ficou conhecido no primeiro dia do mês de Março de 2014, tendo tido oportunidade de fazer pré-campanha ao longo do ano e à boleia dos recursos do Estado.

Alberto Vaquina (então primeiro-ministro), José Pacheco (então ministro da Agricultura) e Filipe Nyusi (então ministro da Defesa) foram os pré-candidatos escolhidos pela Comissão Política da Frelimo, a 7 de Dezembro de 2013, sendo que Filipe Nyusi foi confirmado sucessor de Armando Guebuza na noite do dia 01 de Março, após derrotar, na segunda volta, Luísa Diogo (candidata de última hora) por 135 votos (68%), contra 61 (31%).

Entretanto, enquanto a Comissão Política continua no silêncio sobre os possíveis sucessores de Filipe Nyusi, nos bastidores constam, para além dos pré-candidatos confessos, nomes como Aires Ali, Luísa Diogo e Amélia Muendane. Mas, o silêncio de Nyusi abre espaço para muitas incertezas, que não exclui o pior cenário.

Facebook Comments