Desde a proclamação da Independência nacional em 1975, a agricultura foi descrita como prioridade na agenda dos sucessivos governos do partido Frelimo. Actualmente, o sector desempenha um papel crucial na economia de Moçambique e no bem-estar da sua população (MADER, 2020), sendo a base da economia nacional, contribuindo com quase um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) e empregando quase 70% da força de trabalho do país. Com a introdução da democracia multipartidária, em 1994, a agricultura tem sido um ponto central nos manifestos eleitorais dos partidos políticos, frequentemente usada como peça indispensável para o desenvolvimento ou como caminho para o progresso.
Entretanto, apesar de haver um consenso nacional sobre a importância do sector na economia e na vida dos moçambicanos, observa-se uma falta de clareza por parte dos candidatos presidenciais na actual corrida eleitoral quanto aos seus planos concretos para este sector.
Analisados os manifestos dos principais partidos políticos, nomeadamente Frelimo, Renamo e Movimento Democrático de Moçambique (MDM), não se vislumbram propostas claras para o sector da agricultura.
Outrossim, discute-se pouco sobre o papel que este sector deve desempenhar na agenda de desenvolvimento do país no próximo ciclo de governação.
A ausência de propostas detalhadas e explícitas para o sector agrícola é preocupante, considerando a sua importância para a economia, a segurança alimentar e o desenvolvimento das zonas rurais[1]. A situação torna-se ainda mais preocupante no contexto das mudanças climáticas, que estão a intensificar a insegurança alimentar. Fenómenos climáticos extremos, como secas prolongadas e inundações devastadoras, estão a tornar-se cada vez mais frequentes e severos no país, comprometendo a produção agrícola e dificultando o transporte de alimentos. Essas condições afectam especialmente as regiões norte e centro, destruindo culturas, reduzindo a disponibilidade de alimentos, elevando os preços e agravando a pobreza. Além disso, esse ciclo de insegurança alimentar é exacerbado pelos impactos da guerra na Ucrânia e pela pandemia global.
Diante deste cenário crítico, é incompreensível que os manifestos eleitorais dos principais partidos políticos quase não abordem estas questões fundamentais que afectam cerca de 70% da população que vive na zona rural e depende directamente do sector agrícola. A falta de propostas detalhadas e robustas sobre a agricultura e as mudanças climáticas revela uma preocupante ausência de atenção a desafios urgentes, essenciais para a segurança alimentar e o bem-estar da população.
Os riscos da falta de priorização da agricultura
A ausência de uma visão estratégica e de compromissos concretos por parte dos candidatos pode comprometer não apenas o progresso do sector, mas também o bem-estar de milhões de moçambicanos que dependem directamente da agricultura para a sua subsistência. Vale ressaltar também que a falta de uma agenda clara pode agravar os desafios existentes e limitar o potencial de crescimento e inovação no sector agrícola.
A marginalização do sector é um erro por parte dos partidos políticos, tendo presente que a agricultura é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento de Moçambique, facto que levanta preocupações sobre o real compromisso dos candidatos com a melhoria das condições agrícolas que consubstancia melhoria de vida das famílias moçambicanas.
Sector Agrícola e Ligacções com o Desenvolvimento e o Emprego
Mais de 70% da população moçambicana depende da agricultura de subsistência. Este sector não só é essencial para a segurança alimentar e a redução da pobreza, como também possui um enorme potencial para gerar rendimento e emprego.
O sector agrícola pode desempenhar um papel crucial na criação de empregos e no desenvolvimento económico de Moçambique, especialmente em áreas rurais. Ao diversificar a produção agrícola para incluir actividades de processamento, o país pode gerar novas oportunidades de trabalho em várias áreas.
O processamento de produtos agrícolas não só cria empregos directos na transformação desses produtos, mas também demanda funções adicionais em logística, supervisão e manutenção de equipamentos.
Além disso, o desenvolvimento de unidades de processamento pode incentivar a formação de mão-de-obra local qualificada e oferecer formação em competências técnicas.
Com o aumento da procura por produtos processados, também se criam empregos indirectos relacionados à produção de insumos e serviços auxiliares. Esta expansão do sector agrícola não só melhora a renda dos agricultores ao agregar valor aos seus produtos, como também contribui para a estabilidade económica e o desenvolvimento sustentável das comunidades rurais.
Diante deste contexto e do potencial do sector para gerar empregos, é surpreendente que os candidatos não se pronunciem com clareza sobre a agricultura, enquanto fazem grandes promessas de emprego, especialmente para a camada jovem.
Desafios do sector e Agendas que devem ser priorizadas
Em Moçambique, após a independência, inúmeras políticas e estratégias foram desenvolvidas para o sector agrário, em particular, na sua maioria desenhadas numa perspectiva de cima para baixo, deixando em segundo plano os principais intervenientes desta cadeia, nomeadamente os agentes locais e regionais, suas visões, anseios, preocupações e perspectivas[2].
Ao longo dos anos o país vem passando por vários processos de mudanças políticas, económicas e sociais, resultantes de um conjunto de transformações no sector agrário. Contudo, apesar da implementação dessas acções, a realidade é que a agricultura em Moçambique ainda enfrenta desafios significativos.
O sector é caracterizado por baixa produtividade e baixos lucros, e a sua contribuição para o PIB nacional é inferior à média observada em outros países da África Subsaariana. Além disso, praticamente não houve um desenvolvimento significativo do sector nos últimos 20 anos.
O consenso entre políticos, agências de desenvolvimento e sociedade civil sobre a importância da agricultura é quase universal. Os documentos governamentais e as análises produzidas recentemente destacam os principais desafios enfrentados pelo sector, que incluem: a variação na adequação de solo e clima, com diferenças significativas a nível local, a falta de acesso à terra, acesso limitado à tecnologia e insumos, como sementes melhoradas, irrigação, pesticidas, fertilizantes e equipamentos modernos, o acesso deficiente a serviços de apoio, a distância dos pequenos agricultores aos mercados, falta de infraestrutura rural e a vulnerabilidade a choques e desastres naturais.
Esses desafios contribuem para o mau funcionamento dos mercados de factores de produção e produtos, elevados custos de transação e volatilidade dos preços, agravando as dificuldades enfrentadas pelos agricultores. A agricultura, em muitos contextos em Moçambique, não é vista como uma estratégia de rendimento, mas como um meio de sobrevivência. A resolução dos constrangimentos para melhorar essas condições desfavoráveis deve ser uma prioridade para garantir meios de subsistência dignos, o que deve, assim, prioridade daqueles que pretendem governar o país um dia.
Caminhos para o Futuro
Um paradoxo evidente é que, embora exista um consenso sobre a importância da agricultura, esse consenso não se traduz em investimentos públicos concretos a longo prazo e igualmente a agricultura ainda não cumpre o papel que lhe é definido na Constituição da República e nos vários programas e estratégias do Governo de Moçambique
A despesa pública na agricultura frequentemente fica aquém do previsto e a tendência tem sido a de contar cada vez mais com o sector privado e parcerias público-privadas para impulsionar o desenvolvimento agrícola. Entre as soluções propostas estão investimentos em infraestrutura rural e inter-regional, factores de produção agrícola, irrigação, electrificação e mecanização do sector.
Outro ponto-chave é a diversificação das abordagens políticas. As soluções para os agricultores de subsistência são distintas daquelas necessárias para os agricultores comerciais com potencial de crescimento. Aplicar uma abordagem simplista e generalizada pode não ser eficaz e pode até resultar em efeitos adversos. Portanto, há soluções e esperança para o sector agrícola em Moçambique.
O consenso sobre a importância do sector agrícola oferece uma oportunidade valiosa para que o governo e o sector privado realizem investimentos substanciais nesta área. Aproveitar este consenso pode assegurar que o governo comprometa recursos significativos para a agricultura, como estipulado pelo Acordo de Maputo, que prevê um investimento mínimo de 10% do orçamento nacional no sector.
Um compromisso robusto com a agricultura não só impulsionará o crescimento económico e a criação de empregos, mas também garantirá a segurança alimentar e o desenvolvimento do país. Para alcançar este objectivo, é crucial que haja uma análise e monitorização abertas e transparentes, envolvendo tanto o sector privado quanto o governo assim como a sociedade civil. Esta abordagem colaborativa permitirá que se acompanhe de perto a aplicação dos investimentos e se avalie a eficácia das políticas, assegurando que os recursos sejam utilizados de forma eficiente e que os objectivos de desenvolvimento sejam alcançados. Para este fim, igualmente dados de boa qualidade serão cruciais para o desenvolvimento e implementação de políticas que promovam um desenvolvimento sustentável e mudanças estruturais amplas. (Salvado Raisse – pesquisador do CDD)
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