Share this
A crise de transporte que sufoca milhares de moçambicanos todos os dias já não é apenas uma mazela pública, tornou-se uma bolada lucrativa para aqueles que confundem o Estado com uma extensão do seu quintal. Em mais um episódio desse roteiro previsível, 650 milhões de meticais foram canalizados para a empresa MHL Auto Lda, não para uma solução inovadora, mas para fornecer meios de escoamento de carga e de tracção animal como resposta ao transporte de pessoas. Um insulto à dignidade nacional.
Em vez de demonstrar vontade política para encontrar soluções sustentáveis e eficazes, o Governo revela-se repetidamente incapaz de apresentar alternativas genuínas que aliviem o sofrimento colectivo. O que se vê é um círculo vicioso onde os projectos supostamente públicos funcionam como plataformas de enriquecimento para elites e grupos bem posicionados, habilidosos em cheirar oportunidades em cada brecha da crise social.
No caos urbano, o transporte é uma questão de sobrevivência, e cada cidadão se adapta como pode, conforme a profundidade do seu bolso. Mas nas zonas periféricas, onde nem essa margem existe, o cenário é de puro abandono. Nessas regiões, o transporte público tornou-se o reflexo mais cruel do colapso da planificação e da justiça social. A ausência de uma política clara, inclusiva e transparente abriu espaço para esquemas que mais servem o lucro do que a população.
Pior ainda é tentar justificar este desgoverno com o argumento que se ouve nos corredores: o de que a bolada é da exclusiva responsabilidade da administração anterior. A impunidade e o silêncio cúmplice dos actuais líderes pouco se diferem da conduta observada em outras instituições, como o Banco de Moçambique, onde se aponta o dedo aos outros enquanto se ignora o próprio reflexo no espelho. Esta inversão de valores é um verdadeiro ultraje à resiliência do povo moçambicano, sistematicamente sacrificado em nome de uma supremacia estatal que só é accionada para blindar os seus.
Essa lógica destrutiva está, igualmente, presente no caso das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), cuja agonia institucional é tratada com uma frieza que beira o criminoso. Enquanto gestores e decisores públicos se escondem sob o manto da tecnocracia ou da vitimização, são as massas que continuam a ser lançadas à própria sorte. Quando, nas zonas mais esquecidas do país, pessoas são postas a recorrer a esses meios de carga e animais para se deslocarem, não estamos diante de um problema técnico, estamos perante uma tragédia humanitária.
Estamos no princípio da marcha, um momento oportuno para um novo pacto com o interesse público, um pacto em que o transporte não seja tratado como negócio privado, mas como ferramenta de equidade, inclusão e mobilidade. Até lá, o silêncio do Governo continuará a gritar mais alto do que todas as promessas feitas e nunca cumpridas.



Facebook Comments