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- Especialistas dizem que o País vive uma maldição institucional
- A ausência de instituições fortes e de uma visão nacional está a hipotecar o futuro do país
Moçambique continua refém daquilo que vários especialistas designam como maldição institucional. Apesar da abundância em gás natural, carvão, ouro e outros recursos estratégicos, o País tem falhado em transformar essa riqueza em bem-estar para a maioria da população. A promessa de prosperidade tem-se convertido em desigualdade, conflitos e dependência, num cenário onde o Estado parece mais refém do capital externo do que dono do seu destino. Especialistas alertam que se o País não mudar a forma como negocia e fiscaliza, a prosperidade continuará a ser um sonho reservado a uma elite, enquanto a maioria vive com as feridas abertas do subdesenvolvimento.
Luísa Muhambe
Nos últimos anos, cresce o debate sobre a possibilidade dos recursos abundantes no solo moçambicano e que são vistos como única saida do subdesenvolvimento virem a se transformar numa maldição para o País, em vez de benção.
O debate sobre os paradoxos da exploração de recursos naturais esteve no centro do evento “Terreno Comum”, promovido pelo Manifesto Cidadão, sob o tema “Recursos Naturais em Moçambique: Oportunidade de Desenvolvimento ou Armadilha de Pobreza e Conflitos?”, no qual académicos, activistas e juristas convergiram numa crítica comum: a ausência de instituições fortes e de uma visão nacional consistente está a hipotecar o futuro do país.
A activista Fátima Mimbire, investigadora e uma das vozes mais consistentes sobre transparência na gestão pública, descreveu a situação como um retrato fiel da “maldição institucional”.
Para ela, Moçambique tinha em mãos uma oportunidade rara de desenvolvimento, mas optou por um caminho que favorece as elites e os investidores estrangeiros, em detrimento das comunidades locais.
“Eu acho que (os recursos) são oportunidades para o desenvolvimento (…). No entanto, tornou-se uma armadilha e fonte de conflitos por causa daquilo que nós chamamos de maldição institucional”, critica.
Mimbire recordou que o País correu para atrair investimentos sem preparar as suas instituições. A falta de certificação dos custos declarados pelas petrolíferas, segundo a activista, é um dos maiores sinais de desorganização e fragilidade do Estado moçambicano.
“A última vez que o governo certificou custos foi em 2018. Antes disso, passou sete anos sem o fazer. Nós próprios estamos a perder o espaço de buscar esse dinheiro onde ele existe”, acrescenta.
A activista também destacou erros históricos de negociação, citando o contrato da Sasol, baseado numa lei herdada do período socialista. Para ela, repetir esse tipo de acordo seria perpetuar a dependência.
“Não podemos replicar este erro quando forem renegociados os contratos que expiram em 2029”, defende Mimbire, sublinhando ainda que até as chamadas cláusulas sociais, que prometem benefícios às comunidades locais, raramente saem do papel.
“A Anadarko investiu 300 milhões de dólares em desenvolvimento comunitário. Que comunidade desenvolveu?”, indagou.
A crítica estende-se também ao regime fiscal excessivamente permissivo concedido às multinacionais, que, segundo ela, mina a soberania económica de Moçambique.
“Demos às empresas a possibilidade de exportar todo o capital. Você consegue fiscalizar as contas nas ilhas Caimão? Nem os Estados Unidos conseguem”, criticou.
Pobreza em terras ricas
O jurista e ambientalista Carlos Serra reforçou a tese da maldição institucional, alertando que as zonas mais ricas em recursos continuam a ser as mais pobres em indicadores sociais. Para ele, as promessas de desenvolvimento não se materializam porque o Estado continua ausente, e as empresas exploram sem responsabilidade ambiental ou social.
“Estamos a escorrer tudo e as áreas de extracção permanecem pobres, ambiental e socialmente impactadas”, destaca.
Serra, que recentemente realizou um estudo sobre os impactos da mineração em Manica, afirma ter encontrado comunidades abandonadas e sem acesso a serviços básicos, mesmo vivendo sobre uma das maiores reservas de ouro do País.
“O País está a perder receita e não é pouca. Há ouro a ser extraído que não gera rendimento sequer para o Estado”, denunciou.
O académico identifica o centralismo político e a fraqueza das instituições locais como causas estruturais do problema. Para ele, o modelo de governação vigente concentra poder e decisões em Maputo, impedindo que as províncias se beneficiem directamente das suas riquezas.
“O poder está concentrado em Maputo. As entidades locais não têm capacidade para fiscalizar nem para decidir.”
Serra defende uma viragem de paradigma, em que as comunidades deixem de ser tratadas como entraves e passem a ser parceiras legítimas no processo económico.
“Porque é que não olhamos para as comunidades como accionistas activas de um negócio, e não como obstáculos a remover?”, indagou.
Inversão de valores e falta de rumo
Mimbire também alertou para uma contradição legal e moral entre o que a Constituição defende e o que as novas propostas legislativas tentam impor. Para ela, o País está a inverter as suas prioridades de desenvolvimento, privilegiando as multinacionais em detrimento da soberania alimentar. Para a activista, a discussão não deve limitar-se ao volume das receitas ou ao número de projectos, mas ao tipo de desenvolvimento que Moçambique quer construir.
A Constituição diz que a agricultura é a base de desenvolvimento do país, e eles estão a dizer na lei que são os recursos minerais a base de desenvolvimento do país. De tal sorte que se lá estiver uma produção agrícola vamos suspender a produção agrícola para mineração, naquela visão, isto para mim é arrepiante e revela claramente os problemas de governação que nós temos, isto é fala de visão de estratégia, de pensar o que nós queremos com estes recursos, estes recursos não vão desenvolver o país por si, mas vão contribuir e ajudar a promover este desenvolvimento”, referiu Mimbire.



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