Trabalhadores da Escopil Indústria denunciam trabalho escravo nas minas de Moatize

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  • Atrasos salariais, precarização do trabalho, falhas de contribuições no INSS, entre outros
  • Contratos evoluíram de indeterminados para incertos e agora são por horas
  • Gestores da empresa passaram a usar porta dos fundos para evitar contacto

Trabalhadores da empresa Escopil, que presta serviços terceirizados pela mineradora indiana Vulcan, na província de Tete, denunciam atrasos recorrentes no pagamento de salários, incumprimento de acordos de rescisão e condições de trabalho precárias. Entre salários atrasados, indemnizações ignoradas e contribuições ao INSS que nunca chegam; a empresa acumula denúncias e processos judiciais, enquanto funcionários tentam sobreviver ao estilo “prometo, mas não cumpro” da gestão. A Escopil não só se fecha em copas para o jornal, como também instituiu uma porta dos fundos para os gestores.

Evidências

Vive-se um ambiente de cortar a faca nas minas de Moatize. Desta vez o pomo da questão não é o o problema da poeira preta resultante das detonações de carvão mineral que diariamente invade casas, mas o incumprimento de obrigações contratuais por parte da empresa Escopil, uma das subcontratadas que prestam serviços à Vulcan.

A Escopil, com ligações a Rogério Samo Gudo, pertencente a uma família com proximidade ao partido Frelimo e negócios nebulosos com o Estado, especializada em fabricação de máquinas e equipamentos de uso industrial específico, presta serviços de Serviços de manutenção de peneiras vibratórias, bombas, transportadora de correias, desgaste, manutenção e operação no pátio de expedição

A empresa que, até há bem pouco tempo, tinha boa reputação no mercado, enfrenta acusações graves de incumprimento de contratos, atraso de salários e precarização das condições de trabalho, falta de transparência e desrespeito às obrigações laborais.

De acordo com ex-colaboradores, a Escopil, em dificuldades, comprometeu-se por escrito a pagar salários pendentes de Junho, Julho e Agosto de 2025, além de quitar indemnizações rescisórias, resultantes da cesssação de ligação laboral, mas também da alteração dos modelos de contratos. No entanto, nenhuma dessas promessas foi cumprida.

“Tentamos resolver de forma amigável, mas não há comunicação. Eles não pagam e não dão satisfação. O RH não atende chamadas, mensagens não são respondidas”, relatou José Menezes, ex-funcionário.

Com os principais gestores a viverem à farta e grossa em Maputo, a empresa age como se de uma máfia se tratasse. Os escritórios que antes ficavam escancarados 24 horas, hoje ficam trancados a maior parte do tempo, mas as operações nunca pararam.

O encerramento dos escritórios da empresa dificulta o contacto directo e a mediação das reivindicações. Numa atitude que se assemelha a de devedores desonestos que por vezes escapam pela janela para evitar contacto com os cobradores de dívida, os gestores da empresa para fugirem dos trabalhadores usam a porta dos fundos.

“Eles encerraram o escritório principal, ignoraram a nossa presença e saem por outra entrada. Não sabemos a quem recorrer. Estão a nos dever salários atrasados, somos pagos o salário em parcelas, às vezes num mês recebe um números de colegas e outros não, cortaram-nos salários”, denunciam os trabalhadores.

O incumprimento vai além do atraso salarial. Trabalhadores afirmam que, desde 2023, a Escopil não canaliza as contribuições ao Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), deixando os colaboradores sem acesso a benefícios como aposentadoria e assistência médica.

Muitos relataram ainda que nunca receberam atendimento médico, mesmo sendo uma obrigação prevista nos contratos. “Trabalhamos sem transporte adequado, esperando horas por veículos para chegar à mina. Mesmo assim, produzimos. Agora queremos que a Escopil cumpra com a sua obrigação”, afirmou Menezes.

Contratos evoluíram de indeterminados para incertos e agora são por horas

Segundo os colaboradores, os contratos evoluíram de indeterminados para incertos, e agora estão sendo convertidos em contratos por horas, conhecidos como “Homem-Hora” (HH), modalidade em que o pagamento ocorre apenas pelos períodos efectivamente trabalhados no site da mina.

“Mudaram contratos sem termos de cessação dos antigos. Trabalhamos em condições precárias, fomos cortados da assistência médica e vivemos na incerteza. São pagos pelo cliente Vulcan e eles mentem a cada mês que não foram pagos”, denunciou um trabalhador.

A mudança de regime contratual deveria ser acompanhada de indemnização pelo contrato antigo, incluindo pagamento de pré-aviso e rescisões. No entanto, ex-colaboradores afirmam que muitos já foram desligados sem receber qualquer compensação, enquanto os actuais trabalhadores enfrentam redução de salários e perda de benefícios.

“Eles diminuíram os nossos salários mesmo estando activos e mudaram contratos. É uma forma de roubar os colaboradores. Você só marca quando entra no site. Se não entra, não marca, não recebe. É o chamado Homem-Hora”, explicou um funcionário indignado.

A crise financeira da empresa

Apesar de manter o contrato com a Vulcan e receber pelos serviços prestados, fontes ligadas à Escopil apontam que a empresa enfrenta dificuldades financeiras sérias, com dívidas a fornecedores e bancos e múltiplos processos judiciais em aberto.

Muitos colaboradores estão com salários e indemnizações pendentes há até dois anos. Alguns ex-funcionários denunciam que, enquanto alguns recebiam os seus pagamentos, outros ficavam completamente de fora, apesar de terem produzido na mesma proporção.

“Todos nós cumprimos com a nossa parte. A empresa, por sua vez, escolhe quem recebe e quem não recebe. Isso não é apenas injusto, é ilegal”, afirmou Pedro Almas, ex-colaborador. Segundo ele, a estratégia da Escopil parece ser atrasar os pagamentos para pressionar os trabalhadores a recorrerem à Justiça, prolongando os processos e reduzindo a pressão sobre a empresa.

O atraso no pagamento de salários e rescisões afecta diretamente as famílias dos trabalhadores. Muitos, oriundos de quase todas as províncias do País, portanto – longe de casa, dependem desses rendimentos para pagar a renda, comprar alimentos, custear tratamentos de saúde e garantir a educação dos filhos.

“Tenho familiares doentes e crianças na escola. Dependemos desse salário para sobreviver. A situação está insustentável”, explicou um ex-funcionário que preferiu não se identificar.

Escopil fecha-se em copas

O Evidências contactou a Escopil para reagir a respeito das acusações levantadas pelos trabalhadores que, inclusive, ameaçam entrar em greve, caso a situação prevaleça. Contactámos Rogério Samo Gudo, fundador e CEO da empresa, mas este não só não respondeu às nossas reiteradas chamadas, como também ignorou as nossas mensagens e cartas de pedido de esclarecimentos feitos nas ûltimas três semanas.

Entretanto, fontes da empresa dizem que a situação deve-se ao facto de a mineradora Vulcan ter, alegadamente, reduzido o rate pago à Escopil pelos serviços prestados, o que teria criado dificuldades financeiras para a empresa.

Os trabalhadores, no entanto, afirmam que essa justificativa não pode ser usada para reter direitos trabalhistas, que permanecem obrigatórios, segundo a legislação moçambicana.

“Eles alegam que não têm dinheiro porque a Vulcan diminuiu o valor do serviço, mas nós não trabalhamos para a Vulcan, trabalhamos para a Escopil. O que queremos é que cumpram com o que prometeram”, acrescentou um ex-funcionário.

Contactada pelo Evidências, a Vulcan declinou-se a prestar qualquer pronunciamentos, alegando que se trata de um problema interno da Escopil e alheio a si e não confirmou a redução do rate ou demora no pagamento pelos serviços.

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