Pobres e endividados: Até quando?

EDITORIAL
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Os dois últimos relatórios do Tribunal Administrativo, referentes aos anos eleitorais de 2023 e 2024, não são meros documentos de auditoria. São o retrato cru e devastador de um país que perdeu completamente o seu senso de governação. O que revelam é a anatomia de um Estado capturado por uma lógica de curto prazo, de arranjos de sobrevivência e de um saqueio institucionalizado que esvazia não apenas os cofres públicos, mas qualquer visão de futuro para Moçambique. É a tentativa de equilíbrio gerir Nhongos e o Estado a dar errado.

Em 2023, a operação manifestou-se no desvio de 33 milhões de dólares das receitas do gás, um capital estratégico que, por lei, deveria ter sido canalizado para o Fundo Soberano de Gás. Este acto não foi um mero desvio contabilístico, foi um assalto ao futuro das próximas gerações. Em 2024, perante uma tesouraria do Estado cronicamente vazia, o governo não se dignou a ajustar as suas despesas. Preferiu transformar o Banco de Moçambique no seu caixeiro pessoal, saqueando por quatro vezes o fundo de reserva. Fevereiro, 5.000 milhões de meticais para salários. Março, 6.000 milhões. Abril, 6.500 milhões. Junho, 7.000 milhões. Este círculo vicioso de empréstimos internos é a confissão suprema de uma falência de gestão.

O mais caricato e tragicamente revelador desta gestão não é apenas a violação repetida da lei. É o absoluto desconhecimento sobre como estes fundos, retirados a ferros, foram realmente aplicados. Governa-se no escuro, com um desprezo total pela prestação de contas. Esta é a cultura da violação cuja confluência é sistémica, normalizada e impune.

Os números macroeconómicos confirmam o naufrágio. A dívida pública disparou para 1.043.544 milhões de meticais em 2024, com a dívida interna a crescer assustadoramente 29,7%. Os indicadores de sustentabilidade da dívida já ultrapassaram todos os parâmetros estabelecidos pelo FMI e pelo Banco Mundial, os patrões que alimentam o nosso vício de pedinte. Estamos, portanto, não só mais pobres, mas também mais endividados e com menos margem de manobra para o desenvolvimento. A rota é insustentável.

A análise à receita pública pinta um quadro de caos administrativo. A cobrança ficou aquém do previsto, existem divergências gritantes nos dados oficiais, registam-se receitas sem previsão orçamental e metas estabelecidas sem qualquer cobrança. O Tribunal identifica, com uma paciência burocrática que contrasta com a gravidade dos factos, um aumento de contribuintes a reportar prejuízos ano após ano sem que a Administração Fiscal os audite, e um crescimento de créditos de IVA sistemáticos. São sinais de uma administração tributária disfuncional e de uma erosão generalizada da base fiscal.

O que mais deve alarmar os cidadãos é a constatação do Tribunal de que muitas destas ilegalidades já vinham sendo reportadas em anos anteriores. As recomendações são ignoradas, as leis são preteridas, as más práticas perpetuam-se. Isto significa que o problema não é técnico, é político. Falta vontade para governar bem. Prevaleceram os arranjos, a sobrevivência imediata do aparelho político e o esvaziamento do Estado para fins que não o interesse público.

Perdemos o senso de governação. Substituímo-lo por uma cultura de violações onde o curto prazo é rei, a lei é uma sugestão e o futuro é uma moeda de troca. Até quando?

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