Quem fala a língua das “crianças” nascidas entre 2010 e 2011, que podem decidir as próximas eleições?

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  • Metade do eleitorado de 2029 será de jovens entre 18 e 34 anos
  • Frelimo, Renamo e companhia terão um verdadeiro teste de fogo em 2028/2029
  • Uma geração sem passado de guerra, que já não se inspira na libertação e quer resultados imediatos
  • Voto dos nascidos entre 2010 e 2011, os sem dívida com o passado, pode penalizar os tradicionais

A entrada, entre 2028 e 2029, de mais de 1,8 milhão de novos eleitores, jovens nascidos entre 2010 e 2011, que votarão pela primeira vez, marca um ponto de viragem na história eleitoral de Moçambique. Pela primeira vez, metade do eleitorado activo será composta por cidadãos com idades entre 18 e 34 anos, todos nascidos depois da Guerra Civil e alheios às narrativas da libertação nacional. São jovens que exigem resultados imediatos, emprego e dignidade, e que podem redefinir o equilíbrio político nacional.

Reginaldo Tchambule

O próximo ciclo eleitoral promete uma nova reconfiguração, pelo menos sob o ponto de vista demográfico, de quem irá às urnas. Moçambique prepara-se para uma reconfiguração silenciosa, mas decisiva do seu mapa político: a entrada, em 2028 e 2029, dos jovens nascidos entre 2010 e 2011 e que vão passar a ter idade eleitoral activa. Trata-se de uma geração impaciente, sem ligações à história da Luta de Libertação nem à Guerra Civil, e disposta a punir promessas não cumpridas.

Com base nas projecções demográficas do Censo Populacional de 2017 do Instituto Nacional de Estatística (INE), o Evidências produziu a presente análise. Os dados apontam para uma população total de 37,7 milhões de habitantes em 2029, dos quais 19,4 milhões terão idade eleitoral activa.

Neste grupo, destacam-se cerca de 10 milhões de jovens entre 18 e 34 anos, equivalentes a 50% do eleitorado activo, um peso político que poderá inverter tendências históricas e enfraquecer o domínio das forças tradicionais, se estas não se actualizarem para acompanharem as dinámicas dos novos eleitores.

O dado demográfico mais expressivo é o surgimento de 1,8 milhão de novos eleitores que atingirão os 18 anos entre as eleições de 2023 e 2029. Esta geração, nascida depois de 2010, cresceu longe das guerras e das narrativas revolucionárias da Luta de Libertação.

Diferente dos seus pais e avós, esta geração não se sente herdeira da libertação nem refém de memórias políticas, mas sim vítima da lentidão económica e da exclusão social. Muitos deles cresceram ouvindo lamentações dos seus pais e eles próprios, vítimas de um sistema pouco inclusivo, vivem na pele os desafios crescentes desde a educação até ao emprego.

O voto dos nascidos entre 2010 e 2011 poderá ser, portanto, um voto de ruptura, um voto dos sem dívida com o passado.

Trata-se de uma geração que não carrega as lealdades históricas que sustentaram os partidos tradicionais, nomeadamente a Frelimo e Renamo. Para estes jovens, o discurso da “libertação” e o capital simbólico do passado já não inspiram confiança, nem sentido de pertença. O seu referencial é outro: cresceram num contexto de desigualdade, desemprego e desilusão política, em meio a escândalos de corrupção e promessas repetidas.

“Voto velho” poderá não ser mais determinante

Entre os cerca de 19,4 milhões de eleitores esperados em 2029, cerca de 10 milhões terão entre 18 e 34 anos — o que representa 50% de todo o eleitorado activo. Esta proporção é inédita e redefine o equilíbrio eleitoral: os jovens terão o mesmo peso que todas as outras faixas etárias combinadas, ou seja, o chamado voto mais velho poderá não ser mais determinantes.

O desafio para a classe política, sobretudo para o partido no poder e a Renamo é claro: ou escuta-se esta geração, ou corre-se o risco de um afastamento profundo com o povo. Estes jovens, da chamada Geração Z, são impacientes com a letargia e inimigos das promessas não cumpridas. Não se mobilizam por discursos, mas por resultados. Querem emprego, mobilidade, habitação, internet e dignidade — não heranças políticas.

“Estes jovens não têm relação com a Luta de Libertação Nacional, nem com a Guerra Civil. O seu voto é pragmático, movido por oportunidades e não por símbolos”, observa um analista político ouvido pelo Evidências.

Centros urbanos já serviram de laboratório nas anteriores eleições

Nas últimas eleições, as grandes cidades, nomeadamente, Maputo, Matola, Beira, Nampula e Quelimane, foram uma espécie de laboratório desta tendência  que já é visível.

Jovens eleitores têm mostrado padrões de voto mais críticos e independentes, favorecendo candidatos percebidos como inovadores e que exploram os dilemas do quotidiano. São cidadãos moldados pela era digital, nativos das redes sociais, mais expostos ao mundo exterior e menos tolerantes à lentidão das instituições.

O desafio para os partidos históricos, como a FRELIMO e Renamo, é falar a uma geração que não reconhece o passado como fonte de legitimidade, mas sim a eficácia da governação presente.

Com metade do eleitorado formada por jovens dos 18 a 34 anos, Moçambique entra numa encruzilhada: ou a política se renova, ou arrisca-se a ser ultrapassada por uma juventude que já não espera, exige e pune.

A quem beneficia o dividendo demográfico e quem precisa de trabalhar mais?

Este crescimento demográfico coincide com a erosão da confiança em relação aos partidos tradicionais. As últimas eleições revelaram um voto jovem mais volátil, crítico e independente, sobretudo nas zonas urbanas e periurbanas, onde se concentra uma parte crescente da população activa.

A FRELIMO, sustentada historicamente por uma narrativa de continuidade, enfrenta aqui o maior desafio: dialogar com uma geração que já não se vê como “herdeira da libertação”, mas como “vítima da estagnação”.

Por seu turno, a Renamo, durante muito tempo tido como vítima, não obstante estar numa crise interna muito grande que corroeu o seu capital político, não conseguiu se actualizar do ponto de vista ideológico e de mensagem para acompanhar as novas dinámicas. O seu discurso de “Pai da Democracia”, muitas vezes repetido para reclamar legitimidade, começa a não cativar o eleitorado mais jovem.

A sua derrota histórica nas eleições gerais de 2024 não deixa espaço para dúvidas: A sua base de apoio que se dizia ter, sobretudo no meio rural, foi suplantada por uma maioria jovem ávida em punir a quem não se reveem.

Por outro lado, movimentos cívicos, novas formações políticas como o ANAMOLA e candidatos dissidentes, como se viu com Venâncio Mondlane, tendem a beneficiar da energia e da impaciência deste eleitorado. Nas grandes cidades o descontentamento jovem já se fez sentir em protestos, boicotes e na crescente desconfiança em relação ao discurso oficial.

Resumo demográfico (base 2029):

  • População total: 37,7 milhões
  • População com idade eleitoral activa (18+): 19,4 milhões
  • Jovens de 18 anos (nascidos em 2011): ≈917 mil
  • Jovens que atingem 18 anos após 2023–2024 (nascidos 2006–2011): ≈1,8 milhão
  • Jovens de 18–34 anos: ≈10 milhões (50% do eleitorado activo)
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