Caso saque de 48 milhões na LAM: Caiu o último rastilho de Magala

DESTAQUE POLÍTICA
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  • Nova gestão tenta limpar a casa, mas tem das suas: comprou um avião sem motor
  • Restruturação em pleno voo: entre escândalos e medidas atabalhoadas à compra de avião sem motores
  • Clérgio Muhate recorreu ao irmão ministro, mas ocultou o real motivo da queda
  • Parte dos 48 milhões foram pagos a dois homens de Magala, cúmplices discretos
  • Entre processos, teorias e caça às bruxas, há relatos de desmaios por desvinculação

A Comissão de Gestão e o Conselho de Administração da companhia decidiram suspender o director financeiro e quatro quadros de destaque, na sequência de um diagnóstico interno que concluiu ter havido um desvio de 48 milhões de meticais através de facturas falsas de tradução de documentos administrativos da empresa Prime Traduções. No meio da agitação, o Evidências sabe que o director financeiro, Clérgio Muhate, teria procurado o seu irmão, Basilio Muhate, ministro da Economia, a quem tentou vender uma narrativa de perseguição por parte do administrador financeiro. No entanto, essa versão foi totalmente desmontada pelas denúncias comprovadas de corrupção institucionalizada na Direcção Financeira da LAM, o que precipitou a sua queda e deixou o seu irmão numa posição de “impotência”. Clérgio Muhate é a última peça a cair da equipa que foi colocada pela Fly Modern Ark (FMA). É daqui que foi concebido o pagamento cuja soma ascendeu os 48 milhões de meticais num esquema que afinal visava também pagamentos de quadros, incluindo dois elementos cujos nomes optamos por omitir. Estes, com gabinete próprio na LAM, recebiam pagamentos em numerário, fora da folha de salários e, antes de todas as reuniões alargadas a membros do governo, se reuniam previamente com o então ministro dos Transportes e Comunicações, Mateus Magala. Muhate não cai sozinho. No total, entre suspensões e despedimentos, já há mais de 140 funcionários mandados para casa num processo de reestruturação liderado por uma gestão sem rosto depois da “fuga” de Dane Kondic, ora já em Maputo. Uma gestão que, mesmo sem rosto, refugia-se na cobertura presidencial para tomar medidas, algumas vezes boas, as vezes atabalhoadas e com fortes indícios de corrupção, como a compra de aviões em mau estado, incluindo um Q400 com matrícula AUZ, fabricado em Janeiro de 2001, que foi comprado da Icelandair por 2,1 milhões de dólares sem os dois motores e cuja aquisição devia ser anunciada com pompa e circunstância por estes dias, mas já se vão três semanas que o motor não é encontrado no mercado.

Nelson Mucandze

As Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) voltaram a estar sob os holofotes na semana passada, desta vez devido à suspensão de toda a sua direcção financeira e, por arrasto, do director jurídico. Essa medida insere-se num processo de reestruturação mais amplo que visa reduzir pelo menos um quarto dos mais de 800 funcionários da companhia, num critério pouco claro que aparenta “caça às bruxas” contra alegados sabotadores da restruturação, dilatadores e nhonguistas.

A mais recente decisão foi tomada na passada quarta-feira, dia 22, pela Comissão de Gestão e pelo Conselho de Administração da LAM, que suspendeu o director financeiro, Clérgio Muhate, e outros quatro quadros. A acção surgiu na sequência de um diagnóstico interno que veio a revelar um desvio de 48 milhões de meticais. De acordo com a auditoria da empresa, o esquema foi montado através de facturas falsas relacionadas com serviços de tradução de documentos jurídicos que, na realidade, nunca existiram.

Dias antes da suspensão, o director financeiro, Clérgio Muhate, teria procurado o seu irmão, Basílio Muhate, ministro da Economia, a quem apresentou uma narrativa de perseguição política e profissional, culpando o actual administrador financeiro, Lucas Francisco, por aquilo que viria a ditar a sua suspensão.

No entanto, essa versão desmoronou-se rapidamente face às provas reunidas, que expuseram um mecanismo de corrupção sofisticado no seio da Direcção Financeira da LAM. A tentativa de se vitimizar acabou por acelerar a sua queda e deixou o irmão, o ministro, numa posição desconfortável e de impotência.

Para além de Clérgio Muhate, foram também suspensos a chefe do departamento de Tesouraria, Cheila Mazibi; a chefe do departamento de Contabilidade, Nely Marcacia; e a chefe da secção de Tesouraria, Orpa dos Santos. A suspensão estendeu-se ainda a Henrique Comiche, director jurídico próximo de Eneas Comiche.

 Até o secretário do sindicato não escapou da varredura

Num contexto de decisões estratégicas em curso, e para além destas suspensões, a empresa já demitiu mais de 140 funcionários, sendo a maioria da direcção comercial. Entre os nomes de destaque, contam quadros do gabinete de comunicação e o secretário do sindicato dos funcionários da LAM, Acácio Massingue, que, curiosamente, recebeu a carta dias depois de convocar uma reunião para junto com os trabalhadores apurar o que estava a acontecer e repudiar o procedimento.

Massingue recusou-se a receber a carta de demissão por alegados atropelos aos procedimentos, como a falta de comunicação prévia, notificação à Inspecção-Geral, e falta de comunicação do que realmente estava a acontecer ao Sindicato que dirige, o que contraria a promessa Presidencial de que a intervenção na LAM iria decorrer dentro das regras. O processo de despedimentos tem sido conturbado, com alguns funcionários a ameaçarem levar a empresa a tribunal e relatos de que outros desmaiaram ao receber a carta de desvinculação.

Clérgio Muhate é a última peça a cair da equipa montada pela Fly Modern Ark (FMA), cujo director, Theunis Crous, faleceu em Agosto passado, deixando para trás uma série de processos por regularizar, como a falta de pagamento de 100 mil dólares que a LAM devia ter recebido de um voo charter alugado ao Banco de Moçambique.

Foi precisamente durante esta gestão que foi contratada a empresa Prime Traduções e Interpretação, que veio a ser usada para o desvio dos 48 milhões de meticais. Parte desses fundos, de acordo com o que apurou a redacção do Jornal Evidências, teria sido utilizada para pagamentos paralelos a outros envolvidos, incluindo dois indivíduos identificados como supostos “homens de segurança”.

Esses, que possuíam cartões de identificação e gabinete próprio nas instalações da LAM, recebiam mensalmente quantias em numerário, fora da folha de salários. Mantinham igualmente contactos regulares e reuniam-se previamente com o ministro dos Transportes e Comunicações, Mateus Magala, sempre que se realizava um conselho de direcção alargado a membros do governo. Para além disso, estavam também envolvidos em acções de auditoria. Lembre-se de que Magala foi o defensor da FMA, chegando a apadrinhar e a fazer propaganda enganosa sobre o perfil desta empresa que, afinal, facturava pelos seus serviços prestados à LAM, no lugar de fazer a injecção prometida. Depois do afastamento da FMA (Theunis Crous, Sergio Matos e Malola), ficaram os seus nomeados, entre eles o Clérgio Muhate, que entrou pela mão directa de Sérgio Matos.

Nova gestão compra um novo avião por USD 2,1 milhão e sem motor

A narrativa oficial da nova administração, centrada na racionalização de custos e redução do quadro laboral, esconde uma realidade operacional marcada por decisões opacas e potencialmente lesivas para o interesse público. Para lá da retórica nobre, assiste-se à implementação de medidas que exalam o clássico nhonguismo, como as compras não transparentes de aeronaves, a persistência no modelo de leasing ACMI (Aircraft, Crew, Maintenance, and Insurance), particularmente oneroso para uma empresa de frágil saúde financeira.

O caso mais emblemático desta conduta é a recente aquisição, sem as tradicionais pompas, de um avião Q400, registado com a matrícula AUZ. O avião com mais de 24 anos de vida, foi adquirido da companhia islandesa Icelandair, a um custo de 2,1 milhões de dólares. Essa aeronave, que já foi usada pela LAM; foi adquirida em estado de sucata, e o facto de estar sem motores levanta questões gravíssimas sobre a diligência devida, os critérios técnicos e, sobretudo, os reais interesses que orientam o investimento da companhia.

A compra do referido avião ainda não foi anunciada com todo o cerimonial característico porque a companhia está em dificuldades de encontrar motores no mercado. Um Q400 (2001), tem dois motores turboélices Pratt & Whitney PW150A, que neste momento está a ser um desafio para LAM encontrar no mercado.

É a segunda compra depois do pagamento de seis milhões de dólares por um outro Q400 de segunda mão, que está a acarretar altos custos de manutenção contínua, sugando a injecção financeira das quatro empresas, INSS, HCB, CFM e Emose, arrastadas para a ressurreição da LAM. Ou seja, no momento a LAM tem dois aviões Q400, cuja soma não chega à metade do custo real de uma aeronave da mesma marca.

Por outro, é um processo de “reestruturação”, que escapa a um escrutínio mais severo devido ao arrasto de figuras de altíssima esfera política, nomeadamente a Presidência da República. Essa conivência, real ou percebida, actua como um escudo, inibindo a análise crítica por parte de outras instituições e silenciando vozes que poderiam exigir responsabilização.

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