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John Kanumbo
Moçambique já enfrentou tempestades reais: a luta organizada contra o colonizador, a disciplina das fileiras que libertaram o país e o preço pago por gerações. A independência não foi apenas uma bandeira hasteada — foi fruto de estratégia, sacrifício e organização colectiva. Hoje, diante do desgaste político, das emoções partidárias, da militância acirrada e das crises de legitimidade, lanço um aviso: a nação precisa de maturidade. As forças do Estado têm um papel sagrado: proteger a Constituição, o território e a vida do povo, não servir facções.
Nos últimos anos, o navio moçambicano tem oscilado perigosamente. Crises pós-eleitorais, tensões entre partidos, violência política, desinformação, o sofrimento do povo em Cabo Delgado e escândalos de corrupção corroem a confiança pública. Cada silêncio institucional é uma fissura no casco. A Defesa e a Segurança devem agir cedo — não para dominar, mas para salvaguardar a legalidade e garantir que o Estado não afunde. É dever patriótico impedir que o navio perca o rumo antes de ser tarde demais.
É risível e perigoso ver o governo convocar diálogos ou conferências sobre combate à corrupção quando o próprio sistema protagoniza a corrupção e manipula consciências eleitorais. Como se combate a corrupção num país onde aqueles que desviam recursos também dirigem as discussões? Como se promove diálogo quando o navio está à deriva e a população continua a ser enganada? Essa pantomima política é estupidez pura — e custa caro ao povo e à estabilidade do Estado.
Não se endireita um navio em tempestade com música de campanha. Há uma crença perigosa: que alternância é dança de cadeiras. Alternância política não é dança de cadeiras nem teatro de slogans. Só faz sentido quando nasce da maturidade colectiva: quando mudar de governo significa mudar de consciência, ética e responsabilidade. Sem isso, trocamos o uniforme do mesmo sistema e o barco continua à deriva. Não usufruímos ainda de um multipartidarismo autêntico, onde a sucessão de poder é sinal de democracia, não de rivalidade tribal.
Vivemos um tempo em que a política virou emoção: corações e vísceras determinam votos, paixões decidem alianças, e o discurso público é mais espectáculo que reflexão. Onde a razão é silenciada, a manipulação floresce. Platão advertiu sobre os perigos de confiar o governo às paixões; Fanon alertou que elites pós-coloniais podem repetir padrões do opressor; Amílcar Cabral lembrou que o povo luta por condições de vida, não só por símbolos partidários. Paulo Freire mostrou que a educação politiza e emancipa. Sem formação crítica, sem ética e sem educação política, a alternância perde alma.
A política moçambicana por vezes vive à flor da emoção: torcidas partidárias, rendição a líderes carismáticos, e um eleitorado cansado que vota por impulso afectivo em vez de avaliar políticas. Isso abre portas à captura do Estado por interesses privados e ao clientelismo. Surge então o cenário perigoso: protestos, contra-protestos, repressão. Tensões pós-eleitorais e episódios de violência mostram o que ocorre quando a legitimidade democrática é contestada.
Aos partidos políticos — FRELIMO, RENAMO, MDM PODEMOS, ANAMOLA e os demais — este é um aviso patriótico: o poder pertence ao povo, não às siglas. Nenhum partido deve confundir-se com o Estado nem manter o poder por hábito ou privilégio. O legado da FRELIMO, como força histórica da libertação, exige humildade e abertura à alternância democrática. A RENAMO e o MDM, PODEMOS ou ANOMALA também têm o dever de mostrar maturidade, apresentando propostas e não apenas ressentimentos. A pátria não é feudo de ninguém; é herança comum de todos os moçambicanos.
Aos politólogos: deixem de ser comentadores de superfície. A análise de que a pátria precisa estuda estruturas: clientelismo, captura do Estado, opacidade e ausência de educação cívica. A academia deve sair do auditório e convocar o povo para pensar — propondo reformas institucionais, educação política crítica e mecanismos reais de prestação de contas. Aos partidos: democratizem-se internamente. Falar de democracia nas campanhas é insuficiente; é preciso praticá-la nas bases: fiscalização interna, transparência financeira, rotatividade de lideranças e debate aberto. Quando o partido vira seita, a nação empobrece.
Ao cidadão: a arma mais perigosa é a emoção desorientada; a força mais transformadora é a razão. Votar por simpatia, ressentimento ou ódio é abdicar da responsabilidade. Ler programas, exigir resultados, vigiar contas públicas, pedir auditorias e observar eleições são actos de amor à pátria. Esteja presente, informado, crítico e exigente. E às forças do Estado, especialmente forças armadas e polícias: não convoco a força como solução; repudio golpes e usurpações. As forças do Estado são guardiãs da Constituição e do povo, não instrumentos partidários. Quando instituições vacilam, a coragem é fortalecer a legalidade, proteger cidadãos indefesos e garantir que o espaço público não se converta em terreno de caça partidária. Ser guardião da pátria é ser guardião da lei e da imparcialidade.
A alternativa legítima à degradação política não é a tomada do poder por armas. Golpes apenas trocam uma tirania por outra. A via aceitável é a constitucional: pressão popular organizada, reformas legais, tribunais independentes e mecanismos que previnam a captura do Estado. O “aviso” às forças do Estado é um apelo à cumplicidade com a Constituição: mantenham neutralidade, exijam transparência e recusem ser usados como milícia política. Também não aceitarei passividade. Se elites evitarem reformas, se partidos permanecerem oligarquias e se eleitores continuarem presos à tribo emocional, a crise será permanente. Proponho um plano de emergência cívica: educação cívica massiva e obrigatória; campanhas públicas para adultos; auditorias externas e transparência financeira dos partidos; fortalecimento do sistema judicial e dos tribunais eleitorais; mecanismos de controlo civil sobre as forças de segurança; observação eleitoral robusta; reforma dos meios públicos e incentivo ao jornalismo investigativo.
Estas medidas não são panaceia, mas são instrumentos de construção. Se aplicadas com firmeza reduzem a margem para populistas, corruptos e demagogos; aumentam a responsabilidade e forjam uma nova cultura política. O que conquistámos com sangue e sacrifício não pode ser desperdiçado por imaturidade. A vigilância que salva o navio é educativa, institucional e moral — não militarista.



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