• Nyusi com um peso e duas medidas
• Ministro e vice dos Transportes e Comunicações exonerados após apagão no INATRO
•  Houve escândalo do livro, mas Namashulua continua intacta e intocável
• Ministra da Educação é esposa do secretário-geral da ACLIN, com poder na Frelimo

O “apagão” do sistema dos serviços de emissão de cartas de condução e de atribuição de matrículas do Instituto Nacional dos Transportes Rodoviários (INATRO), que durou mais de uma semana, acaba de produzir vítimas de vulto. Trata-se do ministro dos Transportes e Comunicações, Janfar Abdulai, há muito apontado como sendo incompetente, e a sua vice-ministra, Manuel Ribeiro, exonerados em despachos presidenciais esta segunda-feira. Estranhamente, a ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Carmelita Namashulua, sobre quem recai a responsabilidade em relação ao escândalo sobre os erros em livros escolares do Sistema Nacional de Ensino, continua de pedra e cal, o que legitima a tese segundo a qual é intocável, por ser esposa do actual secretário-geral da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLIN), Fernando Faustino, um membro bastante influente no partido Frelimo e a quem o actual Presidente da República, Filipe Nyusi, deve favores políticos.

Reginaldo Tchambule

O Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, no uso das suas competências, exonerou, ontem, através de despacho presidencial, Janfar Abdulai do cargo de Ministro dos Transportes e Comunicações. Em despacho separado, exonerou igualmente Manuela Joaquim Ribeiro do cargo de Vice-Ministro dos Transportes e Comunicações. No lugar de Janfar Abdulai, Filipe Nyusi nomeou Mateus Magala, um distinto quadro do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e que já foi PCA da EDM.

A exoneração do ministro e vice-ministra dos Transportes e Comunicações, que, de resto, nunca mostraram sintonia, acontece uma semana depois do apagão do sistema dos serviços de emissão de cartas de condução e de atribuição de matrículas do Instituto Nacional dos Transportes Rodoviários (INATRO).

A situação durou mais de uma semana, lesando milhares de moçambicanos que acorreram à instituição na esperança de obter carta de condução, fazer captação de dados, renovar matrículas e até mesmo fazer exames.

Mesmo sem imprimir cartas de condução provisórias, matrículas para veículos e nem fazer captação de dados, a instituição tutelada pelo Ministério dos Transportes e Comunicações manteve-se no silêncio e só se pronunciou quando já estava para completar uma semana, sem, no entanto, esclarecer completamente os utentes.

Em comunicado de imprensa, na passada Quarta-feira, o INATRO prometeu que o funcionamento regular do sistema seria retomado na passada sexta-feira, uma promessa que não foi cumprida.

Ciente do incumprimento, o ministro ora exonerado, Janfar Abdulai, estendeu o prazo até esta segunda-feira (Ontem) para a retoma dos serviços. Como tal, o sistema foi reestabelecido, contudo, os prejuízos aos utentes eram incalculáveis.

“O problema está para além da instituição, porque o provedor dos serviços de comunicação é o Instituto Nacional de Gestão Electrónica, que estava com um certo problema que acabou por afectar o serviço prestado pelo INATRO. Já conseguimos um provedor que está, neste momento, a fazer testes e pensamos que, a partir de hoje (passada sexta-feira) e até segunda-feira, o mais tardar, esta situação esteja resolvida, e o INATRO voltará a funcionar normalmente”, garantiu Abdulai, numa das suas últimas comunicações enquanto ministro.

Curiosamente, foi no mesmo dia em que o Presidente da República decidiu exonerar um dos ministros mais apagados do seu governo e que a crítica já exigia a sua demissão há muito tempo, por inoperância na resolução de problemas crónicos que enfermam o sector, com destaque para a sinistralidade rodoviária, para além de o transporte aéreo praticamente debilitado e uma cabotagem marítima que nunca soltou a âncora.

Outros pecados

Ainda no INATRO, Abdulai e a sua vice, Manuela Ribeiro, não conseguiram resolver a tempo um diferendo entre o INATRO e a Brithol Michcoma que levou à interrupção, desde Janeiro, da emissão de cartas de condução biométricas devido a uma dívida de 40 milhões de Meticais. Até o momento, a dívida não foi paga e o país não está a imprimir cartas biométricas desde o ano passado.

A gestão da nova frota de 80 autocarros movidos a gás, recentemente adquiridos para a zona metropolitana de Maputo, é outro pecado de Abdulai e Manuela Ribeiro. Adquiridos em Fevereiro último, os autocarros continuam sem circular, num momento em que se agudiza cada vez mais a crise de transportes.

Aliás, pareceu muitas vezes não haver coordenação entre o ministro e sua vice-ministra. Em Abril passado, ambos protagonizaram uma das mais penosas sessões de contradições, quando no dia 10 de Abril, a vice-ministra dos Transportes e Comunicações disse que a circulação dos autocarros, movidos a gás, estava refém de um concurso público para a sua distribuição.

“Estamos constantemente a distribuir os autocarros e, no dia seguinte, estarmos com problemas de transportar pessoas. Está a se tentar perceber qual é a melhor saída e julgamos que a melhor saída é um concurso público e não distribuir as viaturas. Lança-se um concurso e quem ganha fica com um lote de viaturas e cria uma determinada rota. Provavelmente, isso pode nos ajudar e é um processo. Menos dias e mais dias isso vai acontecer. Já temos o processo de matrícula e dos seguros terminado”, explicou Manuela Rebelo, vice-ministra dos Transportes e Comunicações.

Menos de uma semana depois, o ministro dos Transportes veio contrariar a sua vice, revelando que, afinal, os autocarros não estavam reféns de um concurso público, mas sim de processos burocráticos.

“Era preciso que aqueles que fabricaram viessem dar instruções aos operadores, por um lado. Por outro lado, há questões administrativas que têm a sua burocracia e levam o seu tempo. Infelizmente, nós, também, como Governo, deparamo-nos, nalgum momento, com esta burocracia porque precisamos que as coisas sejam bem feitas, para que não haja problemas no futuro. É esta burocracia que estamos a aturar até então”, justificou o ministro dos Transportes e Comunicações, Janfar Abulai.

Na ocasião, deixou ficar que os processos burocráticos incluíam,  curiosamente, a tramitação de seguros que a vice-ministra havia garantido ser um processo terminado, o que expôs uma desconcertação sem precedentes entre os dois dirigentes.

“Estamos a tratar questões de seguros, a formação dos motoristas. São motoristas de diversos municípios e precisamos de seleccionar para depois formar para operar aquele tipo de transporte, embora seja autocarro, mas é movido a gás e tem as suas especificidades”, acrescentou o ministro dos Transportes e Comunicações.

Um peso duas medidas: Ministra Namashulua continua intocável

O país vive um turbilhão de acontecimentos que denotam incompetência dos governantes, mas nem todos têm a mesma sorte. Enquanto uns são sacrificados pela sua incompetência, outros se mostram intocáveis, como é o caso da ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Carmelita Namashulua, que, apesar da sequência de escândalos que colocam em causa a qualidade de ensino e (até) o bem-estar dos moçambicanos, continua intacta.

Três semanas depois de ter sido despoletado o escândalo dos erros básicos no livro escolar, com principal realce para o manual de ciências sociais da 6ª Classe, ainda não houve responsabilização política e a ministra do pelouro tem estado numa luta titânica para limpar a sua imagem.

De acordo com a Lei, Carmelita Namashulua é responsável, em última instância, pela aprovação dos manuais do sistema nacional de ensino, ouvido pela Comissão de Avaliação do Livro Escolar (CALE). Mesmo assim, não é tida nem achada entre os dirigentes já responsabilizados. Aliás, a ela coube bater o martelo que sentenciou a suspensão de quadros seniores do ministério.  

Mas não é a lavagem de imagem que mantém Namashulua num grupo selecto de ministros que estão no governo de Filipe Nyusi, desde que tomou posse para o seu primeiro mandato, em 2015. Dos ministros do sexo feminino, apenas ela e Nyelete Mondlane sobreviveram às sucessivas remodelações do governo.

Carmelita Namashulua é esposa de Fernando Faustino, secretário-geral da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação (ACLIN), o órgão social mais influente no partido no poder e que tem sido fundamental para suportar algumas agendas no partido. Filipe Nyusi deve alguns favores políticos a Fernando Faustino.

Uma inquestionável folha de serviço

Entre Dezembro de 2013 e Março de 2014, quando o actual Chefe do Estado era somente fauna acompanhante na lista dos três pré-candidatos à candidato do partido, Fernando Faustino, na qualidade de secretário-geral da ACLIN, foi um dos primeiros a endossar apoio a Filipe Nyusi, após ser consultado por Armando Guebuza sobre se o então “rapaz” era digno de confiança.

O parecer favorável de Fernando Faustino viria a ser fundamental para que Guebuza passasse a ter Filipe Nyusi em conta no seu xadrez de jogo de sucessão, acabando mesmo por passar a frente de José Pacheco e Alberto Vaquina, que eram tidos como os mais favoritos.

Recentemente, ou seja, em 2019, quando havia rumores da probabilidade de alguns membros do partido concorrerem à sucessão de Nyusi nas eleições de Outubro daquele ano, Fernando Faustino foi quem legitimou a continuidade do “jovem” do planalto, na abertura do Comité Central, em Maio de 2019, sentenciando que a Frelimo já tinha um “candidato inquestionável”, repto que encerrou qualquer possibilidade de debate em torno da sucessão na Frelimo.

A ACLLN, um dos órgãos mais ouvidos e respeitados do partido, lançou, na altura, um repto àqueles que chamou de “infiltrados”.

“Camaradas do comité central, nós, na Frelimo, temos clareza e comando com o qual nos guiamos, e pactuamos com os ideais dos estatutos e programas partidários. Na Frelimo, existe aquilo que chamamos de disciplina partidária e a ela simplesmente devemos obediência absoluta. Ninguém está acima das normas estatutárias do nosso partido”, referiu Faustino, numa mensagem direccionada a Samora Machel Júnior, que, na altura, era apontado como um dos prováveis concorrentes e que numa missiva incomum havia desafiado Filipe Nyusi a demitir-se.