Moçambique “pressionado” a recusar acesso e assistência a navios petroleiros da Rússia

POLÍTICA
  • EUA entregam a lista de 69 navios russos que não devem ser assistidos
  • Imposição ocidental coloca em causa o discurso Presidencial de “não alinhamento”
  • A lista inclui não assistência a navios petroleiros num momento em que Moçambique disse estar a analisar a proposta para importação de combustíveis da Rússia
  • Alfandegas anulam a ordem do serviço que instruía execução das sanções às companhias Russas

Não é apenas um discurso político de Filipe Nyusi, é também uma orientação constitucional, de que Moçambique deve ser neutro quando o assunto são questões externas, para conformar-se com a política de “não alinhamento”. Mas até 23 de Maio, um mês depois de o país abster-se, na Assembleia-Geral da ONU, de condenar a Rússia pela inversão à Ucrânia, o Governo tinha na mesa o documento dos amigos do ocidente que “ordena” e anuncia as “novas sanções dos Estados Unidos de América (EUA) contra companhias de navegação marítima da Rússia”. O documento alistava sete companhias e 69 navios, entre navios de carga geral e outros petrolíferos dos quais o país não pode ceder acesso e nem prestar assistência. O documento viria a confundir as alfândegas, mas foi pontualmente corrigido, porém não foi possível esconder a incoerência diplomática do Governo.

Nelson Mucandze

A palavra de ordem quando o assunto é sobre a “política externa e direito internacional”, como pode se ler do primeiro número do artigo 17 da Constituição da República, é “não interferência nos assuntos internos e reciprocidade de benefícios”.

E foi recorrendo a este comando Constitucional que o Executivo disse que o país não podia assumir posição face à guerra que opõe a Rússia e a Ucrânia desde fevereiro do ano em curso, uma abstenção que veio confundir-se como apoio ao país “agressor”, a Rússia.

A posição de neutralidade foi expressa em Março, quando o país, à semelhança de Angola, absteve-se de votar na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que aprovou com o apoio de 141 dos 193 Estados-membros das Nações Unidas, a resolução que condenava a invasão russa na Ucrânia. É depois desta posição que Moçambique passou a mostrar publicamente que não reconhecia na guerra entre Rússia e Ucrânia qualquer vilão, apoiando-se somente na exortação para que os dois países apostem no diálogo a fim de ultrapassar as diferenças.

A posição de Moçambique foi do agrado da Rússia, que veio a ganhar o adjetivo de um parceiro “confiável”, quando a presidente do Conselho da Federação Russa (Senado), Valentina Matviyenko, visitou o país em Junho e manteve encontro com o Presidente da República, Filipe Nyusi. Aliás, Matviyenko teria lembrado o apoio da Rússia em todas as etapas históricas que o nosso país atravessou, deixando claro que não se incomodava com a neutralidade sobre a guerra na Ucrânia, pelo contrário, aproximava a boa relação entre Maputo e Moscovo.

O que ninguém sabia é que, em meio a essa aproximação entre os dois países, Moçambique já tinha na mesa, no Ministério de Negócios, Estrangeiros e Cooperação Internacional as “instruções” para implementar acções que sancionam a Rússia.

A imposição americana

Como parte das sanções, o país foi comunicado das novas sanções dos Estados Unidos da América (EUA) contra companhias de navegação marítima da Rússia, que chegaram ao público em documento vazado recentemente.

É das mãos da Verónica Macamo que o Ministério dos Transportes e Comunicações (encaminhada a Autoridade Marítima) foi, precipitadamente, comunicado da solicitação do Governo Americano ao Governo de Moçambique “para recusar o acesso aos Portos Nacionais, bem como a não prestação de serviços por parte da indústria marítima e financeira a sete (7) Companhias marítimas e sessenta e nove navios (69) da Federação russa alvos de sanções adoptadas pelos EUA, alegadamente envolvidos em actividades nocivas e associadas à invasão ilegal da Ucrânia pela Rússia”. A Autoridade Marítima foi comunicada a 25 de Julho, e de lá, antes que se acautalasse questõs políticas, o documento foi encaminhado à Autoridade Tributária para ser executado, mas viria prontamente a ser anulado pelo director geral das alfandegás, Taurai Inácio Tsama, antes que criasse qualquer mau estar dimplomático.

Segundo o levantamento do Evidências, trata-se de navios de carga geral e outros petroleirios que não devem ser assistidos pelas autoridades moçambicanas, muito menos ter acesso aos Portos nacionais, uma autêntica incoerência diplomática que coloca em causa a sua neutralidade no conflito entre Rússia e Ucrânia.

Além de incoerência diplomática, não deixa de ser curioso o facto do Governo ter “simulado” disponibilidade para analisar a proposta de adquirir combustível barato vendido pela Rússia, num momento em que já tinha na mesa a solicitação do Governo Americano ao Governo de Moçambique para recusar o acesso aos Portos Nacionais de uma lista de navios que inclui navios petrolíferos, como é o caso dos navios NP Dikson da companhia Nord Project LLC Transporte Company; a Polar Rock, da companhia Marine Trans Shipping LLC, entre outros.

A possibilidade de fazer negócios com a Rússia, num ramo em que o ocidente impõe limitação, foi avançada pelo ministro dos Recursos Minerais e Energia, Carlos Zacarias, em resposta ao convite do embaixador da Rússia em Maputo, Alexander Surikov, que mostrou interesse da sua Nação em vender combustíveis para Moçambique a preços mais baixos, basta que compre em rublo, sua moeda.

“Como sabe, nós vivemos um momento peculiar em que, devido a vários factores, como a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, há impactos que têm atingido todo o mundo e, particularmente, nos últimos tempos, temos assistido a um aproximar de posições que talvez providencie combustível a partir da oferta da Rússia e, naturalmente, se há essa oferta, estou certo de que nós vamos verificar e estudar a viabilidade dessa oferta. Se houver viabilidade, com certeza será adquirido”, assegurou Carlos Zacarias.

Na verdade, segundo o Regulamento sobre os Produtos Petrolíferos, “em determinadas circunstâncias e para a defesa dos interesses económicos do país, o ministro que superintende a área de Energia pode, mediante concordância do ministro que superintende a área das Finanças, designar uma distribuidora devidamente licenciada para efectuar a importação dos produtos petrolíferos, no mercado internacional ou ao abrigo de acordos e/ou protocolos celebrados entre o Executivo moçambicano e os Governos de outros países. Trata-se de um instrumento legal que pode ser aplicado no contexto em que o país vive.

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