Moçambique está em vias de um golpe de Estado

DESTAQUE POLÍTICA
  • Ala Nyusi quer mudar mais do que uma data na Constituição e enfurece camaradas
  • Eleições Distritais são pretexto para mexer na Constituição e acautelar terceiro mandato
  • Plano é mudar a eleição do Presidente da República de eleição directa para indirecta
  • Isso tornaria Nyusi automaticamente cabeça de lista da Frelimo em 2024

Desde Maio de 2022, o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, tem vindo a insistir num debate em torno do provável adiamento das primeiras eleições distritais previstas para 2024, no âmbito do processo de descentralização. Sob argumento de que o País não tem dinheiro, FN convocou, em Dezembro último, os moçambicanos para reflectirem sobre a viabilidade das eleições distritais, tendo na ocasião anunciado uma comissão de auscultação para o efeito. No entanto, por detrás desta insistência na reflexão sobre o adiamento das eleições distritais, que implicaria uma revisão da Constituição da República, está um plano visando uma revisão mais profunda, que incluirá uma mudança de modelo de eleição do Presidente da República, saindo da actual eleição directa para uma eleição indirecta, ou seja, através de listas, o que colocará automaticamente Filipe Nyusi como cabeça de lista da Frelimo, o que já é interpretado nalguns círculos como um acto preparatório de um Golpe Constitucional, uma espécie de Golpe de Estado soft segundo teóricos das ciências políticas.

Reginaldo Tchambule / África Monitor

O Presidente da República, Filipe Nyusi, tem estado empenhado numa empreitada pessoal, visando forçar uma mudança da Constituição para o adiamento das eleições distritais aprazadas para o próximo ano. No entanto, cresce o receio de que Filipe Nyusi e seu grupo não estejam interessados em apenas rever uma data na Constituição, tal como escreve o Africa Monitor Intelligence, na edição 1390 do seu relatório semanal, publicado na passada sexta-feira.

A publicação adianta que por essa razão a proposta de reflexão não tem colhido consenso dentro da própria Frelimo, sendo vista por algumas alas como uma estratégia visando prolongar a permanência de Filipe Nyusi no poder.

É que, para o adiamento das eleições distritais de 2024 para uma outra data, necessitaria da revisão da Constituição da República, actualizada pela última vez em 2018, sendo este um dos aspectos que foram introduzidos.

Dentro do partido Frelimo, há o receio de que a intenção primária do debate lançado inicialmente por Celso Correia em Maio de 2021, durante um Comité Central do partido, no qual foi também levantada a possibilidade de extensão do mandato de Filipe Nyusi a frente dos destinos do País, não seja somente mexer uma data, mas sim aproveitar a revisão para acomodar novos aspectos que levariam a um terceiro mandato.

Eleição indirecta coloca Nyusi como cabeça de lista da Frelimo em 2024

Dentro da própria Frelimo,, há uma discussão sobre uma proposta de mudança dos sistema de eleição do Presidente da República para em vez de ser de forma directa, passar a ser eleito de forma indirecta, ou seja, através das listas dos partidos políticos, tal como acontece em Angola. Em Moçambique este modelo começou a ser implementado desde 2018 para a eleição dos presidentes dos municípios e governadores de província.

Tendo sido eleito Presidente da Frelimo, no último Congresso do partido para um mandato de cinco anos, ou seja, até 2027, numa situação de eleição indirecta, Filipe Nyusi seria automaticamente Cabeça de Lista da Frelimo em 2024, sendo por isso, reeleito Presidente da República, num modelo novo e com cobertura da nova Constituição da República.

Por essa razão, há neste momento um jogo de forças dentro do partido Frelimo, com vista a travar qualquer iniciativa que possa exigir a revisão da Constituição da República. Joaquim Chissano, antigo Presidente de Moçambique, muitas vezes apontado como próximo de Filipe Nyusi, foi o primeiro a contraria-lo.

Disse numa entrevista à STV que não vê nada que impede que Moçambique possa avançar com a eleição dos administradores distritais a partir de 2024. Contrariamente à tese de Filipe Nyusi, considera que as eleições distritais são viáveis e exige que os órgãos e as estruturas sejam respeitados.

Esta facção da Frelimo que não alinha com FN e procura evitar que o adiamento das eleições distritais seja um protesto para uma revisão mais profunda da Constituição, ficou evidente no Simpósio dos 80 anos de AEG, em que Hermenegildo Gamito e Castigo Langa questionaram o debate lançado por Filipe Nyusi sobre a realização ou não das eleições distritais em 2024.

Tanto Hermenegildo Gamito, antigo presidente do Conselho Constitucional, assim como Castigo Langa, antigo ministro no consulado de Joaquim Chissano, são da ala conservadora da Frelimo e este último já se colocou contra a ideia de um terceiro mandato nas vésperas do XII Congresso, quando aconselhou FN a não aceitar qualquer proposta no sentido de continuar no poder. Acabou sendo sacrificado pela frontalidade com que confrontou Filipe Nyusi.

Apesar de ter sido colocado contra a parede para se pronunciar sobre um terceiro mandato, Filipe Nyusi, não assumiu nem negou essa pretensão, alegando tão-somente que o assunto não estava na agenda.

Sobre a proposta de Filipe Nyusi, que anunciou a criação de uma Comissão para uma auscultação pública sobre as eleições distritais de 2024, Gamito diz que não deve haver espaço para debater sobre uma questão que deve ser executada em cumprimento da Constituição da República. Aliás, enfatiza que é incontornável e sentencia: “Está na Constituição. Façam-se as eleições como reza a Constituição”.

Já para Castigo Langa, militante da Frelimo, as eleições distritais são um imperativo da Constituição da República, que deve ser seguida escrupulosamente.

Grupo próximo a Nyusi já não esconde a pretensão de avançar para mais um mandato

A posição daqueles destacados membros do partido Frelimo, mostra a temperatura do ambiente interno dentro das hostis do partido governamental em Moçambique, numa altura em que se aproximam as eleições internas para as eleições municipais, provinciais e gerais, em que certamente as alas vão querer impor os seus candidatos. Na altura, Filipe Nyusi apelidou de ridículo que alguns camaradas que antes se opunham à descentralização hoje apareçam a defender a realização das eleições distritais.

A discussão sobre a viabilidade das eleições distritais estava inscrita no rol das matérias que serão discutidas na presente sessão da Assembleia da República, no entanto, acabou sendo retirado nas vésperas do arranque dos trabalhos do parlamento, o que espelha a falta de consenso interno dentro da Frelimo.

O grupo próximo a Nyusi já não esconde a pretensão de avançar para um terceiro mandato, alegando que é preciso consolidar o processo de governação em curso, porque a experiência do passado mostra que a cada ciclo de governação os projectos anteriores são escangalhados. Mas há quem suspeita que a intenção de continuidade de Filipe Nyusi e seu elenco no poder deve-se ao medo de encarar justiça nacional e internacional no fim do mandato.

O que é um Golpe Constitucional e o que o equipara ao Golpe de Estado?

Segundo bibliografia avulsa consultada pelo Evidências, uma provável mudança da Constituição para acomodar um terceiro mandato, por via de eleição directa seria tipificada como um Golpe Constitucional, que ocorre quando membros do governo, partidos ou sectores do governo assumem o poder por meios tecnicamente legais o que, no entanto, representa uma ameaça semelhante aos golpes de Estado tradicionais, mas neste caso sem o uso de armas, mas por via da manipulação ou alterarão à constituição para assumir o poder legalmente.

Segundo uma pesquisa livre, os Golpes Constitucionais geralmente ocorrem sem grandes convulsões como se esperaria de golpes militares extra-constitucionais e raramente ocorrem em democracias ocidentais estabelecidas. Os Golpes Constitucionais são facilitados por instituições democráticas fracas e pela ausência de “cultura democrática” dentro dos países.

Estes tipos de golpes são muito frequentes em África, onde cerca de 30 chefes de Estado africanos tentaram estender seus mandatos por meio de mudanças constitucionais desde o início da década de 1990.

Muitos presidentes africanos mudaram as constituições de seus países para estender seus limites de mandato. Estes incluem os presidentes Gnassingbé Eyadéma (Togo), Yoweri Museveni (Uganda), Idriss Déby (Chade), Paul Biya (Camarões), Paul Kagame (Ruanda), Pierre Nkurunziza (Burundi) e Abdel Fattah el-Sisi (Egito).

Em 2005, o presidente de Burkina Faso, Blaise Compaoré, explorou uma peculiaridade da constituição de 1991 para permanecer no poder depois de estender os limites de mandato. Compaoré argumentou que, por ter sido eleito para o cargo antes dos limites de mandato serem instituídos em 2000, os limites não se aplicavam a si.

O Conselho Constitucional de Burkina Faso, controlado por Compoaré e seu partido político, o Congresso para a Democracia e o Progresso, decidiram em seu favor. Em seguida, Compaoré concorreu e conquistou um terceiro mandato.

No caso de Moçambique, Filipe Nyusi tem todo cocktail institucional a seu favor para um Golpe Constitucional. Tem uma maioria parlamentar ao seu dispor, uma oposição enfraquecida e um Conselho Constitucional dirigido por uma amiga de família, com interesses empresariais comuns.

O filho da presidente do Conselho Constitucional é sócio da filha de Filipe Nyusi, Cláudia Nyusi e em 2020, dois dias depois de empossá-lo para o segundo mandato, Lúcia Ribeiro vestiu-se a rigor igual a uma Cheerleader para assistir o líder do Executivo a jogar Golfe, o que na altura foi assumido como a consumação da promiscuidade entre os dois poderes.

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