Em fim de ciclo, Nyusi cometeu erro de cálculo e arrisca-se a ser desafiado por cabeças-de-lista

DESTAQUE POLÍTICA
  • Imposição de Candidatos do Chefe gera desilusão e revolta na Frelimo
  • Primeiros secretários e chefes das Brigadas de Assistência sentem-se contrariados
  • Há cabeças-de-lista que poderão avançar com candidaturas contra as ordens do chefe
  • Matolenses celebram Júlio Parruque, enquanto em Marracuene Shafee é aposta popular

Serão conhecidos, dentro de dias, os candidatos a cabeça-de-lista do partido Frelimo homologados, na passada quarta-feira, pela Comissão Política do partido, alargado aos primeiros secretários provinciais e chefes das brigadas centrais de assistência às províncias, no entanto, já são conhecidos alguns nomes que tiveram “ok” para avançarem, mas a grande surpresa foi a inclusão de alguns nomes novos, como são os casos de Júlio Parruque para Matola e Stela Zeca Pinto para Beira, entre outros apontados como sendo as escolhas particulares do “chefe”, neste caso o Presidente da Frelimo. Entretanto, a imposição de candidatos que sequer demonstraram vontade de concorrer a nível distrital e provincial está a gerar um forte descontentamento por parte dos primeiros secretários provinciais e chefes das brigadas, que se sentem desautorizados e humilhados por não terem sido sequer consultados. A decisão chancelada pessoalmente por um Presidente do partido em fase final de ciclo de governação, a escassos meses da indicação do seu sucessor, pelo menos enquanto candidato, poderá colocar em causa a sua liderança. É que, por se tratar de uma decisão chancelada ao mais alto nível, os pré-candidatos têm, por obrigação, de desistir para não criar um embaraço, contudo, há alguns candidatos a cabeças-de-lista que, ao que tudo indica, irão avançar até as últimas consequências, ou seja, desafiarem os candidatos do “chefe”, que a essas alturas já não é tão determinante para o futuro como há cinco anos.

 

Há murmúrios e reuniões de concertação intermináveis na Frelimo desde a passada quarta-feira à noite, na qual ficaram decididos os nomes finais dos pre-candidatos a candidatos a cabeça de lista. Em causa está a inclusão, nas listas homologadas pela Comissão Política, de alguns candidatos que não faziam parte das listas enviadas pelos Comités Provinciais, chanceladas pelas Brigadas Centrais de assistência às províncias.

Regra geral, as listas que foram homologadas na Comissão Política são as mesmas avançadas pelo Evidências na edição 114, que em primeira mão avançou, pelo menos, a composição das listas a nível da cidade e província de Maputo.

Entre as principais novidades desponta Júlio Parruque, actual governador de Maputo, que foi enxertado pela Comissão Política por indicação directa do Presidente do partido, para concorrer nas eleições internas na cidade da Matola, deitando um balde de água fria sobre Calisto Cossa, actual edil, cuja renovação já era dada quase certa.

Entretanto, o seu pecado terá sido o facto de ter quase perdido as eleições para António Muchanga, em 2018. Por essa razão, Parruque, com uma carreira política sem grandes máculas e nem polémicas, é tido como o salvador que a Matola precisa, e a decisão da sua indicação é saudada um pouco por toda a Matola, sobretudo por quem já não vê ideias novas por parte do actual edil.

Para a cidade de Nampula, a Comissão Política decidiu chumbar o trabalho do comité provincial, cuja brigada central é chefiada por Celso Correia, por sinal membro do órgão, ao acrescentar no nome do experiente Rosário Mualeia, uma velha raposa do dirigismo no Governo e no partido, considerado bastante influente em Nampula. Mualeia, caso seja eleito, tem a missão de recuperar o município da terceira maior cidade do país das mãos da Renamo.

Outro caso notável de um candidato do “chefe” é Stela Zeca Pinto, secretária de Estado em Sofala, que vai concorrer na Cidade da Beira, onde a missão da Frelimo é recuperar a autarquia que lhe foge desde 2003. Esta não é a primeira vez que o “chefe” indica seu candidato para Beira. Em 2018 impos Augusta Maita, que acabou sendo derrotada por Daviz Simango.

Estas e outras escolhas do chefe estão a enervar os camaradas pelo seu mérito ou não, mas pela forma como chegam à corrida eleitoral, pois não submeteram candidaturas e não foram sufragados pelas bases. Aliás, acredita-se que a decisão de Filipe Nyusi coloca em causa aquilo que foi a decisão das bases e órgãos sociais a nível local, que suportam as candidaturas enviadas aos comités de zona e depois aos comitês provinciais, antes de chegarem à Comissão Política.

Mas, mais do que colocar em causa as bases, a imposição de candidatos por parte do Presidente do partido abriu feridas nos corações dos primeiros secretários provinciais e chefes das Brigadas, que se sentem como se tivessem recebido um certificado de incompetência, ou seja, humilhados por supostamente não terem feito boas escolhas.

Províncias têm que evitar embaraço do candidato do chefe ser derrotado

O sentimento de revolta tem estado a ser ecoado um pouco por todo o país, não só pelos primeiros secretários e chefes das brigadas, mas também por parte dos membros da Comissão Política que denunciam uma espécie de arrogância por parte do Presidente do partido por tomar algumas decisões unilateralmente, ou com suporte e conhecimento de um grupo restrito.

A principal razão para o desespero dos secretários reside também no facto de recair sobre eles a batata quente de terem que mobilizar os cabeças de lista homologados com ressalva, ou seja, que vão disputar com o candidato do “chefe”, para desistirem por forma a não embaraçarem as escolhas do número um do partido.

É que, se por acaso um dos candidatos, que vem das bases avançar e conseguir vencer nas eleições internas ao candidato proposto pelo Presidente do partido, poderá beliscar a sua imagem e autoridade, pelo que, neste momento, o principal desafio é convencer os candidatos, alguns dos quais já gastaram rios de dinheiro em jogos de bastidores para desistirem.

A fórmula deverá ser igual à que foi usada nas eleições dos órgãos sociais e nas conferências a vários níveis que precederam o Congresso, em que os candidatos são convencidos a retirar as candidaturas, sob pretexto de que ainda não é a sua vez, ou porque tem que se dar prioridade à escolha do chefe.

Evidências sabe que já iniciaram negociações para convencer candidatos a desistirem, muitas vezes com promessas de serem chancelados para outros cargos futuramente na administração pública e governo.

Há cabeças-de-listas decididos a avançar até as últimas consequências

Evidências sabe que, apesar de haver uma orientação superior para evitar-se embaraçar as escolhas do “chefe”, há alguns cabeças-de-lista, alguns dos quais com base de apoio muito forte e recursos para comprar lealdades, que pensam em avançar contrariando as ordens superiores.

É que entre estes também reina o sentimento de que podiam ter sido da humilhação, sendo informados atempadamente que não fazem parte das escolhas do chefe, para que retirassem candidatura ou sequer avançassem com o desejo de serem eleitos.

Em jeito de afronta, alguns estão mesmo dispostos a irem às urnas e se possível derrotarem o candidato do chefe, sobretudo porque o actual “chefe” já não é tão determinante para o futuro como era há cerca de cinco anos.

É que o ciclo de governação do actual Presidente da República está no fim e mais tardar, no Comité Central de Março ou Maio de 2024, a Frelimo terá que ter um outro candidato presidencial, que imediatamente se tornará a mais nova coqueluche à qual será dedicada total lealdade, deixando Filipe Nyusi de ser o senhor dos destinos dos membros do partido e não só.

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