Nyusi tenta sair mais uma vez pela porta pequena

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  • Depois de Maputo, reclama imunidade no Tribunal Superior de Londres

Mais uma vez, o Presidente da República, Filipe Nyusi, volta a estar no centro do debate em sede de um tribunal e tenta escapar de acusações ligadas a sua alegada participação nas dívidas ocultas, sem nem sequer provar a sua inocência. Na semana finda, através do seu advogado, Rodney Dixon, voltou a ensaiar uma saída do caso das dívidas ocultas pela porta pequena, ao invocar imunidade como chefe de Estado, para que não seja ouvido pelo Tribunal Superior de Londres sobre acusações de que terá recebido subornos da empresa PrivInvest quando era ministro da Defesa Nacional e coordenador do Comando Operativo.

 

Parece que o Presidente da República, Filipe Nyusi, ainda não ouviu falar do adágio popular que diz que “a dúvida corrói”, pois parece disposto a tudo fazer para manter-se longe de um eventual esclarecimento, em tribunal, sobre a sua participação no processo de contração das dívidas ocultas e o suposto recebimento de subornos da empresa libanesa PrivInvest.

Depois de ter saído visivelmente protegido no julgamento das dívidas ocultas em Maputo, Filipe Nyusi ensaia uma nova saída pela porta pequena no julgamento que tem lugar em Londres, Inglaterra, na sequência de um processo submetido pela Procuradoria-Geral da República contra o grupo PrivInvest e o Credit Suisse, com vista a anulação das garantias feitas em nome do Estado.

Constituído como quarta parte no processo, numa lista que conta com outros gestores e personalidades moçambicanas, Filipe Nyusi está a fazer de tudo para evitar o embaraço de ser confrontado, em Outubro próximo, no Tribunal de Londres, com perguntas embaraçosas sobre um suposto recebimento de subornos em dinheiro e em espécie, tal como vem insinuando o grupo PrivInvest.

Com efeito, através do seu advogado em Londres, Filipe Nyusi alegou ter imunidade na qualidade de Chefe do Estado moçambicano e pediu que se anule as alegações de que aceitou subornos da PrivInvest, ou seja, quer mais uma vez escapar sem esclarecer aos moçambicanos e ao mundo se “comeu ou não comeu”.

Trata-se de uma dúvida que paira no consciente dos moçambicanos desde o Julgamento de Jean Boustani nos Estados Unidos, em 2019, altura em que começaram a surgir insinuações de que seria o individuo identificado nos e-mails como “New Man” e que terá recebido pelo menos um milhão de dólares.

Para reforçar o seu pedido, o advogado de Filipe Nyusi em Londres, Rodney Dixon, argumentou que “não há diferença legal” entre alguém tentando processar Nyusi em Londres e o rei Charles da Grã-Bretanha ser processado na Austrália.

Em Maputo também alegou-se imunidade e outros argumentos

Se em Londres a batata quente ainda está nas mãos do implacável juiz Robin Knowles, que chegou a dar ultimato a Filipe Nyusi para se preparar para ir ao tribunal, em Maputo, o actual Presidente da República em final de mandato, foi blindado em todas fases processuais até o julgamento, tendo contado, inclusive, com um improvável advogado.

Embora o seu nome tenha sido referenciado por réus e declarantes desde o primeiro ao último dia, o juiz do caso, Efigénio Baptista, que vezes sem conta chegou a mostrar algum nervosismo sempre que o nome do PR era citado, recusou-se a notificar Filipe Nyusi, alegando imunidade e falta de fórum.

Foi assim, no dia 18 de Janeiro, quando Efigénio Baptista indeferiu um requerimento da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) para ouvir o Presidente da República, Filipe Nyusi, como declarante no caso das “dívidas ocultas”.

A OAM pediu a audição porque Filipe Nyusi era ministro da Defesa à data dos factos constantes no processo.

“Dos membros do comando conjunto, o antigo ministro da Defesa é o único declarante ouvido em sede de instrução”, cujas declarações “não estão previstas para serem confirmadas nesta audiência”, justificou Vicente Manjate, representante da OAM, na ocasião.

Porém, o juiz afirmou que “a diligência requerida não contribui para a descoberta da verdade” e retardaria “o andamento do processo”, escancarando assim, pela primeira vez, a porta pequena para Filipe Nyusi, que agora tenta o mesmo recurso para não se pronunciar sobre factos a si imputados.

Entretanto, observadores em Maputo dizem que ao não se abrir para um provável esclarecimento do caso das dívidas ocultas em sede do tribunal, abre espaço para que dúvidas persistam sobre o seu envolvimento ou não no calote e alimenta especulações de que terá realmente recebido subornos da PrivInvest.

Do dinheiro no Dubai ao Land Cruiser e presentes à “ninhada” presidencial

Na sua defesa, no âmbito do processo que corre termos na Suprema Corte de Londres, na Inglaterra, movido pela PGR contra o Grupo PrivInvest, Iskandar Safa, dono daquele conglomerado empresarial, deu detalhes de como terá pago quantias substanciais, tanto directa quanto indirectamente, para o Presidente Nyusi, após a sua eleição como candidato para as eleições presidenciais de 2014.

Segundo Safa, o actual estadista moçambicano terá recebido subornos na ordem de um milhão de dólares para a sua campanha de 2014 e outros um milhões terão sido pagos em bens ocultados em paraísos fiscais. O arguido António Carlos do Rosário foi quem terá dito a Boustani que o Presidente Nyusi desejava receber fundos da Privinvest para a sua campanha.

“Rosário indicou ao Sr. Boustani que o presidente Nyusi desejava receber recursos do PrivInvest para a sua campanha, separado dos fundos que estão sendo contribuídos directamente para FRELIMO (USD 10 milhões)”, refere Safa, apresentando inclusive alguns e-mails que se supõe serem de Florindo e Jacinto Nyusi, filhos do Presidente da República, que também terão sido agraciados por presentes luxuosos do médio oriente.

A PrivInvest fez o referido pagamento a 10 de Abril de 2014, através da Logistics Offshore, para uma conta em nome da Sunflower International Corp FZE, na Emirates NBD. A PrivInvest alega ainda que adquiriu uma viatura de marca Toyota Land Cruiser, por 7.286,614.42 rands, para uso pessoal de Filipe Nyusi na campanha eleitoral que o conduziu à Presidência da República em 2014.

“Por volta de Julho de 2014, o Presidente Nyusi solicitou a aquisição de um veículo de campanha. O Presidente Nyusi solicitou o seu carro por e-mail, de 21 e 24 de Agosto 2014. O veículo (um Toyota Land Cruiser com modificações adequadas e arte) foi adquirido mediante pagamento, datado de 11 de Julho de 2014, pela Proindicus, para a Spring Trade 206 CC, uma empresa sul-africana, no valor de 7. 286 614,42 ZAR”, lê-se na defesa da Privinvest.

A PrivInvest diz que, para ocultar a proveniência do dinheiro, António Carlos do Rosário recebia o dinheiro de Nyusi e transferia para uma suposta sobrinha e afilhada do Presidente Nyusi, que se acredita que seja a sua testa de ferro. O Ministério Público moçambicano nunca se pronunciou sobre estas alegações.

“Em uma reunião com Jean Boustani no Aeroporto Paris-Le-Bourget, em 01 de Agosto, o Presidente Nyusi solicitou mais contribuições de campanha e / ou assistência da PrivInvest. Esta reunião ocorreu no contexto do périplo do candidato pela Europa (Londres, Paris, Berlim e Lisboa)”, acusa Safa.

Segundo a PrivInvest, por orientações de Nyusi, António Carlos de Rosário terá comprado uma vivenda localizada num bairro da elite, em Cape Town, na África do Sul, para Jacinto Ferrão Filipe Nyusi, filho do Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, em Julho de 2014, coincidentemente no mesmo período (Entre Abril e Agosto de 2014) em que a Privinvest diz ter aberto os cordões à bolsa para pagar subornos a aquele que viria a ser o quarto Presidente do País.

Sempre cauteloso, o clã Nyusi, quando iniciaram as investigações do caso, livrou-se daquele activo, que se supõe ter sido adquirido com dinheiro das dívidas ocultas.

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