Em 2023, de acordo com dados revelados pelo Ministério de Género, Criança e Acção Social, foram resgatadas em todo o território nacional cerca de 600 raparigas das uniões prematuras, o que de certa forma contribuiu para a redução de 48 para 41% a prevalência da taxa das uniões prematuras no país. No entanto, devido a pobreza, algumas vítimas regressam às uniões prematuras mesmo depois do resgate, sendo que para contornar este cenário o Governo aloca 540 meticais para cada rapariga.
Duarte Sitoe
Moçambique consta do rol dos países com uma das taxas mais elevadas de uniões prematuras. De acordo com a UNICEF, cerca de 48% das mulheres com idades compreendidas entre 20 e 24 anos de idade já foram casadas ou estiveram numa união antes dos 18 anos e 14% antes dos 15 anos.
Constância (nome fictício) faz parte do grupo das raparigas que foi obrigada a ir ao lar aos 15 anos de idade em virtude de ter voltado tarde à casa.
“Saí da escola cedo, passei da casa do meu namorado para conversar e só percebi que já era tarde quando peguei o relógio e apontava 19 horas. Naquele momento, o medo estava sobre mim, mas tive coragem e voltei para casa. Quando cheguei o meu pai expulsou-me de casa, dizendo para voltar para onde estava”, declarou a vítima, para posteriormente referir que passou a noite em casa do namorado na esperança de que no dia seguinte os ânimos do progenitor não estariam mais exaltados, mas, debalde, encontrou as malas já prontas.
“Pedi desculpas ao meu pai e à minha mãe, tentei explicar, mas eles apenas disseram que não tinha mais espaço naquela casa e daí em diante quem ia cuidar de mim era o meu namorado e a família dele, não tive reacção, apenas força para carregar as roupas”, sublinha.
Desde aquele momento, a vida da Constância mudou de dia para noite, tendo ficado desolada, uma vez que não esperava que a família lhe virasse as costas.
“Era obrigada a acordar às 5h para organizar a casa. Até às 8h o pequeno-almoço devia estar servido e fazer outros trabalhos, isso deixava-me cansada, o que contribuía negativamente no meu desempenho escolar. Depois de um mês na casa do meu namorado tive que deixar de estudar, senão também seria expulsa”.
A sobrevivente contou que viveu em casa do ano namorado durante 12 meses antes de ser resgatada pela professora que contou com o apoio de algumas organizações da sociedade civil que advogam sobre os direitos das mulheres e raparigas.
“Já não era a mesma, estava magra e pálida. A união prematura acabou comigo, deixou-me debilitada, mas hoje voltei à escola e espero terminar a minha 12 classe, e quem sabe tornar-me advogada”, sublinhou.
Aos 16 anos de idade, Marta achou que estava crescida para ir ao lar, tendo, para o efeito, decidido viver maritalmente com João, de 18 anos de idade. Foi com 17 anos de idade que a nossa entrevistada teve o primeiro filho. Entretanto, viu-se obrigada a voltar à casa devido à falta de respeito e consideração do parceiro.
“Ele me insultava, dizia que eu não era mulher, chegou uma fase que sofria violência. Decidi voltar para casa porque não aguentava com tanta falta de respeito e maus tratos por parte dele. Meus pais receberam-me de braços abertos, apoiaram-me junto com o meu filho que ainda não tinha nascido. Confesso que a união prematura acabou com meus sonhos. Estou arrependida, mas a vida deu-me uma segunda oportunidade”, declarou aquela que é parte de uma grande estatísticas de vítimas.
Governo lamenta que algumas vítimas regressem às uniões prematuras depois de resgate
A prevalência de casos de uniões prematuras preocupa sobremaneira o Ministério do Género, Criança e Acção Social. Para erradicar as uniões prematuras, o Executivo, com o apoio dos parceiros de cooperação e organizações da sociedade civil, tem levado a cabo várias iniciativas, e em 2023 conseguiu resgatar 600 raparigas nas teias das uniões prematuras.
“Já estivemos com cerca de 48%, índice bastante elevado, mas com o trabalho que temos vindo a fazer os dados baixaram, estamos actualmente com 41% raparigas nas uniões, o que significa que no ano passado resgatamos mais de 600 raparigas das uniões prematuras e cerca de 425 no primeiro trimestre deste ano”, disse Vladimir Nomier, chefe do departamento da criança em situação difícil no MGCAS.
Nomier lamentou o facto de algumas raparigas regressarem às uniões prematuras após serem resgatadas, sendo que algumas voltam devido à pobreza, daí que o Executivo decidiu desembolsar 540 meticais por mês para reter as raparigas no Sistema Nacional de Ensino.
“Infelizmente, temos esse desafio porque o processo de resgate é longo e não fazemos de forma forçosa, por isso fazemos os possíveis para mostrar aos pais e a rapariga que colocar a criança no lar é impedi-la de estudar e gozar dos seus direitos, este regresso das raparigas ao lar tem contribuído para que não atinjamos a meta de reduzir as uniões prematuras para 38% no presente quinquénio. A abolição do despacho 39 traz um elemento galvanizador para não deixar a criança que tenha ficado grávida interromper as suas aulas, e por via disso o sector introduziu o subsídio para criança, cada uma delas recebe, mensalmente, 540 meticais por mês”.
Refira-se que as províncias de Nampula, Zambézia e Inhambane são as que actualmente têm maiores casos de uniões prematuras no país.
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