Luca Bussotti
Nos trinta anos da história eleitoral de Moçambique sempre houve duas constantes: a vitória da Frelimo e a contestação dos resultados por parte das oposições. Ambos estes fenómenos ocorreram de forma desigual, no sentido de que a Frelimo sempre se manteve acima da maioria absoluta, quer quanto aos assentos na Assembleia da República, quer no que diz respeito às eleições presidenciais. Mas teve resultados diferenciados: em 1999, por exemplo, o seu candidato, Chissano, andou muito perto a perder contra o candidato da Renamo, Dhlakama, ao passo que, em 2019, a maioria de Nyusi foi esmagadora. O mesmo verificou-se acerca da segunda constante: os protestos por parte das oposições (sobretudo a Renamo, em algumas circunstâncias o MDM) modularam-se segundo intensidades diferenciadas. Em 1999 e, em parte, em 2014, quando os resultados oficiais entre Renamo e Frelimo e entre os seus dois candidatos se aproximaram, os protestos foram mais vibrantes, ao passo que em outras ocasiões eles ficaram mais limitados, mas nunca faltaram.
Ao longo dos últimos tempos, quer nas eleições gerais de 2014 e 2019, quer nas autárquicas de 2023, a própria comunidade internacional, tradicionalmente pouco propensa a criticar a regularidade e transparência dos processos eleitorais, sublinhou as graves irregularidades dos mesmos, ajudada nisso duma sociedade civil moçambicana mais consciente e determinada em fazer respeitar a vontade popular.
A grande questão que se coloca nestas eleições gerais de outubro é a seguinte: será que o candidato da Frelimo, Daniel Chapo, irá conseguir ganhar as eleições (respeitando a primeira constante acima assinalada), sem recorrer aos usuais “truques” (a segunda constante) de que a Frelimo costuma se servir para conquistar a maioria dos votos dos Moçambicanos? Dito de outra forma: será que o jurista Daniel Chapo está disponível em aceitar o risco de perder as eleições presidenciais, em nome da transparência eleitoral?
Até hoje, ninguém, na Frelimo, inclusive Daniel Chapo, fez um pronunciamento explícito deste ponto de vista. Para quem observa sem interesses partidários, a única forma de torcer é em prol da democracia. As eleições na África do Sul ensinam, deste ponto de vista. E isso significa respeitar o desejo popular, de quem for votar, o que representa a base de qualquer democracia. Uma base que, em Moçambique, parece que nunca tenha sido respeitada…
Diante de nós temos, nestes frenéticos dias de campanha eleitoral, duas situações que parecem contraditórias: por um lado, todos os candidatos presidenciais, a partir de Chapo, enfatizam o seu compromisso de luta contra a corrupção. Isto demonstra boas intenções, mas geralmente tal discurso não passa de palavras vazias. As receitas para combater a corrupção existem, e não se deveriam limitar a declarações de boas intenções, mas sim a mudar e simplificar procedimentos administrativos, a aprovar leis sobre os enormes conflitos de interesses que ministros, deputados e outros membros do “governo alargado” sempre tiveram, a fortalecer as capacidades de investigação dos organismos prepostos, a partir do Gabinete de Combate à Corrupção, a dar transparência aos processos de atribuição de benefícios de vária natureza, desde concursos de grande vulto até bolsas de estudo. Por outro lado, a frente de indicações de luta à corrupção, embora genéricas, mas constantemente sublinhadas por parte do próprio Chapo, temos vídeos e notícias da imprensa privada ou das redes sociais que nos deixam surpreendidos de como mesmo nesta campanha eleitoral parecem existir os usuais mecanismos de fraudes eleitorais, desde o recenseamento até a produção de cartões de eleitores falsos, até a preparação para a contagem dos votos. Verdadeiras ou não, estas notícias deveriam ser desmentidas por parte do candidato da Frelimo, que é o partido acusado de praticar tais actos.
A credibilidade da luta à corrupção passa, em primeiro lugar, para combater, ou pelo menos não aceitar, de forma explícita e sem reticências, as manobras eleitorais para alterar a vontade do voto dos Moçambicanos, seja qual ela for, apelando todos os organismos, CNE e STAE em primeiro lugar, a garantir a transparência do processo eleitoral do próximo outubro.
Só desta forma o discurso recorrente de Chapo sobre a luta a corrupção poderá ter um mínimo de credibilidade. Uma missão, talvez, impossível, mas uma missão pela qual valeria a pena pronunciar palavras claras e definitivas, tranquilizando aos Moçambicanos de que, desta vez, as eleições serão transparentes, custe o que custe em termos de interesse pessoal e partidário. Só assim é que a democracia poderá ganhar, sendo ela um bem público que antecede e é mais importante de qualquer partido ou líder político.
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