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A carta de Paris chegou à Presidência da República no dia 24 passado como um misto de salvação e de ultimato. Após quatro longos anos de suspensão forçada, o anúncio do levantamento da Força Maior pelo consórcio da TotalEnergies devia ser motivo de pura celebração. Debalde! Em vez disso, é o início de uma complexa dança negocial onde Moçambique se senta à mesa com a força moral de quem precisa do investimento, mas com a fragilidade de quem tem as costas financeiras contra a parede.
O consórcio da TotalEnergies finca o pé e deixa claro que os 54 meses de paralisia não foram um simples interregno. Foram anos de prejuízo silencioso e profundo. O sonho de transformar o país numa potência energética regional congelou, e com ele, arrefeceram as expectativas de milhares de empregos, o desenvolvimento de uma cadeia de valor local e a tão ansiada injecção de divisas. O sector privado, vitima de todas as dores, desde políticas (manifestações) até conjecturais (divisas), não mais se preparava para uma maré de prosperidade, depois de o ânimo esmorecer perante a incerteza. O atraso do projecto LNG (Gás Natural Liquefeito) tornou-se num símbolo pesado dos constrangimentos que travam o potencial. Culpa nossa. Os nossos governantes preteriram todos os sectores para iludir-se com o gás.
Agora, a luz ao fundo do túnel chega com condições muito concretas. A TotalEnergies, com a frieza pragmática de um gigante energético, não levanta a bandeira do “regresso” sem antes garantir a sua rentabilidade. O projecto, dizem, engordou 4,5 mil milhões de dólares em custos adicionais devido à paralisia. E este valor é a peça central do novo tabuleiro de xadrez. O consórcio exige que o Governo aprove este custo revisto, integrando na base de investimento a recuperar. Como contrapartida por este enorme encargo, pede uma extensão de dez anos na licença de produção e uma reestruturação da dívida da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH). É um acordo duro: Moçambique é convidado a subsidiar, com a sua futura receita, os custos de um atraso que não provocou, em troca de ver o projecto avançar.
Perante este cenário, qual deve ser a decisão sábia de um Governo encurralado por uma crise económica, com o sector privado desanimado, uma dramática escassez de divisas e salários em atraso na Função Pública, depois das violentas manifestações que deixaram um sinal amargo da volatilidade da nossa economia?
Ceder integralmente às exigências da TotalEnergies seria visto por muitos como uma capitulação, uma venda da galinha dos ovos de ouro a preço de saldo. No entanto, recusar ou protelar a decisão é talvez um risco ainda maior. Um “não” pode significar o adiamento sine die do projecto, um sinal devastador para a confiança dos investidores e uma condenação a mais anos de espera por um desenvolvimento que teima a não chegar.
A sabedoria, aqui, residirá numa negociação astuta e realista. O Governo não pode ignorar a sua posição frágil, mas deve lembrar-se de que o consórcio também tem pressa em ver o gás a fluir. Talvez o caminho mais sensato seja aceitar o princípio da partilha dos custos adicionais, pois, sem isso, o projecto não avança e negociar agressivamente os termos dessa partilha e as contrapartidas.
Em vez de uma extensão automática de dez anos, poderia propor um período menor, ou uma extensão faseada consoante metas de produção. Deve também explorar outras concessões não financeiras, como compromissos mais vinculativos em matéria de conteúdo local, formação de quadros ou investimento em infra-estruturas comunitárias. O objectivo deve ser minimizar a hemorragia de receitas futuras, maximizando os benefícios socioeconómicos imediatos e a reconstrução da confiança.
O regresso do LNG a Cabo Delgado é mais do que um projecto de gás; é um teste decisivo à capacidade de Moçambique gerir a sua própria riqueza em contexto de vulnerabilidade. A decisão final não será perfeita, mas terá de ser a menos má, um cálculo doloroso entre o que é justo e o que é vital para pôr o país, finalmente, em movimento. A esperança é que, desta vez, a luz ao fundo do túnel não se apague.



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