Província de Maputo assume compromisso de erradicar o consumo de álcool e drogas nas escolas

DESTAQUE SOCIEDADE
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  • I Conferência Provincial de Educação expõe a crise e a falha de prevenção
  • Directores de escolas relatam o aumento da agressividade, baixo aproveitamento e agitação
  • Secretário de Estado desafia cada actor a fazer seu papel para salvar crianças do álcool e drogas

O futuro da juventude moçambicana está sob uma ameaça silenciosa e corrosiva, evidenciada pelo consumo crescente de álcool e drogas nas escolas. Este foi o alerta principal que ecoou com veemência na I Conferência Provincial de Educação sobre o Consumo de Álcool e Drogas por Alunos, realizada no distrito de Boane, Província de Maputo, sob o lema “Como comunicar para a erradicação do consumo de drogas e bebidas alcoólicas por alunos”. O evento, que reuniu autoridades governamentais, académicos e directores escolares, serviu de palco para a manifestação de uma profunda preocupação com o vício que está a queimar o capital humano do País e a corroer os alicerces do sistema de ensino. Governantes, docentes, dirigentes escolares e sociedade civil assumiram, durante o evento organizado pela ST Projectos e Comunicação, em parceria com o Externato Ideias Válidas, o compromisso de juntos partirem para acções concretas para a erradicação do consumo do álcool e drogas nas escolas que tem resultado na quebra de aproveitamento escolar, absentismo, desistência, entre outros males.

Luísa Muhambe

O flagelo do consumo de substâncias psicoactivas em Moçambique, e em particular no ambiente escolar, tem vindo a intensificar-se, abrangendo, agora, não apenas o ensino secundário, mas também, em casos alarmantes, o primário. O contexto nacional, marcado pela alta disponibilidade de bebidas alcoólicas e uma cultura de consumo comum, é agravado pela facilidade de acesso nas proximidades dos estabelecimentos de ensino, transformando os recintos escolares em zonas de risco.

A problemática é sustentada por dados concretos e relatórios. O Gabinete Central de Prevenção e Combate à Droga (GCPCD) revelou, em 2024, que um total de 23.409 pacientes foram atendidos nas unidades sanitárias por consumo de drogas no país, dos quais 11.355 (48,5%) foram registados só na Cidade de Maputo, sendo o álcool e a cannabis sativa as substâncias mais consumidas. A maior parte destes pacientes com perturbações mentais e de comportamento (PMC) são jovens e adolescentes.

Além disso, o Ministério da Saúde indicou que, no país, oito em cada dez crianças experimentam drogas ilícitas antes dos 14 anos, e seis em cada dez testaram o álcool na mesma faixa etária. O impacto pedagógico é directo: estudos das Universidades Eduardo Mondlane (UEM) e Pedagógica (UP) têm reiterado que o uso e abuso de álcool e outras drogas estão cada vez mais frequentes entre os adolescentes, acarretando sérios problemas como a dependência de substâncias e, principalmente, a redução das capacidades de aprendizagem, com danos à memória, à inteligência e à capacidade de abstracção.

Foi o quadro sombrio do consumo crescente de álcool e drogas nas escolas que, segundo Serôdio Touo, chanceler do Externato Ideias Válidas e Director-Geral da ST Projectos & Comunicação, inspirou a criação do fórum que reuniu educadores, alunos e autoridades em Boane. O dirigente afirmou que a iniciativa nasce de uma preocupação genuína com o futuro da juventude moçambicana, “os nossos continuadores”, cuja formação está a ser ameaçada por um problema que se enraizou nas salas de aula e nas comunidades.

Na sua intervenção, Serôdio Touo destacou que o Externato Ideias Válidas, criado há poucos meses, pretende ser mais do que uma instituição de ensino — quer ser um espaço de reflexão e mobilização cívica.

“Estamos preocupados com a situação que o país atravessa a todos os níveis, mas com especial ênfase na classe estudantil. Por isso, quisemos juntar aqui directores, professores, alunos e governantes, para que deste encontro surjam ideias válidas sobre como comunicar melhor e agir com eficácia na erradicação do consumo de álcool e drogas”, afirmou.

O chanceler agradeceu o apoio do Governo Provincial de Maputo, do Governo Distrital e do Conselho Municipal da Matola, considerando o evento um “marco inicial” de um movimento que deve expandir-se a todo o país.

“O consumo de álcool e drogas é o sintoma de uma ferida social profunda” – Prof. Ferrão

As intervenções de fundo da conferência começaram por traçar um quadro de responsabilidade social alargada, indo além da esfera puramente educacional. O Reitor da Universidade Pedagógica de Maputo, Jorge Ferrão, proferiu um discurso de grande profundidade, sublinhando que o consumo de álcool e drogas é o sintoma de uma ferida social profunda, resultante da desigualdade e da falha das estruturas de apoio à juventude.

“Toda aquela criança que não é abraçada pela aldeia, um dia voltará e vai queimar a aldeia,” afirmou Jorge Ferrão, numa poderosa metáfora sobre a responsabilidade colectiva. O Reitor sublinhou que a sociedade está a colher o “fruto” de um conjunto de desigualdades e da ausência de valores morais.

Ferrão destacou a disparidade entre a escola privada e a pública como um factor de fractura social que alimenta o problema. Para o académico, o vício surge como uma resposta directa à falta de propósito e esperança.

Já Henriques Bongece, secretário de Estado na Província de Maputo, saudou a iniciativa do Externato Ideias Válidas e da ST Projectos & Comunicação, considerando-a um marco inspirador na prevenção ao consumo de drogas e álcool nas escolas. Para o governante, o evento representa “o passo zero” de um movimento que deve ser estendido a todas as instituições de ensino da província.

“Quando uma escola decide agir, nasce a esperança de um Moçambique melhor”, afirmou Bongece, sublinhando que o compromisso comunitário é a base para resgatar os valores e proteger a juventude moçambicana.

Na ocasião, trouxe para o centro da discussão dados estatísticos cruciais sobre a dimensão do flagelo na sua jurisdição, lançando um desafio directo à comunidade, aos docentes, dirigentes escolares e às autoridades para cada um fazer o seu papel. Bongece também divulgou dados operacionais que espelham a intensidade do combate ao tráfico na região.

“Nos últimos nove meses, as autoridades provinciais apreenderam cerca de 244 quilos de soruma (cannabis), e a maior parte foi localizada no distrito de Matutuíne.” Adicionalmente, o governante informou que “pelo menos 268 pacientes, que estavam sob efeito de substâncias nocivas, foram atendidos nas unidades sanitárias da província” no mesmo período.

Apesar dos esforços, Bongece manifestou-se “preocupado com a resistência que se verifica para a retirada das barracas que comercializam bebidas alcoólicas nas proximidades das escolas públicas e privadas.”

“O governo já traçou normas em que ao lado da escola, perto da escola não se pode vender bebidas (alcoólicas), mas há resistência. Esta iniciativa (1ª conferência provincial) vai despertar em nós que ao vendermos álcool perto das escolas, estamos a matar as nossas crianças, estamos a matar o futuro do amanhã” frisou Bongece, apelando à consciência pública

O secretário de Estado alertou ainda para a evolução das formas de consumo, com os alunos a recorrerem a canetas e cigarros electrónicos, notando que consomem tudo o que perturba a mente deles, perturba acima de tudo o processo de ensino e aprendizagem nas nossas escolas.

Impacto na sala de aulas e as estratégias de combate

Com moderação de Reginaldo Tchambule, o primeiro painel da conferência, subordinado ao tema “Impacto do consumo de álcool e drogas no aproveitamento escolar dos alunos”, reuniu directores de escolas secundárias, que partilharam as suas experiências e as medidas de combate adoptadas.

Augusto Nhaca, director da Escola Secundária Filipe Nyusi, descreveu o impacto directo do consumo no desempenho escolar e comportamento. Para ele, o álcool é um acelerador de problemas.

“O álcool, primeiro atinge o cérebro, este aluno passa a não ser um aluno concentrado na sala de aulas. Quando se apresenta na sala, o mesmo aluno já não está concentrado em querer fazer actividades,” explicou Nhaca.

O director notou uma correlação directa entre o consumo e as baixas notas, onde a “ nota mais baixa é daquele aluno que sempre consome o álcool. Nota dois, nota um. Consequentemente, passa a não frequentar a escola. Ele passa a estar fora da escola, um aluno que sempre chega atrasado na escola.”

A Escola Secundária Filipe Nyusi adopta uma abordagem que prioriza a causa e a responsabilização dos encarregados de educação, exigindo que o BI comprove o parentesco, uma vez que o aluno compra encarregado para justificar as faltas. O director também alertou para a indução ao consumo e ao comportamento agressivo que pode ser causado pelas substâncias.

“Depois, este aluno que consome bebida alcoólica agita outros colegas. Alguns até vão com brinquedos de cobras,” relatou, descrevendo como o vício leva a dias de luta, especialmente às sextas-feiras, fazendo com que alguns alunos não compareçam à escola por medo.

O professor Garnece Sindique, director da Escola Secundária da Machava, concordou que existe uma relação indirecta no sentido negativo entre consumo e aproveitamento.

“Para um indivíduo ter um aproveitamento saudável, ele deve ter um cérebro saudável, mas, com o consumo dessas substâncias psicoactivas, elas alteram o funcionamento normal do cérebro,” detalhou Sindique, explicando que o álcool e as drogas podem actuar como depressores ou causar euforia e agressividade, resultando em “um aluno não atento, em um aluno não preparado para aprender”.

Sindique identificou as principais causas do consumo como a compulsão e a comparação social, onde a falta de condições leva o aluno a querer se comparar com os outros, podendo até engrenar para o crime para poder satisfazer as necessidades. Destacou ainda o papel da escola, como segunda casa.

“ A escola é o lugar onde a criança deve se sentir à vontade. A escola ajuda o aluno a superar traumas,” afirmou.

A Escola Secundária da Machava, segundo o director, criou um núcleo de disseminação de informação com três alunos da classe para passar a mensagem de que o álcool e as drogas no geral não são coisas boas para a vida dos alunos.

Elsa Silvestre, directora da Escola Secundária da Matola, trouxe a experiência de uma escola inserida num bairro desafiante, onde o tráfico e venda de drogas se enraizaram. A sua escola aposta na colaboração intensa com a comunidade e na prevenção.

“A comunidade é envolvida através dos pais e encarregados de educação. Primeiro pelo próprio Conselho [da escola] estão representados os pais, está representada também a comunidade, a Polícia da República também faz parte,” explicou Silvestre.

A escola da Matola criou a Comissão de Assuntos Sociais e Segurança da Escola, através da qual os pais e a comunidade se aproximam da escola e assistem a palestras. A estratégia de prevenção inclui o testemunho de ex-viciados e a discussão sobre as expectativas criadas pelo álcool.

“Uma das coisas de que eles falam é que o álcool e droga cria uma expectativa. As nossas publicidades também criam expectativas,” disse Silvestre, observando que o vício se fortifica na adolescência quando a criança busca identificação com grupos, fazendo aquilo que o grupo faz.

O desafio, como concluiu Jorge Ferrão, é colectivo e a solução exige que a sociedade se junte, criando um ambiente que proporcione o propósito e a esperança que o álcool e as drogas prometem, mas não entregam. A Conferência de Boane é um passo essencial para transformar o alarme num plano de acção que resgate a juventude e garanta o futuro da nação.

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