Medidas populistas vão aumentar corrupção nas estradas

EDITORIAL

As estradas, principalmente no troço de Maluana à cruzamento de Xinavane, no distrito da Manhiça, onde os curandeiros fracassaram, estão a ceifar vidas. Esta segunda-feira, houve, na Manhiça, mais um acidente, apenas alguns dias depois de o Governo ter anunciado um novo normal nas estradas. Porque não era mais possível fazer vista grossa ao sangue que semanalmente é derramado, o Ministério dos Transportes e Comunicações anunciou, semana passada, as 14 medidas inseridas na proposta de revisão, em curso, do Código de Estrada para agravar as penalizações no trânsito.

Porque não restam dúvidas que a falha humana lidera na balança da causa dos acidentes, quando comparada com falha na via e no veículo, o Código de Estrada privilegia penalizações e pretere questões de educação e de responsabilização aos outros intervenientes que fazem vista grossa a outros problemas que influenciam na ocorrência de acidentes.

É dentro desta falha humana onde estão as 14 medidas que se concentraram no fim do problema e ignoram onde ele começa abrindo espaço para que os agentes de Trânsito, que proliferam nas nossas estradas, finquem o pé nas questões burocráticas no lugar de verificar as condições da viatura e ter mais argumentos para pedir mais um refresco. Se antes diziam: “a multa é dois mil”, para atiçar o desespero do automobilista de modo a pagar suborno, agora quando disserem “a multa é ir cadeia”, provavelmente o dinheiro do suborno virá ainda a dobrar. E não é para menos, com o agravamento das coisas, o choque vai ser também ainda maior e o desespero de quem não vai querer, com certeza, pagar a multa vai ser maior. No fim, os bufos vão facturar, e muito.

A estrada é apenas o centro onde confluem todos os problemas da viatura, das condições da via e do condutor, que foram sendo minimizados pelos intervenientes de cada parte.

Para chegar à estrada, o condutor precisa ter aulas de teoria (legislação de trânsito, primeiros socorros, direcção defensiva e mecânica básica), e depois seguem as aulas práticas, onde as Escolas de Condução têm uma deficiência palpável, para além da institucionalização de corrupção. Esta última ignorada nas novas medidas.

Não precisa de muito esforço para ouvir relatos de alunos que são treinados em viaturas sem luzes para sinalização, sem painel de ilustração e com problemas mecânicos, forçando os alunos a terem aulas práticas numa viatura que funciona “às cegas”. Não são relatos de uma dezena de alunos, mas de várias dezenas, bastando apenas uma sondagem das instituições da tutela nas escolas que pululam na periferia da cidade.

Estamos a falar de um condutor que vai receber carteira de habilitação sem conhecimento pleno para interpretar as condições de uma viatura, ainda não estamos a falar das noções de meio, de segurança e da via. E porque os instrutores estão conscientes, estipulam uma taxa média de três mil meticais no dia do exame.

Os alunos pagam esta taxa na maior tranquilidade, não importa se sabem ou não, uns pagam porque sabem que sem empurrãozinho não passam e outros porque temem que lhes façam vida negra. O resto, este condutor deverá aprender no terreno, onde abundam condutores de transportadores de passageiros que não hesitam fazer ultrapassagem à esquerda, em vias com um buraco no centro. É desde condutor, habilitado no centro de formação despreparado, para conduzir em estradas esburacadas, partilhadas com condutores com mentalidade selvagem em um ambiente regulado por instituições preocupadas com taxas e representadas por agentes preocupados com refrescos. No fim, o resultado não pode ser diferente. Nem os curandeiros conseguem.

Todos os intervenientes fazem vista grossa aos problemas que vão ser determinantes no futuro condutor para se centrar nas penalizações que não reduzem acidentes, não incrementam receitas do Estado e, pelo contrário, incentivam corrupção na Polícia de Trânsito, com agentes a fazerem xitiques diários.

As medidas do MTC são desesperadas e foram tomadas em pleno auge de desespero, não se pode determinar se a pessoa vai ou não a cadeia só pela consequência do acidente, é ridículo. A gravidade não deve estar na consequência, mas na infracção. E mais, se estamos para transitar a um estágio de o condutor responsabilizar o Estado, devemos começar hoje a responsabilizar o Estado e os municípios pela má ou falta de sinalização das estradas, pelos buracos que induzem condutores a acidentes e pelos agentes que deixam circular viaturas sem as mínimas condições.

Estas medidas tomadas devido aos crescentes acidentes naquele trouxe da Manhiça, é uma negação ao papel do Estado, uma vez que já foi dito em bom som que o único que pode resolver não são os condutores ou os curandeiros, é Estado que deve ampliar aquela via. Sim, o Estado.

Não são medidas de ameaça à prisão, nem de apreensão de documentos por suspeita, sim, SUSPEITA, nem quaisquer outras medidas populistas vão resolver o problema da sinistralidade.

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