Arsénia Massingue pressiona SERNIC a devolver pagamentos ilícitos

DESTAQUE POLÍTICA
  • Instituição cobrou uma taxa de ingresso no Aparelho do Estado
  • Em contacto com o jornal, SERNIC reconhece que foi um “erro”
  • Ministra explicou ao Evidencias que instruiu a instituição a devolver o valor
  • Documentos interceptados na secretaria do MINT mostram que a instituição foi encurralada pelo Provedor da Justiça

A Direcção-Geral do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) decidiu introduzir, à margem do Regulamento e do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, uma taxa de 250 meticais para os candidatos interessados em ingressar no aparelho do Estado. A medida, que sugere a institucionalização de corrupção de uma das direcções do Ministério de Interior, que muitas vezes é associada a extorsão, não passou desapercebida aos candidatos, Provedor da Justiça e a direcção máxima do Ministério do Interior. Em contacto com o Evidências, a ministra do Interior, Arsénia Massingue, não escondeu o seu desapontamento, tendo revelado que não esteve a par da cobrança e logo que tomou conhecimento instruiu a instituição a conformar-se com a lei. Contas feitas pelo jornal indicam que, ao arrepio da lei, o SERNIC encaixou ilegalmente  cerca de um milhão e setecentos mil meticais, correspondentes ao dinheiro recolhido de mais 7 mil candidatos. Contactado, o SERNIC afirma que foi um “erro” imitado de “outras instituições” e que irá proceder com a devolução assim que encerrar o concurso.

Nelson Mucandze

O Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), umas das direcções do Ministério de Interior mais conotada com acções que evidenciam corrupção estruturada, quer ser pioneira dos novos requisitos para ingresso no Aparelho do Estado, que não encontram suporte nas leis e decretos que regulam a contratação de Funcionários e Agentes do Estado.

Recentemente, a Direcção-Geral do SERNIC tornou público a abertura de um concurso para o ingresso no Aparelho de Estado, para o preenchimento de vagas na capital do País e nas restantes Direcções Provinciais daquele órgão. Neste momento, o concurso está numa fase avançada.

Sucede, porém, que, no referido anúncio, além de se exigir os requisitos preconizados no artigo 18 do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (EGFAE), aprovado através da Lei 4/2022, de 11 de Fevereiro, em conjugação com o disposto no n.º1 do artigo 8 do Regulamento do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (REGFAE), aprovado através do Decreto 28/2022, de 17 de Junho, o candidato deve depositar o valor de duzentos cinquenta meticais, não reembolsáveis a efectuar-se na conta do SERNIC n.º0005246519009 sediada no Banco de Moçambique.

Esta exigência apanhou de surpresa aos mais de sete mil candidatos a nível nacional, que não sabiam que se pagava para concorrer a uma vaga no Aparelho do Estado.

O Evidências soube que, para além de surpreender os candidatos, algumas reclamações foram formalizadas e já chegaram ao gabinete da ministra do Interior, Arsénia Massingue, que terá exortando a instituição, dirigida por Nelson Valente Rego, um destacado quadro do Serviço de Informação e Segurança de Estado (SISE), a conformar-se com a lei.

Rego completou um ano na instituição em Outubro passado e neste intervalo já se assistiu a um pouco de tudo, desde agentes surpreendidos em esquemas de corrupção, de rapto e, agora, a manifestação de uma corrupção estruturada.

Lei moçambicana defende gratuidade de concursos

O pomo de discórdia é a ausência do dispositivo legal que possa sustentar a cobrança de taxas aos candidatos que pretendam ingressar no Aparelho do Estado, sendo esta, de acordo com alguns documentos de reclamação, interceptados pelo Evidências, uma violação ao disposto na alínea g) do n.º2 do artigo 34 do EGFAE, que prega como uma das regras gerais a gratuidade do concurso.

Em carta dirigida ao Ministério do Interior, o Provedor da Justiça reforçou a condenação daquela violação da Lei, sustentando que a alínea b) do n.º2 do artigo 62 do EGFAE refere que são deveres especiais do funcionário e agente do Estado respeitar as normas que regulam o processo de admissão, mobilidade, progressão e mudança de carreira do funcionário.

Porque os pedidos para apresentação das candidaturas são dirigidos à ministra do Interior, “esta tem a obrigação de se conformar com a lei em relação a observância dos requisitos gerais para o ingresso no Aparelho do Estado, devendo suspender a cobrança do valor acima quantificado e, por conseguinte, a devolução do já cobrado, abstendo-se desta forma de cobranças ilícitas e outras formas de corrupção, conforme reza a alínea a) do n.º2 do artigo 62 do EGFAE”, lê-se num dos documentos interceptados pela nossa reportagem, assinado pelo provedor da justiça, instituição liderado por Isaque Chande.

“Constatamos que a cobrança é ilegal”, Arsénia Massingue

A ministra do interior explicou que antes de qualquer reclamação externa e da nota feita pelo Provedor da Justiça já decorria um trabalho afim de que o SERNIC se conformasse com a lei e que culminará com devolução do valor.

“Efectivamente, o concurso foi lançado, é público, estava lá no jornal, incluindo a cobrança dessa taxa, e nós constatamos que a cobrança é ilegal”, disse em conversa com o Evidências, argumentando mais adiante que “o SERNIC está a fazer um trabalho, neste momento, para devolver o valor cobrado e conformar-se com a lei. É o que está em curso neste momento”.

Mais adiante, em resposta a nossa questão, explica que a introdução da taxa foi uma decisão exclusivamente do SERNIC e quando tomou conhecimento, chamou atenção à instituição dirigida por Rego para que esta se conformasse com a legalidade.

“Ocorreu um erro” – SERNIC

O porta-voz do SERNIC, Leonardo Simbine, explicou ao jornal que “ocorreu um erro e estamos a corrigir”. A seguir justificou como sendo modos operandi de grande parte de instituições públicas.

“Havia uma prática reiterada nas instituições do Estado para aquisição de candidaturas, mas há uma nova norma que entrou em vigor há poucos meses, que proíbe tal situação (cobrança de taxas), e, apesar de ter recebido a nota do Provedor da Justiça, já tínhamos nos apercebido de tal situação e estamos a corrigir”, destacou.

Refira-se que, fazendo fé na explicação de Simbine, o Evidências fez consultas e não conseguiu encontrar qualquer lei relativa a cobranças aos candidatos para a sua integração no Aparelho do Estado.

“Neste momento, em todo o país, vamos recorrer as fichas para devolver o dinheiro, porque o dinheiro não foi em numerário, temos os comprovativos de todos e vamos devolver o dinheiro a todos os candidatos”, garantiu o porta-voz do SERNIC.  O Evidências vai continuar a seguir o caso.

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