Após uma semana de caos, Armindo Tiago abandonou arrogância e sentou com os profissionais de saúde

DESTAQUE POLÍTICA SOCIEDADE
  • Greve suspensa por 15 para dar lugar a negociações
  • Houve hospitais às moscas, cirurgias interrompidas e internados mandados para casa
  • MISAU chegou a exigir documentos que confirmem existência legal da APSUSM
  • Mas depois do início de ver o caos causado pela greve, o Governo baixou a crista

Foram necessários apenas quatro dias de caos nos hospitais em quase todo o País devido a greve dos profissionais de Saúde, sobretudo enfermeiros e demais técnicos, para o Governo recuar da sua decisão inicial de arrogância e sentar-se à mesa com a Associação dos Profissionais de Saúde Unidos e Solidários de Moçambique (APSUSM), que no início disse que nem sequer reconhecia e chegou a exigir documentos da sua existência legal. Já na mesa negocial, o Governo, através do Ministério da Saúde (MISAU) baixou a crista, o que permitiu que fosse alcançado um pré-acordo que permite as partes continuarem a negociar e buscar uma solução, sem prejudicar aos utentes. Desta feita, a greve foi suspensa por 15 dias e a sua retoma ou não vai depender do consenso ou não nas negociações.

Renato Cau/Evidências

Hospitais desertos, bancos – que habitualmente enchem de pacientes – às moscas, fraco movimento, pacientes deambulando sem nenhuma assistência e outros com altas compulsivas, foi o ambiente vivido entre o passado dia 01 de Junho e este domingo (04), na maior parte das unidades sanitárias do País, incluindo hospitais de referência.

Nalguns pontos do País em que os pacientes estavam desavisados houve longas filas de doentes implorando por algum atendimento, mas nada era feito, aliás, estes funcionaram a “meio gás”, pois quase nenhum técnico de saúde estava lá com excepção dos médicos que nada podiam fazer sem os imprescindíveis enfermeiros.

Como se a situação já não fosse grave o bastante, no primeiro dia da greve funcionários do Hospital Provincial da Matola deram altas hospitalares a vários pacientes mesmo muitos destes estando a precisar de cuidados médicos.

“Eu devia sair na próxima semana, mas fomos recomendados a prosseguir com o tratamento nos centros de saúde dos bairros, porque a situação está mal. Praticamente, o hospital está vazio na medida em que as pessoas estão a ser dadas altas forçadas. Eu, por exemplo, ainda sinto dores e era aqui onde recebia melhores cuidados. Agora não sei o que será de mim”, lamentou Fábio Mucavele, paciente que recebeu alta hospitalar.

Ângelo Machavane disse que o médico recomendou apenas que lavasse a ferida diariamente com água e sabão e que não precisava de ir a uma unidade sanitária mais próxima para prosseguir com o tratamento.

O caso mais marcante foi de quem já estava na sala de cirurgia e foi obrigado a abandoná-la, tendo que ir para casa aguardar por uma eventual chamada do hospital. Esse foi o caso de Gonçalves Macarringue, que se mostrou agastado com o tratamento que recebeu, pois entende que os pacientes não têm responsabilidade nas reivindicações dos profissionais de saúde, mas são os mais prejudicados.

Já o Centro de Saúde de Nkobe estava às moscas e os pacientes eram logo recomendados a voltar para casa até que a situação se normalize, pois ninguém ia atender, enquanto que no Centro de Saúde de Mavalane citado pelo jornal “O País”, boa parte dos profissionais não trabalhou devido à greve, entretanto, nem todos estavam alinhados, por isso os serviços de consulta decorriam normalmente.

A arrogância do MISAU que quase custou vidas

A greve dos profissionais de Saúde, na sua maioria enfermeiros e técnicos da saúde,  por 25 dias prorrogáveis em todo o País, foi convocada pelo presidente da APSUSM, Anselmo Muchave no passado dia 23 de Maio, com a previsão de arranque que a partir do dia 01 de Junho.

E, como tal, a reacção do Governo através do MISAU não se fez demorar e veio com uma dose extra de arrogância. No mesmo dia em que foi anunciada a greve, a instituição dirigida por Armindo Tiago emitiu um comunicado onde instava a associação a apresentar os documentos de suporte da sua existência legal, e esta teria uma semana para provar que é legalmente constituída.

Dias depois, houve um primeiro encontro entre as partes, tendo sido produzida uma acta que devia ser assinada pelas partes, mas a associação não assinou por não concordar com o que foi arrolado, ou seja, não era oque foi discutido na reunião. No fim do mesmo encontro, foi encenada uma estratégia para enfraquecer o movimento, com vários quadros seniores de diferentes organizações de profissionais a declararem desconhecer a APSUM e a desencorajar a greve.

Não se dando por satisfeito, o MISAU solicitou às entidades competentes, um parecer sobre a existência legal da Associação/Comissão assim como sobre a legitimidade e legalidade dos actos que está a praticar e de lá nunca mais veio resposta alguma.

Os enfermeiros consentiram em silêncio as tentativas de ridicularização da sua acção e no dia 01 de Junho, deixaram o Governo de cócoras quanto de forma unida, em todo o país, paralisaram as actividades em reivindicação contra o mau enquadramento na Tabela Salarial Única (TSU), más condições de trabalho nas Unidades Sanitárias, falta de equipamentos de proteção e insumos, entre outros.

Aderiram à greve cerca de 10 mil profissionais de saúde a nível nacional inscritos em várias associações de profissionais de saúde que integram enfermeiros; técnicos de saúde, afectos à radiologia, farmácia, maternidade, laboratórios, medicina curativa e preventiva, agentes de serviços, motoristas, entre outros.

Várias fotos, vídeos e áudios foram partilhados nas redes sociais por técnicos de saúde que se mostravam agastados com as condições de trabalho às quais estão sujeitos.

“…a greve é real, não estamos a brincar. Merecemos nós, fezes são fezes que atendemos nas enfermarias e outros lugares, com pouco salário que não serve para nada. Façam-nos favor, querem continuar assim? Um enfermeiro merece um melhor salário. Um enfermeiro atende 50 a 60 doentes e não merece nem um copo de água, uma água quente com açúcar e pão e sem alimentação”, desabafou uma técnica de saúde anónima em um áudio.

Depois da “chapada” MISAU mudou de postura

Dois dias úteis e um fim-de-semana foi o tempo suficiente para o Ministério da Saúde abandonar a arrogância e reconhecer uma associação “ilegal” e com ela sentar para dialogar para a busca de um consenso.

“Depois do burro morto” o director nacional dos Recursos Humanos do MISAU, Norton Pinto, que chefiou a delegação do MISAU, reconheceu que o grupo de profissionais de saúde que outrora foi arrogantemente questionado esteve desde o dia 20 de Abril em negociações com o ministério tendo obtido algum seguimento neste último final de semana.

Fruto das negociações, as partes declaram este Domingo, em conferência de imprensa, que foram “alguns consensos” e comprometeram-se a continuar o diálogo. Mas, mais do que isso,  a greve fica temporariamente suspensa por 15 dias, devendo ser retomada caso o governo continue a pautar pela arrogância.

Anselmo Muchave disse, na ocasião, que a greve só foi suspensa por 15 dias para evitar que o sofrimento da população se prolongue, e nos dias em que a greve ficará suspensa as negociações com o MISAU vão continuar para que as exigências associação que representa sejam satisfeitas

“A decisão de suspensão da greve por 15 dias vem de consensos alcançados nos dois de negociações havidas entre a associação e o ministério da Saúde (MISAU)”, disse Anselmo Muchave.

No entanto ao serem questionados  sobre quais teriam sido os consensos até aqui alcançados, nenhum dos dois soube responder e ambos escusaram-se a avançar quaisquer dados a respeito.

Norton Pinto foi ainda questionado se o MISAU reconhece a associação com a qual estava a dialogar ou se estava diante de uma associação estranha ao MISAU, tendo (com alguns rodeios) considerado que o importante é interagir com a contraparte que tenha assuntos que visam melhorar a prestação de serviços e bem-estar da população e vincou, “permitam-nos não discutir a questão da legalidade ou falta de legalidade”.

Houve tentativa de substituir enfermeiros por estudantes como na greve dos médicos

Tal como aconteceu aquando da greve dos médicos, em que o MISAU mobilizou estudantes do terceiro ao sexto ano dos cursos de medicina para colmatar o défice da falta de médicos, houve uma tentativa de substituir os enfermeiros e técnicos por estudantes dos cursos de enfermagem.

Uma profissional da saúde conta que no Hospital Provincial da Matola todos estudantes estagiários foram mandados embora para as suas casas. Para garantir serviços mínimos no maior hospital de referência na província de Maputo estavam presentes apenas quatro técnicos.

“…na maternidade do hospital provincial dizem que é só socorro socorro”, avançava outra grevista de um outro hospital, confirmando que os estudantes foram escorraçados.

Ainda não se sabe ao certo quantas unidades sanitárias e pessoas terão ficado prejudicadas com a paralisação das actividades dos profissionais de saúde durante estes três dias no país todo.

Refira-se que as razões da convocação da greve têm a ver com os baixos salários, não pagamento de horas extras desde o ano passado, falta de condições e equipamentos, incluindo medicamentos nos hospitais. Os profissionais relataram falta de materiais básicos de trabalho como luvas, batinas, botas, máscaras e baixos salários.

Os profissionais de saúde dizem ainda que a implantação da Tabela Salarial Única (TSU) está a causar prejuízos àquela classe de profissionais e responsabilizam o Governo por esta situação.

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