Alexandre Chiure
Alguém, das minhas relações, perguntou-me, nestes dias, o que eu achava do manifesto eleitoral (ME) da Frelimo aprovado, há dias, pela II sessão extraordinária do CC, realizado recentemente, em Maputo. Respondi-lhe que é quase o mesmo de 2019, tirando um e outro aspecto de forma ou de conteúdo.
Disse-lhe, também, que não me simpatizava com os manifestos eleitorais, no geral, porque, longe de constituírem projectos políticos, são uma compilação exaustiva dos problemas existentes no país, os mesmos de sempre, traduzidos em promessas eleitorais.
É que se eles fossem a chave de desenvolvimento, Moçambique estaria muito avançado, o que não é o caso. O presidente Chissano cumpriu dois manifestos, Guebuza, dois, e igual número para Nyusi, correspondentes a dois mandatos de governação cada.
Se perguntássemos a cada um dos três presidentes qual foi o nível de execução das promessas eleitorais, inscritas no manifesto, naturalmente que diria que foi de 75 a 80 por cento. Mas, infelizmente, quase nada mudou no país, de significativo, em termos de qualidade de vida dos moçambicanos. Pelo contrário, a pobreza aumentou em 87 por cento nos últimos dez anos, segundo estatísticas oficiais.
Quer, com isso, dizer que não é o manifesto eleitoral que o pais quer, mas, isso sim, uma agenda nacional ousada, com objectivos claros, acções a desenvolver, prioridades e metas a atingir a curto, médio e longo prazos, em diferentes sectores de actividade.
Para começar, o manifesto eleitoral, ainda que seja brilhante, não é determinante para a escolha de um ou outro candidato às presidenciais ou de partidos para a AR. O que conta para a tomada de decisão sobre a quem votar é o carisma do candidato. Votam-se marcas dos partidos políticos, se é a Frelimo, Renamo, MDM ou qualquer outro partido.
O ponto é parte significativa dos moçambicanos não tem capacidade de avaliar ou de distinguir o melhor manifesto eleitoral dentre vários, apresentados pelos partidos políticos durante uma campanha eleitoral. Há razão para isso. Cerca de metade dos 30 milhões da população é analfabeta, sendo as mulheres a representarem 49 por cento e os homens (27,2 por cento).
O que o país quer, na verdade, é um debate nacional sobre que Moçambique queremos construir. Onde estamos hoje e onde queremos chegar amanhã, o que pressupõe a elaboração de uma agenda nacional com objectivos claros, acções a desenvolver, prioridades e metas a atingir em cada momento e em cada sector.
Temos que nos desafiar a nós próprios de que daqui a 30 ou 40 anos, Moçambique deverá ser auto-suficiente na produção de arroz, trigo ou outras culturas e desenvolver-se uma estratégia para o alcance desses objectivos. O país dispõe de terra fértil (36 milhões de hectares aráveis), água abundante e mão de obra barata.
Temos que estabelecer que nos próximos 50 anos o país deverá estar ligado através de um comboio rápido ou que terá um Metro ligando as cidades de Maputo, Matola e as vilas de Marracuene, Manhiça e Boane e mobilizar investimentos e buscar parceiros estratégicos para o alcance dessas metas.
Nesse exercício, seria importante analisar se vale a pena ou não manter a figura de secretário de Estado na província, com funções executivas, onde temos um governador eleito, com um programa e um mandato por cumprir e o presidente do Conselho Municipal com o seu governo. Para já, esta situação dá lugar a guerras e guerrinhas sobre quem manda mais entre as duas primeiras figuras.
É preciso repensar nas políticas da educação. Avaliar se vale a pena continuar a apostar mais no ensino geral que está a produzir um exército de jovens desempregados, com o nível médio, que não sabem fazer nada e não conseguem entrar nas universidades públicas do que o ensino técnico-profissional para os jovens aprenderem a saber fazer.
Há que repensar, igualmente, nas políticas da saúde e adequá-las às reais necessidades das populações. É preciso analisar se vale a pena, por exemplo, continuar a cobrar um metical para uma consulta médica e a termos hospitais públicos pobres, sem medicamentos e equipamento para o diagnóstico e tratamento dos doentes, ou subir a taxa e podermos contar com serviços de qualidade.
As redes escolar e sanitária devem ser alargadas tendo em conta o crescimento da população. O governo tem que trabalhar com as estatísticas para prever quantas escolas ou centros de saúde serão necessários daqui a 20 ou 30 anos, tendo em conta a demanda para evitar situações de ter crianças a estudarem sentadas no chão e de comunidades que não têm onde receber assistência médica.
Todos estes itens deviam constar da agenda nacional, de cumprimento obrigatório por parte de todos os governos, uma bússola que mostre a direcção para a qual vamos. Um instrumento que estabelece balizas para a governação do país e que acaba com a actual situação em que tudo fica ao critério e vontade de quem está a governar. Quando entende, muda os nomes dos ministérios e de outras instituições públicas, sem produzir resultados nenhuns quanto ao desempenho e à dinâmica que se podia esperar com as mexidas.
Na situação em que estamos hoje e a forma como as coisas são feitas, se alguém perguntasse-me para que direcção vamos, como país, não saberia responder. Não estamos alinhados nesse sentido.
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